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Lendo: Construir até sufocar

Construir até sufocar

Construir até sufocar


Para a área menos povoada de Contumil, a Câmara Municipal do Porto tem planos para a substituição de vegetação semi-selvagem por placas ajardinadas, de pomares por prédios de sete andares, de recursos hídricos comuns por espelhos de água para ornamento.


Na edição de Janeiro-Março de 2024 do jornal MAPA falámos da zona de Contumil que é mais povoada, uma área onde, sob palavras belas de «reabilitação», se vai desenvolvendo um plano de substituição populacional que desvia os mais pobres para outras zonas, abrindo espaço a carteiras mais recheadas: à classe média, enfim, essa abstracção alienante onde cabe a professora, o enfermeiro, o trolha, a empregada doméstica, o funcionário e o pequeno e médio patrão, o polícia e o pequeno e médio ladrão. A elite política, oriunda dessa classe que é média, parece ter perdido a capacidade – se alguma vez a teve – de pensar abaixo desse limiar. Talvez por isso os planos para esta zona da cidade nunca tenham sido vistos através da lente de quem menos tem e seguem o seu caminho sem qualquer tipo de contestação.

O mesmo caminho, aliás, do Plano Director Municipal (PDM) portuense em vigor. Se é verdade que partes deste documento levantaram vozes críticas, a respeitante à zona oriental do Porto foi sempre alvo de uma análise benevolente, quando não laudatória, como se a «nova centralidade» do antigo matadouro transformado em hub criativo-artístico- comercial não fosse tornar a vida impossível para as camadas populares da área da Corujeira; como se o exemplo do Bonfim, onde a classe média expulsa do centro ou à procura da maior proximidade possível com ele pressionou as rendas para níveis que já nem esta consegue comportar, não existisse; como se aquela região fosse, na verdade, aquilo a que, na reportagem anterior,  se chamava «zona de sacrifício urbano».

Contumil verde

Estamos na estação de metro Nicolau Nasoni e caminhamos lentamente em direcção à estação seguinte, Nau Vitória. «Há duas décadas, tudo isto eram lameiros e campos agrícolas, matas, bouças e pastos», conta-nos Eduardo Silva. Nos seus «caminhos estreitos e murados a granito ou a silvas», a circulação só era possível a pé ou em veículos de tracção animal. As crianças, indiferentes à sujidade, também se aventuravam de bicicleta. A linha de comboio, que agora se vê com pouca dificuldade à nossa direita, estava, nessa altura, escondida. E longe. Antes de lá chegar, «e para quê lá ir?», havia tanques, campos que davam na perfeição para um jogo de futebol, sombras de primeiros romances ao pé de uma árvore. Àquela zona aparentemente enorme dava-se o nome de Beirão.

«Já se foram terrenos enormes – e bem – para bairros sociais. Agora substituem pomares por bairros chiques».

Quando, em Janeiro de 2011, abriu a Linha Laranja (F) do Metro do Porto, o Beirão era afinal uma avenida de quatro faixas de rodagem, mais estacionamento, no meio da qual circulam composições ferroviárias nos dois sentidos. Se é verdade que a necessidade de infra-estruturas rodoviárias perto de estações de transportes públicos é uma ideia lógica, ao tamanho dessas infra-estruturas já lhe faltava essa característica. Na verdade, em mais de uma década, nunca semelhante avenida foi necessária. Nunca os estacionamentos estiveram perto de lotados. Em tempos de confinamento e afastamento pessoal, «esse ir e vir entre as estações de Nicolau Nasoni e Nau Vitória era o passeio higiénico do dia para várias pessoas e, ainda assim, raramente se encontrava gente por lá».

Do Beirão, rasgado pelo interior, sobraram as parte de fora: alguns campos agrícolas, a encosta que dá para o caminho de ferro, o terreno que subia para o Bairro S. João de Deus, umas quintas e outras tantas bouças. Uma mancha verde que, mesmo assim, sobretudo se unida a outras partes  de Contumil ainda não edificadas, é das maiores da cidade.

A estação de Nau Vitória fica numa espécie de cave de uma rotunda rodoviária, mas a céu aberto. Se nos aproximarmos do centro dessa rotunda, podemos ver a estação, lá em baixo. Se preferirmos o varandim exterior, à frente de um fundo constituído por um edifício futurista azul-estrondo, um rebanho de ovelhas pasta num campo onde nos poderia apetecer deitar. De volta à estação Nicolau Nasoni, um faval está inundado de abelhas gulosas e, pelo que nos diz o nosso interlocutor, ao fim da tarde e pela noite dentro, inúmeros sapos-parteiros farão a sua serenata metálica de acasalamento.

«Sustentabilidade ambiental»

O terceiro objectivo da estratégia territorial vertida no PDM parece em consonância com estas realidades ecológicas e é de uma nobreza e de uma actualidade intocáveis. Trata-se de «garantir a qualidade ambiental, promovendo um modelo de desenvolvimento urbano sustentável». Para atingir este objectivo, o ás de trunfo de Rui Moreira é a criação do chamado Parque de Contumil, uma área verde, ajardinada, com linhas de água, muitos arruamentos, tudo de uso público, ainda que, pelos planos de pormenor, se assemelhe mais ao jardim particular dos futuros moradores das muitas habitações previstas para a zona. A narrativa camarária diz que a edilidade transformará vários terrenos privados num espaço verde de uso público e que esse novo espaço, o Parque de Contumil, será a afirmação concreta da aposta na sustentabilidade ambiental da cidade e do planeta. A realidade poderá ser bastante diferente.

Se é verdade que há uma quantidade considerável de terrenos privados que passará para mãos públicas, não o é menos que se vai perder um pedaço não menos considerável de espaço actualmente verde, para além de se pretender concentrar uma quantidade de pessoas também ela considerável a pressionar o território, com os seus carros e os seus consumos. A Câmara Municipal do Porto (CMP) não fala dessa pressão, mas acaba por se tentar defender pela excessiva construção de novos arruamentos afirmando, no PDM, que «os investimentos na via pública têm, necessariamente, uma componente ambiental, expressa na atenção dada aos “modos suaves”, à arborização e, frequentemente, ao transporte público». Em suma, destruir-se-á uma área enorme de arvoredo para fazer estradas alcatroadas mas arborizadas, haverá talvez uma ciclovia para que se possa andar de bicicleta onde agora se pode fazê-lo tranquilamente ainda que sem ciclovia, e, menos provavelmente, haverá corredores bus.

Na reportagem anterior, vimos que, para o executivo de Rui Moreira, em pleno século XXI e perante um consenso alargado quanto à existência de alterações climáticas induzidas pela acção humana, «garantir a qualidade ambiental, promovendo um modelo de desenvolvimento urbano sustentável», passa por alcatroar ruas empedradas e construir novas estradas onde existem árvores e campos. Nesta edição,  detendo-nos na documentação do PDM, veremos como este significa trocar a natureza pela construção civil, a biodiversidade pela higienização. Poder-se-ia passar os terrenos para a propriedade da Câmara e manter os espaços no seu estado semi-selvagem. Seria a opção de uma cidade preocupada com o futuro. A escolha é política, ideológica, e não é inocente. Perder capacidade de resistência ecológica da cidade em prol da criação de novos focos de pressão poluidora é a preferência de quem vê a vida como um negócio e a especulação como um jogo justo.

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Transformar uma área verde enorme (praticamente toda a parte colorida), ainda que privada, num pequeno parque público (a parte verde) cercado por construções e novos arruamentos (os tracejados) está em contraciclo com as necessidades das cidades do futuro.

Pertíssimo das Antas, que, como o nome indica, foi local de construções megalíticas pré-históricas, muito perto também das sepulturas antropomórficas descobertas por acaso em 1943, situada na encosta sobranceira ao vale de Campanhã (a romana Villa Campaniana), com uma toponímia que remonta às invasões suevas ou visigóticas, recheada de lendas e corruptelas históricas que vão da conquista cristã às invasões francesas, provável primeiro assento da igreja matriz da freguesia, com existência oficial desde que, em 1120, foi integrada na área do Couto do Porto e com registos de ter sido um forte miguelista durante o cerco do Porto, Contumil é legitimamente considerada uma «área com potencial arqueológico». «Se fosse como na questão das minas, o discurso ia ser o de que é preciso fazer prospecção para sabermos a riqueza arqueológica no terreno. Mas não é. Aqui é mais a visão do “vamos contruir e logo se vê se se encontra alguma coisa no processo”», ironiza Eduardo Silva.

Furacão imobiliário

O primeiro objectivo fundamental da estratégia territorial assumida para o período 2020-2030 (detalhada no relatório do PDM do Porto) é límpido e traz imediatamente a questão imobiliária para o seu cerne. Vejamos: «promover as condições de vida e de bem-estar da população, reforçando a atractividade residencial e criando as condições para a recuperação demográfica da cidade». Não se trata de pensar o problema habitacional que assola o Porto. Trata-se de «reforça[r] a atractividade», ou seja, «atrair» pessoas. Não «alojar». «Atrair». Pessoas que, incapazes de alugar uma casa numa localização mais próxima do Património da Unesco, querem, ainda assim, poder dizer que vivem «no Porto». E que, nesse processo, pressionam preços e rendas na zona para onde se deslocam, acabando por obrigar a que outras camadas de gente, as de baixo, se tenham de mover para um outro lado qualquer.

Há uma classe média cool que, no Porto, nunca chegou a conhecer os prazeres secretos de viver no centro da cidade. Netos ou filhos de pessoas que tinham fugido, décadas antes, dos arredores da Baixa para as vivendas dos arredores, estes novos citadinos viram o turismo de massas expulsá-los ainda mal se instalavam, surgindo, em consequência, ainda que momentaneamente, uma união com as classes populares que, por aquela altura, aindanão pressionadas pela procura da classe média, eram já postas na rua para darem lugar a alojamentos locais. A expressão «recuperação demográfica da cidade» que o PDM apresenta não é, assim, mais do que a relocalização da classe média expulsa pelos vários processos de especulação imobiliária, sempre à custa das camadas mais abaixo.

À custa também dos poucos espaços que ajudam a cidade a comer e a respirar. Ao caminharmos da estação Nau Vitória para a Nasoni, Eduardo Silva faz-nos reparar, à direita, num pomar extenso. «Os planos para aqui prevêem prédios até sete pisos. Já se foram os terrenos enormes – e bem – para bairros sociais. Agora substituem pomares por bairros chiques», conclui. É um terreno que serve de moeda de troca para outros, situados um pouco mais acima, que servirão para moradias e também para o Parque de Contumil. Entre estes dois espaços fica a Presa de Contumil, um reservatório de retenção de água e biodiversidade que também serve de lavadouro público. «A presa fazia parte de uma linha de água. Agora faz parte do seu fim. A água atravessava o que agora são estradas e linha de metro. A solução foi encaminhá-la, logo a seguir à presa, para a rede de águas pluviais, cortando o seu percurso. E agora parece que vai passar uma estrada por cima da presa», entristece- se o nosso interlocutor.

Aliás, o PDM vê o ciclo urbano de água apenas como uma forma de «afirmação da história e cultura da Cidade» e, sobretudo, como mecanismo de «descentralização das actividades económicas, criando um pólo de atracção fora dos circuitos turísticos habituais». A «bacia de retenção» que se prevê para o terreno onde, há pouco, vimos o rebanho no seu pasto retrofuturista não deve, afinal, passar de um espelho de água, talvez um lago artificial, amigo dos passeantes, provavelmente inútil para os locais, ao contrário da presa.

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Aqui poderão nascer prédios de até sete pisos.

A «capacidade construtiva» como moeda-padrão

Também para os proprietários dos terrenos que irão ser afectados, esta história tem o seu quê de logro. A CMP, pelo menos nos casos de que tivemos conhecimento, não compra terrenos. Prefere um sistema de trocas: o proprietário cede determinada área e a Câmara «paga-lhe» com uma área equivalente. Dito desta forma, soa a justo, quase a pré-capitalista. No entanto, um olhar para um caso particular mostra que a justiça tem costas largas e definições que variam dramaticamente em função das premissas em que assentam. A expressão-chave é «capacidade construtiva», uma vez que é desse conceito, desse princípio, que nascem as propostas de trocade terrenos.

Num caso concreto a que tivemos acesso, o proprietário abrirá mão de uma área bastante maior do que aquela que receberá em troca, mantendo a capacidade construtiva. Quer isto dizer que se nos campos que tinha podia construir quatro prédios com dois pisos, agora, apesar de o novo terreno ser consideravelmente mais pequeno, pode construir o mesmo número de habitações, ou seja um edifício com sete ou oito andares. Desde que os proprietários aceitem que a moeda-padrão é a «capacidade construtiva», este é um óptimo mecanismo para a CMP ganhar hectares de terreno de borla, ao mesmo tempo que os proprietários se sentem devidamente ressarcidos.

Mais do que uma manobra socialista de tirar a privados para dar ao Estado, trata-se da muy capitalista valorização de territórios unicamente em função das possibilidades de lá construir e é, de facto, a marca de água da CMP. Uma visão cada vez mais perigosa para as cidades de que o futuro necessita, que olha os espaços naturais como oportunidades imobiliárias e que organiza um jogo aparentemente justo que, na verdade, esconde que quem define as capacidades construtivas de cada um dos terrenos é a própria CMP, o que se afigura, e não apenas filosoficamente, como um conflito de interesses em que é o próprio comprador quem estabelece o preço do produto.

Fosse diferente o critério de valorização dos terrenos, focando-se, por exemplo, na qualidade do ar que potencia, na biodiversidade que alberga ou na paisagem que proporciona, e outro seria o resultado das permutas. Outra seria também a mensagem que a CMP passaria para a cidade: de não crescimento, de protecção do que resta de natural, de preparação para os efeitos das alterações climáticas, de diminuição do tráfego e da pressão urbanística sobre o território. A opção de expulsar gentes locais é política, disse-se anteriormente, e a de ordenar e destruir a natureza em prol da construção civil também o é, acrescenta-se agora.

Opacidade e especulação

De qualquer forma, os proprietários são, ainda assim, os únicos a saberem, se bem que muito parcelarmente, o que se vai passar. Ninguém foi contactado, nem as pessoas comuns nem as chamadas forças vivas, a sociedade civil ou sequer a comercial. Sim, houve consulta pública para o PDM, mas quem soube? Quem quis que se soubesse? Ou foi, como sempre, por aqui ou por terras ameaçadas de mineração, um mero expediente de branqueamento democrático? Para o bem e para o mal – e estas consequências serão diferentes conforme a classe social a que se pertence –, a esmagadora maioria dos habitantes de Contumil será confrontada com uma mudança radical do seu ambiente social, paisagístico e ecológico sem que lhe tenha sido perguntado o que quer que seja.

Por outro lado, a especulação que se movimenta perto dos corredores dos Paços do Concelho sabe das coisas com a antecedência necessária para se colocar no terreno de forma privilegiada, como é o caso do recentemente interessado na zona Nuno Cardoso, presidente da CMP entre 1999 e 2002, em substituição de Fernando Gomes, que saíra, entretanto, para o governo. Este engenheiro, que esteve envolvido em várias polémicas relacionadas com peculato, abuso de poder e participação económica em negócio e que chegou a ser condenado pelo crime de prevaricação por causa de um despacho que perdoou uma coima ao Boavista quando o clube portuense se encontrava a construir sem licença, tem andado bastante activo em Contumil, tanto na aquisição de terrenos como na contratação de mão-de-obra local de construção civil.

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A azul, o território analisado na reportagem anterior. A rosa, as UOPG de Currais e Contumil, de que nos ocupamos neste número.

UOPG

No PDM, Contumil é considerado um «espaço em consolidação», isto é, uma zona que «não se encontra estabilizada em termos funcionais, morfológicos e de infra-estruturação», para a qual é necessária a criação de uma Unidade Operativa de Planeamento e Gestão (UOPG). No caso em análise, essa UOPG, ou melhor, essas, uma vez que se trata de duas (Contumil e Currais).

É quase exclusivamente constituída por zonas verdes, entre matas, bouças, quintas e campos agrícolas, e pretende-se agora que passe a ser uma área urbanizada. A CMP considera, então, que fazem falta «infra-estruturas de carácter geral» e que a urbanização deve estar a cargo da iniciativa privada, sendo que a CMP fica responsável por essas tais infra-estruturas. Uma forma de aumentar a atractividade do território para a construção civil às custas do erário público.

Para além de novas estradas e do reperfilamento de algumas antigas, cabe ao município construir outras infra-estruturas, nomeadamente uma «área verde de fruição colectiva», a «renaturalização da ribeira de Currais» e um «jardim frontal à Escola Nicolau Nasoni». Tudo isto de forma a cumprir o seu objectivo de «valorizar os sistemas de espaços colectivos», o que é verdade, uma vez que se trata de terrenos quase exclusivamente privados que passarão para o usufruto de por quem lá passe. À volta deste aparente paraíso, haverá casas, que não serão de «custo controlado», muito menos de habitação social, e ruas, e carros e tudo o que uma urbanização arrasta consigo.

Um parque maior, que se estendesse pela maioria do território não construído, com construção limitada, senão residual, com partes mantidas em estado semi-selvagem, amigo das pessoas, sim, mas sobretudo da qualidade do ar e da biodiversidade não é, para já, uma impossibilidade. Sê-lo-á mal o betão e o alcatrão passarem a dominar a zona. Não é tarde para o evitar, mas não será Rui Moreira a fazê-lo. Nem sequer a oposição camarária, que encara estes processos de forma benévola e paternalista. A escolha política de construir uma cidade apenas aparentemente «sustentável» mas sobretudo preocupada com o crescimento económico não é monopólio do presidente da CMP. Está presente em todos os corpos institucionais da cidade.

Afirmar que uma feira «qualificada» mantém as mesmas características da Feira da Vandoma é pouco mais do que fake news.

O feiródromo

Estamos ainda na estação Nasoni. A cor verde, da erva entre os carris, dos campos agrícolas, dos pomares, dos jardins e das matas, abunda. No meio de um intricado pouco explicável de ruas que foram construídas por alturas da abertura da Linha F, sobraram áreas consideráveis, demasiado perdidas entre bocados de alcatrão para serem campos agrícolas e deixadas, assim, à mercê dos ventos naturais e da obrigatoriedade de «limpeza» que a CMP todos os anos impõe. São terrenos com vegetação rasteira, uma ou outra árvore, silvas, arbustos vários, pasto de seres rastejantes e voadores. São também bolsas importantes de escoamento de água, numa área que é rica nesse recurso e que deveria ter o mínimo de impermeabilização do solo possível.

Para um desses terrenos, que nos dizem ter cerca de dois hectares, está prevista a construção de um «feiródromo», cujo nome é, por si só, uma ode à visão utilitária de um marketeer sobre a cidade. Trata-se, de acordo com o site da CMP, de «uma estrutura polivalente com capacidade para receber 152 feirantes, disponibilizando locais de venda de 3×2 metros, o mesmo número de pessoas e as mesmas características da Feira da Vandoma».

A Feira da Vandoma, que ao longo dos tempos foi sendo amputada do seu carácter informal, cada vez mais afastada de um local central na cidade, é agora enviada para a fronteira leste, devidamente regulamentada, colocada em bancas com medidas certas, de forma a que se transforme, agora nas palavras do vereador das Finanças, Actividades Económicas e Fiscalização, Ricardo Valente, numa feira «qualificada». De novo, é uma opção política, que até vem embrulhada com um desejo de ajudar a que a cidade conheça aquela zona. Mas afirmar que uma feira «qualificada» mantém as mesmas características da Feira da Vandoma é pouco mais do que fake news.

Para esse feiródromo está, então, prevista a Feira da Vandoma e uma Feira 25 de Abril de que ninguém com quem contactámos alguma vez ouviu falar. «Talvez se trate da extinta feira do Cerco que não poderá voltar a ter esse nome se passar a acontecer no Feiródromo e não no Cerco», lembra Eduardo Silva. Em Dezembro de 2023, Ricardo Valente afirmava que previa que, «em Abril de 2024, [existiria] o equipamento municipal». Neste momento, a CMP ainda nem sequer tratou de finalizar a compra dos terrenos.

De qualquer forma, talvez ainda este ano, mais dois hectares de solo serão impermeabilizados em troca de um feiródromo que parece ter como objectivo servir para apresentar esta área da cidade como mais apetitosa para as empresas imobiliárias e que «vai destruir a pacatez rural, aqui mesmo ao lado destes campos todos», diz-nos Eduardo Silva, apontando para uma vasta área cultivada. «Vem muita gente ao mesmo tempo e há algum receio de roubos e destruição de culturas…esperemos que não haja problemas», conclui.

 


Artigo publicado no JornalMapa, edição #41, Abril|Junho 2024.


Written by

Teófilo Fagundes

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