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Lendo: Na Líbia, a barbárie é europeia

Na Líbia, a barbárie é europeia

Na Líbia, a barbárie é europeia


No seguimento do escalar da violência da campanha persecutória levada a cabo pelas autoridades líbias, milhares de migrantes estão, desde o início de Outubro, em frente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em Tripoli, para exigir a sua evacuação imediata para um país seguro.

Nos primeiros dias de Outubro, as autoridades líbias procederam a inúmeras rusgas nos subúrbios de Tripoli, à procura de migrantes, acabando por deter mais de cinco mil pessoas, de acordo com números da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Quem conseguiu fugir dirigiu-se para as instalações do ACNUR em Tripoli. Para o mesmo local, dirigiu-se também quem conseguiu escapar do centro de detenção Ghot Shaal. Nem todos, porém: na situação caótica que se gerou no seguimento da fuga de centenas de pessoas por um buraco na vedação, os guardas acabaram por matar seis pessoas.

Desde então, entre 3 e 4 mil pessoas estão na rua, a exigir evacuação imediata para um país seguro. Sem comida, sem água e sem abrigo, expostas ao calor e à muita chuva e sem acesso a cuidados médicos. No dia 12, o ACNUR propôs que os migrantes reunissem com o Departamento para Combater a Imigração Ilegal (DCIM – uma estrutura que faz parte do ministério líbio da administração interna) de forma a encontrarem uma solução conjunta. A sugestão do DCIM tomou a forma de um convite para que fossem ao centro de detenção em Ain Zara, o que foi imediatamente recusado pelos manifestantes. Perante o impasse, a ACNUR pediu-lhes que fossem embora e deixassem de ocupar a rua.

As autoridades líbias limitam-se a fazer o trabalho para o qual foram pagas pelo seu cliente: evitar, a
todo o custo, que os migrantes cheguem a terreno europeu.

Liberdade ou morte

O que está a suceder neste momento em Tripoli é o resultado das políticas da União Europeia (UE), que externalizam fronteiras e promovem a detenção de migrantes sem se preocuparem com a duração ou as condições dessa detenção. As autoridades líbias limitam-se a fazer o trabalho para o qual foram pagas pelo seu cliente: evitar, a todo o custo, que os migrantes cheguem a terreno europeu.

LibiaNa Líbia, os migrantes africanos nunca estão seguros. Seja nas ruas, onde estão expostos ao racismo, aos raids policiais, onde enfrentam muitas vezes a morte, o rapto ou o trabalho forçado, seja nos centros de detenção «oficiais», onde são sistematicamente torturados. O que está em jogo, então, não é apenas a exigência da evacuação destes 3 ou 4 mil migrantes para países seguros, mas a de todos os migrantes que, neste momento, estão em território líbio.

A rede Abolish Frontex recebeu uma declaração da Líbia, onde se podia ler:
«Nós, refugiados na Líbia desde 2017 até agora, estamos cansados de esperar sem soluções para os nossos problemas. […] Depois, o governo fez rusgas contra nós com todas as suas forças e prendeu-nos e ficou-nos com os nossos bens pela quinta vez. Fugimos da prisão e fomos para o ACNUR. Que não quis saber de nós e não nos quis ajudar. […]. Exigimos a evacuação para um país seguro, ou então o ACNUR terá de enviar o governo líbio para nos matar a todos em frente aos escritórios do ACNUR. Porque perdemos os nossos irmãos e as nossas irmãs, há 5 mil (há quem diga 10 mil) ainda em centros de detenção, sujeitos a tortura, com crianças e com fome. E 350 feridos pela polícia, e 34 que foram mortos quando escapávamos e mais o refugiado sudanês que morreu já às portas do ACNUR. […] Exigimos às organizações humanitárias que intervenham imediatamente de forma a evacuarem os refugiados da Líbia. Repetimos: Basta! Basta de mortes, basta de sofrimento. A Líbia é impiedosa, sem vida possível, sem humanidade!»

Preocupação na Europa

LibiaPor cá, o eco destes acontecimentos impressionantes e dramáticos não existe de todo. As notícias têm corrido muito depressa em algumas redes sociais mas não furam o bloqueio noticioso que parece ter caído sobre um assunto que, à primeira vista, deveria chamar a atenção de qualquer jornalista. Aproveitando este silêncio, uma outra notícia chega sorrateira, também ela sem alarido público: A Comissão Europeia pretende entregar novos e modernos barcos à guarda costeira líbia, mesmo depois de um relatório das Nações Unidas descrever as condições dos centros de detenção de migrantes nesse país como passíveis de serem consideradas «crimes contra a humanidade». Isto inclui «motivos razoáveis para acreditar» que o assassinato, a tortura e o rapto de migrantes fazem parte de um ataque sistemático e generalizado dirigido a esta população.

«Exigimos a evacuação para um país seguro, ou então a ACNUR terá de enviar o governo líbio para nos matar a todos».

Perseguidas no mar e na rua ou torturadas nas instalações oficiais, às portas da ACNUR estão pessoas que preferem morrer ali mesmo – de fome, frio, doença ou a tiro de espingarda policial – a ir para um qualquer centro de detenção de migrantes na Líbia. Nos gabinetes de Bruxelas, entre um chá e um aperto de mão, ultimam-se os pormenores para mais um negócio que fará com que ainda mais pessoas caiam em mãos comprovadamente criminosas.

A barbárie mora aqui.

 


Fotografias de RefugeesinLibya [https://twitter.com/RefugeesinLibya]


Written by

Teófilo Fagundes

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