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Lendo: «Somos a última geração que pode travar a crise climática»

«Somos a última geração que pode travar a crise climática»

«Somos a última geração que pode travar a crise climática»


A convite da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, o Jornal MAPA sentou-se com activistas da Climáximo e da Greve Climática Estudantil (GCE), no dia 25 de janeiro de 2024, para uma conversa aberta ao público. Depois de termos noticiado algumas das acções da Climáximo e da GCE em edições passadas do Jornal, interessava agora promover uma conversa aprofundada sobre o que essa acções representam, sobre o que se imagina como futuro desejável e sobre as estratégias a adoptar para chegar a esse futuro.

Martim Bernardes começou por apresentar a GCE como um «colectivo horizontal, criado em 2018 pelo movimento Fridays for Future de Greta Thunberg e que, nesse ano e no seguinte, organizou várias marchas com centenas de milhar de pessoas um pouco por todo o mundo». Beatriz Xavier, também da GCE, acrescentou que este é um «colectivo de estudantes para estudantes, para o qual a escola é o espaço de organização». Sobre essas primeira marchas, Beatriz recorda que não eram suficientes – «percebemos entretanto que isso não estava a resultar – que continuávamos a caminhar cada vez mais para o colapso. É aí que surgem novas campanhas e outras acções, como o End Fossil Ocuppy, que lançámos em 2022. Desde então, tem havido várias – muitas – ocupações de escolas secundárias e faculdades, em Portugal como em todo o mundo».

Sobre o Climáximo, Inês Teles, diz ser um «colectivo que existe desde 2015, aberto, horizontal e anti-capitalista, que esteve muito envolvido nas lutas para parar os furos de petróleo na costa alentejana e a prospecção de gás na Bajouca, lançou a campanha Empregos para o Clima e tem vindo, ao longo dos anos, a praticar todo um leque de possibilidade de acções de protesto». Inês acrescenta que o Climáximo «se tem focado muito na acção directa e na desobediência civil» e que teve «um impulso importante, em 2019, com o surgimento da GCE, ou melhor do Fridays for Future, e da Extinction Rebellion, a nível global, o que, obviamente, criou um ambiente bastante diferente dentro da luta climática e que também afectou a acção do Climáximo».

«No ano passado», prossegue, «tivemos uma grande acção – Parar o Gás, um bloqueio do terminal de gás liquefeito em Sines. Foi também no ano passado que percebemos que o que estávamos a fazer há tanto tempo não estava a resultar, que as coisas estavam a ficar piores, não só a nível climático mas também a nível social e político. Decidimos mudar radicalmente a forma como nos estávamos a relacionar com a luta e inaugurámos, mais ou menos em Setembro do ano passado, esta fase em que afirmamos que as empresas e os Estados nos declararam guerra, no sentido em que as emissões continuam a aumentar, e os governos, um pouco por todo o mundo, continuam a procurar novas possibilidades de exploração de gás, de petróleo, de combustíveis fósseis, e continuam a construir novas infraestruturas que irão causar mais emissões. Decidimos, então, que temos de colocar a crise climática no centro do debate político e, nesse sentido, mudar as nossas tácticas e as nossas estratégias. Já nesta fase, fizemos 21 acções nos últimos meses do ano passado».

Climáximo

Descarbonizar

O que entendem estes colectivos por «descarbonização» e o que é necessário fazer para chegar a uma «descarbonização» efectiva? Para Beatriz Xavier «é preciso o fim do fóssil até 2030, um prazo ditado pela ciência», ainda que reconheça que «neste sistema económico, a descarbonização é impossível, uma vez que os governos irão sempre proteger o lucro fóssil das empresas».

Para Inês Teles, «esta questão vem de encontro ao programa político que o Climáximo apresentou, o Plano de Desarmamento e Plano de Paz, que começa exactamente por parar todos os projectos que estão em processo de aprovação ou execução e que vão aumentar emissões – por exemplo, novos aeroportos, a expansão de terminais de gás, etc. – e também parar com todo o consumo que é completamente supérfluo, como jactos privados ou iates». Para Inês, descarbonizar é «parar imediatamente a queima de combustíveis fósseis. Isso é a base de tudo». Uma segunda fase do plano «é desactivar todas as infraestruturas emissoras que existem. E isso passa pelo sector agrícola, pelo da aviação, e passa, naturalmente, pelo sector da energia e dos transportes. Para isso, avançámos com uma série de medidas que visam uma transição justa e que não deixa ninguém para trás». O Plano de Paz proposto pela Climáximo «é uma coisa que tem de ser construída com outros actores da sociedade. Estamos a falar com outros grupos, a pedir feedback, de forma a podermos desenhar algo em conjunto dentro das ideias feministas, de cuidados, anti-racistas, anti-coloniais».

Que futuro?

Quisemos perceber melhor como é que a implementação de um «programa político» como o Plano de Paz evita a concentração de poder – algumas das propostas são tão complexas que parecem impraticáveis sem Estados e outras instituições. Poderá a transição ser feita de cima para baixo? Inês Teles considera que «temos de admitir a posição em que estamos. E estamos a perder redondamente. É verdade que, mesmo dentro da esquerda, existem tensões, nomeadamente esta questão do Estado. Muitas das nossas medidas são de base e descentralizadas. A “democracia energética” visa precisamente um controlo democrático sobre o sector da energia que esta esteja ao serviço das comunidades e gerido pelas próprias comunidades. Depois existem questões que são tão grandes que, de facto, quase inevitavelmente, têm de ter um certo grau de centralização. Temos muito pouco tempo para fazer essas mudanças. A abordagem é uma espécie de mistura entre medidas que permitam democratizar ao máximo todos estes processos e algum controlo que acaba por ter de ser centralizado». Movida pelo sentido de urgência, Inês acrescenta que «é por isso que, enquanto não houver garantia de futuro, vamos continuar a perturbar a paz e a chatear toda a gente. Porque não fazer nada é que não pode ser, inviabiliza vida. As emissões continuarão, com milhares de pessoas mortas ou deslocadas (até 2050, prevêem-se mais de mil milhões migrantes climáticos, ou seja uma em cada nove pessoas no mundo)».

Inaugurámos, mais ou menos em Setembro do ano passado, esta fase em que afirmamos que as empresas e os Estados nos declararam guerra.

Lutas próximas que andam longe

Globalmente, a «transição energética» é uma estratégia fracturante. Movimentos como o dos agricultores que cortam estradas por toda a Europa, ou como o dos coletes amarelos, em França, são instrutivos – as populações que mais sofrem com as alterações climáticas são também as que mais parecem sofrer com a transição. Se não questionarmos a transição verde como uma nova concentração de poder e de capital, como uma mera transferência dos lucros que eram dos combustíveis fósseis para outros sectores, não irão estas pessoas continuar a ver qualquer transição como um ataque directo às suas vidas?

Beatriz Xavier concorda que a «transição» é «uma palavra de moda a que as empresas se agarram para tentar conservar os seus lucros e privilégios. Quando falamos para fora, dizemos que esta “transição energética” não pode ser feita no quadro do sistema económico actual, porque, para acontecer, o lucro não pode estar acima da vida. Em Portugal, por exemplo, vemos trabalhadores a serem despedidos de refinarias sem outra opção de emprego…».

Inês Teles acrescenta que «a ideia de capitalismo verde é uma falácia total. Nós opomo-nos a todo esse greenwashing que as empresas fazem para dar a entender que é possível fazer uma transição positiva e, ao mesmo tempo, continuar com o seu modelo de negócio. Na verdade, mais do que uma transferência de lucros, há uma tentativa de expansão das várias oportunidades de negócio. As empresas não estão sequer a abandonar os combustíveis fósseis. Tiveram, aliás, nos últimos dois anos, os maiores lucros da história das empresas de combustíveis fósseis. Empresas como a GALP tentam passar a ilusão de que estão preocupadas e que são líderes da transição, enquanto continuam a explorar combustíveis fósseis, nomeadamente no Sul Global. Obviamente que isto é uma farsa total. Coisas como impostos sobre o carbono fazem parte desta farsa, uma outra forma de greenwashing. São coisas que tentamos transmitir quando comunicamos. Fazemos o mesmo com a injustiça: o 1% mais rico do planeta tem mais emissões do que os dois terços mais pobres da população mundial. Tornar muito claras estas discrepâncias e estas injustiças é uma das pontes eventuais com as pessoas de baixo que se sentem ameaçadas por esta transição». Beatriz Xavier (GCE) lembra que «a campanha Empregos para o Clima, que tanto o Climáximo como a GCE apoiam, pretende ajudar a que esta transição, desde que posta dentro dos moldes da vida acima do lucro, crie 200 mil novos postos de trabalho».

Sermos a geração que já nasceu em crise climática e também termos a consciência de que somos a última que a pode travar, é algo muito forte.

Estratégia

Foi em 2018 que a GCE começou com a organizar manifestações com milhares de jovens. Na altura, grande parte das pessoas simpatizava com essas mobilizações mas, de repente, as formas de luta tornaram-se mais aguerridas, passou a haver mais acção directa e um discurso de guerra – de estado de excepção. Como diz Beatriz Xavier, «tínhamos muito mais apoio institucional em 2018/19, porque não tínhamos reivindicações concretas. Dizíamos “não há planeta b”, e achavam-nos fofinhos. E fomos percebendo que, apesar de termos visto centenas de milhar de pessoas nas ruas, as coisas estavam a piorar. Estavamos a ser vistas como jovens que iam para as ruas mas que não metiam medo a ninguém. As emissões continuavam a aumentar, as COP [Conferências das Partes] – que existem há mais tempo do que eu existo – continuavam a prometer-nos coisas que nunca aconteciam ou a decidir coisas que não estavam em consonância com os relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas]. E chegámos à conclusão de que era preciso ser disruptivo, porque nunca qualquer movimento social teve vitórias apenas através de manifestações, procurando consensos com o poder. Tínhamos de romper a normalidade. Sermos a geração que já nasceu em crise climática e também termos a consciência de que somos a última que a pode travar, é algo muito forte».

No caso do Climáximo, a alteração de estratégia não foi tão profunda. Inês Teles confirma-o: «Já fomos mais fofinhos, mas nunca fomos tão fofinhos como a GCE e já estamos a fazer este tipo de acção directa e desobediência civil há muito mais tempo. Esta mudança de que falei há pouco, em que dizemos que estamos em guerra, foi precisamente por reconhecermos que as formas de luta normais não estavam a resultar. Isso não significa que temos a resposta mágica sobre o que é preciso fazer. Não! Sabemos apenas que temos de fazer outras coisas. É nesse sentido que fazemos estas acções de disrupção pública, em que vamos perturbar a circulação, bloquear ruas. Ao mesmo tempo, estamos a tentar desafiar o resto do movimento social a pensar da mesma forma, a olhar à sua volta e tentar perceber se o que anda a fazer está a resultar. E claramente não está. Temos de tentar de formas diferentes. E avaliar. E tentar de novo de formas diferentes».

Para Beatriz Xavier, «isto não é uma questão de consciência, é mesmo uma questão de poder. E quem o tem está a enviar-nos directamente para o colapso. Olhando para os governos e instituições, apesar de se dizerem democráticos, não são democráticos quando não defendem o direito à vida. Se é uma questão de poder, temos de ganhar o poder pelas nossas próprias mãos. Se a vida da maioria de nós não está a ser garantida por quem a deveria proteger, temos de o fazer nós mesmos».

Exigir mudanças a governos que têm de agradar a liberais e negacionistas não pode, de facto, ser uma estratégia vitoriosa. Para além disso, como lembra Beatriz, «a crise climática está a apertar cada vez mais os seus prazos» e a rapidez da transição é um factor fundamental para que se cumpram alguns dos objectivos da GCE e do Climáximo, o que, neste ambiente político que se vai fechando, se torna cada vez mais difícil. A certa altura, a ciência poderá dizer que já passámos determinado ponto de não retorno – paradoxos que nos fazem perder o sono? Inês Teles prefere dormir bem e utilizar as hora acordadas a «construir a ideia de que é possível lutar para fazer a transição – em oposição a essa ideia de que já não é possível, que é, de facto comum a muitas pessoas. Temos de mostrar que o poder popular existe e que é possível denunciar e desafiar o sistema em que vivemos. Obviamente que não é fácil e é por isso que desfiamos toda a gente a fazer o mesmo. Temos de adoptar novas formas de luta, operar em solidariedade e tentar, por vários lados, atingir o capitalismo onde dói. Demonstrar-lhes que temos força e fazer o medo passar para o lado deles. A questão é que não vale a pena fingir. As coisas estão más e só vão ficar piores. Não resistir não é sequer uma opção».

Climáximo

Ligações

Que existem pontes entre os dois colectivos presentes não é difícil de adivinhar. O Climáximo foi, nas palavras de Beatriz, «um dos grandes auxílios para a criação do movimento climático estudantil» e andaram sempre bastante ligados, até porque «são colectivos que partilham uma visão política». Mas quisemos também saber como é a ligação com outros colectivos, com outras geografias, mesmo com outras lutas.

Beatriz lembra que a GCE actua sobretudo nas escolas, mas que as conversas que organizam lembram sempre que as lutas não se travam isoladamente. Nos tempos mais recentes, a GCE tem, aliás, andado bastante activa também na denúncia do genocídio israelita. «Temos feito várias acções com o Colectivo pela Libertação da Palestina, e também fazemos parte da marcha Casas para Viver, Planeta para Habitar. Acreditamos que todas estas lutas têm uma causa comum – o capitalismo – e, portanto, sabemos que a justiça climática não vem dissociada da justiça social».

Inês conta-nos que, «durante muito tempo, o Climáximo apostou muito na construção de plataformas e na articulação com outros colectivos. Nesta transformação recente, desinvestimos um pouco de colocar muita energia na criação de plataformas e de alianças, nomeadamente com colectivos que não colocam as coisas das forma que nós colocamos. Os nossos esforços de alianças estão mais virados para colectivos nos quais nos reconhecemos, como acontece com a Habita ou a Stop Despejos, exactamente por considerarmos – todos – que estamos perante uma emergência e que é preciso alterar as formas de luta tradicionais».

Quanto às relações com lutas mais distantes, como a que está viva no Barroso contra a exploração mineira, Inês explica que «houve várias tensões com o movimento contra a prospecção de lítio, mas acho que resultaram de mal-entendidos e de falta de comunicação entre os dois lados. Acho que eles têm a ideia de que nós queremos uma espécie de capitalismo verde, o que é completamente errado. Há algum tipo de tensão ainda, sim, mas temos toda a vontade de a desfazer, até porque consideramos que todos estes contratos de exploração de lítio são completamente inaceitáveis».

Decrescer, acrescer e desenergizar

Da assistência de cerca de três dezenas de pessoas saltaram também algumas questões. As primeiras assinalaram a ausência de um discurso que ponha em causa os níveis de consumo de energia e que problematize a transição digital como forma de manter ou aumentar esse consumo de forma exponencial. Mais à frente, alguém diria que «a questão não é apenas a descarbonização, é a “desenergização”», enquanto outras pessoas falariam em «decrescimento». Para Inês Teles, não há dúvida de que o descrescimento faz parte das propostas do Climáximo, mas confessa que «a ideia de descrescimento não é muito mobilizadora, porque se queremos falar com as pessoas que estão na mó de baixo e lhes falamos de decrescimento, elas podem pensar que lhes queremos tirar ainda mais. Ou seja, duma perspectiva teórica faz todo o sentido, mas utilizar o conceito para mobilizar, parece-me uma coisa de classe média».

Coincidência ou não, havia pelo menos uma pessoa da Rede para o Decrescimento entre a assistência que lembrou que «Serge Latouche, no último livro, que está traduzido nas Edições 70, introduz a palavra “acrescimento”, que, se calhar, ainda é mais complexa. Mas, de facto, o decrescimento não vende. Dito isto, acho que se notou alguma falta de imaginação sobre o complexo futuro que queremos. Porque a economia e a sociedade… isso não existe. Não há “uma” sociedade, nem nós queremos “uma” sociedade. A sociedade é um complexo de estruturas. Eu resido numa vila no concelho de Santarém e não me revejo – entendo, claro, mas não me revejo – no que aqui ouvi. O que eu ali vivo não é igual ao que vocês vivem nos contextos onde habitam. Não há crise de habitação na minha vila, por exemplo. Nem em grande parte do mundo rural. A falta de imaginação para imaginarmos mais colectivamente os futuros – e as bitolas, as traves mestras do futuro que queremos mais justo e mais equilibrado – é uma conversa na qual vale sempre a pena insistir».

Isto não é uma questão de consciência, é mesmo uma questão de poder. E quem o tem está a enviar-nos directamente para o colapso.

Beatriz coloca a urgência em primeiro lugar. Para ela, «antes de se construir um futuro, temos de ter um presente garantido. Se não travarmos a crise climática, estes agricultores, as pessoas que vivem no meio rural, não vão ter processos democráticos de escolha sobre o futuro». Inês segue uma linha semelhante e refere que «a campanha Empregos para o Clima implica exactamente isso de ir conversar com os trabalhadores directamente afectados pela transição. Mas, de facto, é um processo que se tem demonstrado extraordinariamente lento. Não abandonámos a ideia, claro, mas se tivermos de convencer toda a gente antes de travarmos a crise climática, as coisas vão correr muito mal».

Linguagem

«Romper a normalidade», «intensificar o conflito», um discurso estrategicamente pensado como pertencendo a um «tempo de guerra», é algo que na plateia alguém classificou como assustador. «O que é que vem a seguir? Se não resultar, o que vem a seguir à guerra?», questionava-se. «A extinção», foi a resposta imediata de Inês Teles. Ao que Beatriz Xavier acrescentou: «a questão é que a actualidade é mesmo assustadora. A ciência di-lo há anos e as petrolíferas sabem há muito mais tempo do que todos nós: temos prazos. E têm estado a ocultar factos e a causar, coordenadamente, a nossa destruição. Isto, sim, é guerra». Para Inês, o discurso bélico é útil também para «percebermos o nosso papel e o que devemos fazer. A minha bisavó lutou contra o fascismo. É uma inspiração quase todos os dias, pensar que, na altura, ela decidiu que aquilo era o que a vida dela tinha de ser, porque não havia opção senão resistir».

Ainda na plateia, continuaram as queixas sobre o discurso ambientalista, «sobrecarregado de expressões que confundem muito. Há palavras que, no seio do movimento, não querem dizer a mesma coisa que para outras pessoas. Fala-se cada vez mais de transição energética quando, empiricamente, não há nenhuma transição a acontecer. Não há transição, há expansão. O que o mito da transição possibilita não é um planeta melhor, é mais lucros fósseis, agora pintados de verde». «Os grandes responsáveis pelos caos climático são exactamente quem nos propõe as soluções. É o capitalismo a fazer o seu trabalho», ouviu-se. Mais à frente, outra pessoa retomaria esta ideia: «o capitalismo está, de facto a fazer o seu trabalho quando nos diz que, desde que todos tenhamos um Tesla, acabam as emissões de carbono».

Beatriz assegura que «a nossa noção de transição energética é bastante diferente da dos governos ou das empresas». Inês afirma que, no Climáximo, «colocamos sempre muito ênfase no carácter sistémico, na questão da acção colectiva e no facto de que a individualização destes problemas não vai mudar nada de substancial. Temos de operar em várias frentes. Desmisificar e insistir. Constantemente. Insistir. Insistir. Insistir. Dizer a mesma coisa vezes sem conta. O que a GCE fez, ao atirar tinta aos ministros, calculo, foi exactamente isso de dizer, de forma muito clara e mediática, que isto não é transição nenhuma».

Climáximo

Repressão

Se, no início, alguns actos de desobediência ou bloqueio eram vistos com condescendência paternalista, agora, com o desenvolvimento de acções mais incomodativas e com a perda de simpatia por parte de mais camadas populacionais, a reacção das autoridades também tem escalado. O Estado parece, também ele, ter assumido a existência duma guerra e iniciou o afã de identificações, detenções e abusos com que historicamente persegue os movimentos sociais inorgânicos mais activos.

Inês afirma que «a nossa determinação não é abalável por essa repressão, que já existe há muito no Sul global e nos bairros marginalizados. A resposta do Estado é natural. Eles irão sempre tentar defender o seu próprio sistema e irão sempre atacar-nos e colocar-nos como se fossemos criminosos, quando os criminosos são eles. E a nossa resposta tem de ser a solidariedade e o apoio mútuo para fazer frente a esta repressão, às multas que nos impõem como resultado disto». Solidariedade e apoio mútuo, sim, principalmente, porque, como alguém disse: «A Terra tem apenas 12 mil quilómetros de diâmetro e somos todos seus filhos. O planeta é uma criança, é muito pequenino, devia provocar sentimentos de ternura. Agora eles andam a fazer furos até ao útero do planeta».

 


Texto de  Guilherme Luz e  Catarina Leal
Ediçã0 de  Teófilo Fagundes e  Sandra Faustino
Fotografias de  Climáximo


Artigo publicado no JornalMapa, edição #41, Abril|Junho 2024.


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