
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Felizmente continua a haver luar (Julho/Setembro 2024)
O Partido Republicano, agora dominado por um Trump que tornou cativa a sua base, opõe-se à continuação da ajuda à Ucrânia porque quer afectar o dinheiro à «verdadeira defesa da América»: a «guerra contra a imigração» e a «segurança da fronteira sul». A questão da imigração entrou, assim, no debate sobre a guerra. Os mesmos republicanos erguem-se agora, antecipadamente, contra a possibilidade de os palestinianos que escaparam ao massacre encontrarem refúgio nos Estados Unidos! Numa entrevista a um blogue racista, Trump acrescentou mais uma camada de teoria medieval: «Os imigrantes estão a envenenar o sangue do nosso país.»
As multidões, crianças e velhos, mulheres e homens, actualmente nos caminhos do exílio, em busca de condições de sobrevivência, são um dos aspectos mais violentos da presente decadência do capitalismo. As guerras e as crises climáticas, as destruições, os massacres, as catástrofes e os colapsos políticos estão na origem da ruína das sociedades. Nos Estados Unidos, tal como na Europa, em África e na Ásia, os poderes estabelecidos, co-responsáveis por estas catástrofes, tentam encontrar uma saída isolando-se. Rejeitando o Outro. Os muros, as separações de todo o género, são a expressão do pensamento político mais primário. Sabemos que as separações não protegem nada nem ninguém, aumentam o sofrimento e não impedem o movimento das populações que nada têm a perder, porque já perderam tudo, excepto a esperança de sobreviver. Políticas que, além do mais, beneficiam as máfias e os bandos que «rentabilizam» o comércio de seres humanos. A actual administração democrata prima pela hipocrisia. Depois de ter feito promessas demagógicas, Biden prossegue as mesmas políticas que os seus antecessores, deportando pessoas a todo o momento e continuando a construir o muro entre o México e os Estados Unidos, enquanto afirma que o muro «é ineficaz» e que não é uma solução séria para o problema! A catástrofe está a alastrar e o fluxo de pessoas que fogem para a «terra prometida» não pára de crescer. Desde 2021, um recorde de dois milhões de pessoas atravessaram a fronteira sul (The Boston Globe, 6/10/23). Só em 2023, mais de 400 000 pessoas já entraram no país, 200 000 em Setembro, e todos os dias há, em média, 8000 novos pedidos de asilo. Nos últimos anos, o colapso de um grande país como a Venezuela agravou esta tendência. A fraude do socialismo bolivariano atirou centenas de milhares de pessoas para o exílio. Quase meio milhão de venezuelanos já se encontram nos Estados Unidos. Representam uma grande parte dos recém-chegados. Depois da classe média, são agora os proletários que tentam atravessar a pé a selva, a caminho do Norte. A actual administração acaba de criar um estatuto especial para os venezuelanos, mas também para os cubanos e os haitianos, que, por sua vez, fogem de um país onde os bandos substituíram o Estado. O objectivo é conceder-lhes uma autorização de residência temporária com direito a trabalhar, a fim de aliviar os centros de acolhimento.
Uma América onde «o sonho» se desfez, onde a pobreza branca também se generaliza. Os recém-chegados são confrontados com esta nova realidade, encontrando-se em concorrência com outros pobres.
As pequenas cidades fronteiriças do Sul dos Estados Unidos não conseguem fazer face à vaga de refugiados. Em Eagle Pass (Texas), uma pequena cidade de 28 000 habitantes, chegam mais de 10 000 pessoas por semana. O único abrigo para imigrantes está sobrelotado e as organizações de ajuda não têm recursos. O presidente da Câmara declarou o estado de emergência… (Wall Street Journal, 22/09/23). Nas grandes cidades da Costa Leste, para onde a maioria dos imigrantes se dirige na esperança de encontrar refúgio, trabalho e alojamento, bem como apoio para os seus filhos, os serviços sociais estão sobrecarregados. Os autarcas estão a pedir recursos adicionais ao governo federal. Com efeito, a lei determina que as cidades são obrigadas a dar abrigo aos imigrantes que se registam.
Em todos os Estados Unidos, a população imigrante é já omnipresente no funcionamento da sociedade, dos serviços à construção, da agricultura à indústria. Os proletários da América Central, e agora também da América do Sul, mantêm a máquina económica a funcionar. Uma América onde «o sonho» se desfez, onde a pobreza branca também se generaliza. Os recém-chegados são confrontados com esta nova realidade, encontrando-se em concorrência com outros pobres. Por sua vez, para a classe capitalista, a imigração continua a ser uma dádiva de Deus, um factor económico de rentabilidade. A aspiração de «sobreviver» transforma os recém-chegados em presas fáceis de explorar, enquanto os «pobres autóctones» estão, na maior parte das vezes, demasiado destruídos para trabalhar. A classe política voga na indecência, fazendo equilibrismo entre o sofrimento dos que já não podem viver e o dos que querem viver. Durante uma sua visita ao México, o presidente da Câmara de Nova Iorque tentou demolir a miragem do sonho americano, avisando os futuro imigrantes de que uma vida de miséria os esperava no Norte. Sugere mesmo que o afluxo de imigrantes cria um «ambiente de desespero» e tem «um impacto no roubo de lojas» (NYT, 19/10/23). Não é certo que isso seja suficiente, há graus de miséria mais ou menos suportáveis. Depois de uma refeição bem regada, o homem foi discursar num Fórum Empresarial Americano-Mexicano, convidando as startups mexicanas a deixarem a Cidade do México e a instalarem-se em Nova Iorque! Os maus e os bons imigrantes.
Ilustração [em destaque] de André Lemos
Artigo publicado no JornalMapa, edição #42, Julho|Setembro 2024.
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