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Lendo: Minerar em Reserva da Biosfera

Minerar em Reserva da Biosfera

Minerar em Reserva da Biosfera


O projeto Valtreixal da empresa canadiana Almonty Industries Inc. pretende criar uma mina a céu aberto para explorar volfrâmio e estanho numa área de 247 hectares, em Calabor, no Estado espanhol. A exploração situa-se em plena Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica (reconhecida pela UNESCO em 2015), que abrange territórios de Trás-os-Montes (nomeadamente o Parque Natural de Montesinho) e de Castela Leão, e tem uma área total de 1.132.606 hectares, numa região de montanha que abriga espécies selvagens ameaçadas, como a toupeira de água, o corso, o lobo ibérico, a cegonha preta ou o veado.

De acordo com Jorge Novo, em artigo no jornal Mensageiro de Bragança o projecto prevê «fazer explodir 1,7 mil toneladas de dinamite durante 19 anos» para extrair os minérios, criando uma cratera de quase dois quilómetros de comprimento e centenas de metros de profundidade. O ruído contínuo de explosões, de máquinas pesadas e de dezenas de camiões por dia, assim como a deposição de milhões de metros cúbicos de resíduos no local – alguns potencialmente perigosos para a saúde – são as preocupações mais imediatas das populações. Do lado português, as aldeias de Rio de Onor, Aveleda e Varge seriam as mais directamente afectadas, mas, dado as escorrências estarem programadas para o lado português, é bastante provável que a contaminação se alargue e atinja a bacia hidrográfica do Douro, através do Rio Sabor.

Se há mina, sou contra

Mal se soube das primeiras movimentações, a oposição à mina nasceu. O Uivo – Para uma Reserva da Biosfera Meseta Ibérica Livre de Minas, um «movimento cívico, apartidário, aberto a todos os cidadãos, que se opõe à exploração de minas no território da Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica», foi criado «na sequência das notícias que começaram a aparecer sobre um projecto de mina a cinco quilómetros da fronteira do Parque Natural de Montesinho», de acordo com o Facebook do movimento, onde as actualizações sobre o assunto estão a ser partilhadas. Enquanto aguarda que a pandemia permita sair à rua e realizar acções de divulgação e sensibilização, o Uivo tem escrito aos ministérios e secretarias de estado envolvidos, a outras associações também em alerta sobre este projecto de extracção mineira e aos diferentes grupos parlamentares.

Mal se soube das primeiras movimentações, a oposição à mina nasceu.

Trata-se de um movimento que, à partida, rejeita separar esta luta concreta duma outra mais vasta, que inclui a questão ambiental mais geral mas também a procura doutras formas de pensar a chamada participação cidadã. Mais do que um grupo para gentes «locais», o seu Manifesto afirma que pretende ser um lugar para «todos quantos reconhecem a importância do exercício da cidadania como o melhor meio de reforçar a democracia e construir sociedades efectivamente dos cidadãos». Um movimento que, por fim, demonstra estar atento às urgências do momento, referindo que «os tempos de pandemia mostraram que o futuro não passa pela concentração das populações em megacidades, mas sim por um modelo de desenvolvimento humanizado, tornando-se cada vez mais necessário e urgente assegurar a qualidade das regiões de baixa densidade populacional a todos quantos aqui decidem instalar-se».

Declaram-se contra as minas, uma vez que «comprometem o desenvolvimento sustentável destas regiões e acentuam gravemente o abandono do mundo rural, na medida em que apenas promovem um escasso número de trabalhadores locais em detrimento da continuidade e da instalação de muitas outras actividades económicas verdadeiramente sustentáveis e em sintonia com a identidade do território». Afirmam ainda que a actividade mineira destrói ou prejudica muito seriamente «o património natural e a qualidade ambiental da região, como a paisagem, a fauna, a flora, a salubridade dos solos, as águas subterrâneas e superficiais, o ar, o silêncio».

Do lado de lá da raia surgiu também pelo menos um movimento, o Stop Mina Sanabria, que se declara defensor do desenvolvimento sustentável e que, entre outras coisas publicou um vídeo com informações mais pormenorizadas sobre o assunto.

Volframite

Volframite – Didier DescouensCC BY-SA 4.0.

Um EIA que é uma farsa

Entretanto, Agosto foi o mês escolhido para a discussão pública do Estudo de Impacto Ambiental deste projecto. Um período «pouco útil», nas simpáticas palavras de Rui Loureiro, do Uivo, citado pelo site Interior do Avesso. Uma discussão que parecia até fútil, uma vez que «o Estudo está cheio de incongruências e de erros», refere, sintetizando que «basicamente ficamos com a sensação de que não foi um Estudo de Impacto Ambiental feito especificamente para este projeto». Isto porque «aparecem espécies animais que não existem aqui, há coisas completamente incongruentes em matéria das próprias acções de mitigação dos impactos do projeto, há erros com números… o Estudo tem muitos, muitos erros, portanto, essa é uma das questões que nos preocupa muito, porque se, à partida, o Estudo já está mal feito, então o que é que nos garante que este projeto de facto prevê controlar os riscos?»

Mesmo sem entrar nestas críticas ao EIA, a associação Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural «pronuncia-se», a 20 de Agosto, «contra este projeto de exploração mineira a céu aberto». No dia seguinte, o FAPAS – Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens mostrava-se «solidário com a Palombar e com os Ecologistas en Acción de Zamora (Zamora) e com outras associações de defesa do ambiente e subscrevia, desta forma, «o seu parecer sobre o Projeto de Exploração de Recursos de Estanho e Volfrâmio da mina de Valtreixal de Sanabria». Dias mais tarde, também a Quercus se juntou ao coro opositor e «emitiu parecer negativo à proposta».

«Se, à partida, o Estudo já está mal feito, então o que é que nos garante que este projeto de facto prevê controlar os riscos?»

Já em Janeiro deste ano, o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial ZASNET, entidade gestora da Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica constituída por entidades dos mesmos territórios (Associações de Municípios da Terra Fria do Nordeste Transmontano e da Terra Quente Transmontana, a Câmara Municipal de Bragança e as Diputaciones de Zamora e Salamanca, bem como o Ayuntamiento de Zamora), solicitava «às entidades responsáveis pela realização da avaliação do Estudo do Impacto Ambiental (EIA) causado pela instalação da mina a céu aberto, Valtreixal, que tenham em conta as consequências negativas para esta reserva da biosfera e o respectivo modelo de desenvolvimento». Acrescentando que «a instalação desta mina, em Calabor, é altamente poluente, não só localmente, mas afecta uma área muito maior que o expectável, tanto ao nível do solo como da água e da atmosfera» e alertando que o reconhecimento da UNESCO está «em risco» devido ao projeto da instalação de uma exploração mineira a céu aberto nessa zona.

A velha «nova estratégia» da UE

A retórica verde esbarra sempre na realidade da sociedade capitalista. As ideias de sustentabilidade são apenas palavras que se esgotam perante o primeiro interesse financeiro ou geo-estratégico. Como tal, não seria de esperar que a possibilidade de minerar em zonas com níveis de protecção aparentemente profundos fosse um monopólio português. Afinal, é a própria União Europeia (UE) que acredita que o significado de «transição» não tem a ver com alterar padrões de produção e de consumo, por exemplo, mas com diversificar fontes e matérias-primas não renováveis. Ou seja, largar a dependência do petróleo para abraçar outros elementos igualmente finitos… até à exaustão final. Parte de Portugal e parte do Estado espanhol são zonas fundamentais para a «nova estratégia da UE para reduzir a dependência externa de matérias-primas essenciais», que foi anunciada em Setembro de 2020 pelo vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelas Relações Interinstitucionais e Prospetiva, Maroš Šefčovič, acompanhado pelo comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton.

A Comissão [Europeia] sublinha que não está prevista qualquer exclusão absoluta de operações extractivas no quadro jurídico de Natura 2000»

Uma «nova estratégia» que, como quase sempre na linguagem muito especial da UE, não é mais do que um ramake duma obra em curso, talvez com mais cuidados «sustentáveis» e com uma «abordagem social e responsável», mas com uma «fama que vem de longe». Uma iniciativa – Matérias-Primas – da Comissão Europeia de Novembro de 2008 afirmava já que «o bom funcionamento da economia da UE depende fortemente do acesso a preços módicos às matérias-primas minerais». E, quanto às prioridades – que, entretanto só se vincaram –, era taxativa: «a indústria suscitou preocupações quanto aos objectivos por vezes contraditórios de protecção das zonas de Natura 2000 e de desenvolvimento das actividades extractivas na Europa. A Comissão sublinha que não está prevista qualquer exclusão absoluta de operações extractivas no quadro jurídico de Natura 2000». Ou seja, quando em confronto com outros interesses, o árbitro dá a vitória à indústria.

A agressão traz sempre a resistência

A região de Trás-os-Montes é um dos alvos preferenciais do projecto extractivista da UE, logicamente acompanhada pela indústria mineira. Apesar do enorme impacto que estes projectos necessariamente representam, as populações raramente são informadas com antecedência, muito menos consultadas. Quando sabem das coisas, já as coisas estão a acontecer. Isto, a ser uma estratégia para limitar a contestação, é uma estratégia suja, mas inteligente. Não é, no entanto, completamente eficaz. Com uma rapidez impressionante, os focos opositores surgem onde quer que os planos de mineração saiam à luz do dia. As populações organizam-se e lutam pelo direito a dizer «não» mas também para afirmar que o tão badalado «superior interesse nacional» passa mais por garantir o aumento da qualidade de vida nas regiões de baixa densidade populacional do que por qualquer negócio de curto prazo que acabará por diminuí-la.

A cada novo projecto de mineração aumenta o número de pessoas que «aprendem a lutar»

Populações maioritariamente rurais que demonstram ter uma consciência plena de que o que exigem implica uma alteração de modelo de sociedade e que – sabendo-o ou não – têm um rascunho de proposta para uma sociedade alternativa. Pessoas empenhadas numa luta pelo direito à sobrevivência do modo vida que escolheram, que sentem que as suas preocupações não ecoam nos ambientes urbanos e que se sentem injustiçadas por serem precisamente elas – que sempre cuidaram da natureza, dos campos e da comida que a cidade consome – a serem acusadas de se oporem à «transição energética» e de serem os velhos do Restelo do novo mundo digital.

Neste contexto de dupla adversidade – a opacidade de processos, por um lado, e o isolamento na luta, por outro – conseguir criar uma oposição suficientemente forte para pretender ser eficaz é uma obra enorme. A imprensa local, onde estes movimentos conseguem ter voz, desempenha um papel fundamental. Mas ela, mesmo aliada à tenacidade, à crença verdadeira na validade das razões e ao facto de, no limite, considerarem que este é um combate pela sua própria vida, não seria suficiente sem o apoio mútuo que existe entre movimentos de várias zonas sob ameaça. No caso concreto do projecto Valtreixal esse apoio ultrapassará fronteiras e acabará por aproximar as gentes de Sanabria não apenas do Uivo mas de uma miríade de outros movimentos. A cada novo projecto de mineração aumenta o número de pessoas que «aprendem a lutar» e que se relacionam numa rede inorgânica e flexível, difícil de vergar pelos mecanismos habituais de controlo.


Written by

Teófilo Fagundes

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