Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Porto: a oriente nada de novo
Nunca quiseram saber disto», conta-nos Eduardo Silva, nascido em Contumil, «com parteira e tudo», e lá morador há mais de 50 anos. «Foi sempre um armazém de quem faz os trabalhos pesados e sujos da cidade». Uma realidade que não foi amenizada pelo advento da democracia: «cada vez que era preciso algum sacrifício em prol duma determinada ideia de desenvolvimento da cidade, era aqui. Agora fala-se muito em “zonas de sacrifício verde”, não é? Pois, aqui, em Contumil, sempre fomos a “zona de sacrifício urbano”». Que, apesar de urbano, é também verde, considerando os campos e hortas que desapareceram para a passagem do metro por aquela zona e tendo em conta as consideráveis extensões agrícolas que ainda se mantêm mas que estão seriamente ameaçadas, como veremos.
O Porto virou-lhes as costas. Uma linha de comboio larguíssima, para onde se chegou a prever uma estação central mas onde acabaram apenas alguns escritórios e as oficinas da CP, foi uma primeira separação, já secular, que se foi alargando com o passar dos anos. Do lado oposto, mais ou menos a ocidente, a Avenida Fernão de Magalhães, uma antiga rua que agora é, como o nome indica, uma avenida, umas das portas de entrada orientais da cidade, cria uma outra fronteira. Desse lado – entre o oriental e o norte –, Contumil é limitado pela Estrada da Circunvalação e, mais recentemente, do lado oposto, pela enorme VCI, a única entrada sul deste lado da cidade. É a este progressivo aprofundamento da separação física de Contumil do resto da cidade, através de estruturas para transportes, que Eduardo Silva se refere quando afirma que o Porto lhes virou as costas.
Por outro lado, Contumil está, aparentemente, muito bem servido de transportes públicos. Há comboio com ligação a Campanhã e ao Centro, autocarro e, mais recentemente, metro, o que acaba, sem dúvida, por mitigar o tal «afastamento» em relação ao resto da cidade. No entanto, frisa Eduardo, até aqui se pode inferir uma nota de discriminação: «as linhas vêm todas – quase todas – dar ao Estádio do Dragão. Tens metro a toda a hora. Aqui, que é mesmo ao lado, há uma linha, a que tem o maior intervalo de tempo entre composições. É o que digo: o Porto acaba no Dragão, na VCI». De repente, alguém que ouvia a conversa mas que não quis ficar, lançou, em passo de corrida: «e, à noite, não há transportes. Nem metro, nem comboio, nem autocarro. Só em Costa Cabral ou na Rua de São Roque». Ou seja, apenas do lado de fora das barreiras físicas que cercam Contumil.
A questão do «isolamento» não se põe no dia a dia, no entanto. Ninguém se sente preso entre a linha ferroviária, a Avenida Fernão de Magalhães, a Circunvalação e a VCI. É mais um sentimento difuso de rejeição, não completamente assumido, dum naco da urbe a quem a cidade virou as costas – «um jornalista do Público disse que isto era a zona onde vinha parar apenas quem se perdia», dir-nos-á Luís G., com quem falaremos mais tarde – mas que acredita secretamente que vive no centro do mundo. Um mundo povoado de aves, lagartos, insectos, salamandras, tritões, sapos, joaninhas, ervas, flores, ratos, cobras e frutos silvestres, numa biodiversidade já mutilada mas, ainda assim, seguramente muito maior do que a que se conseguirá com zonas urbanizadas, por muito profusamente ajardinadas que sejam.
Novo fôlego oriental
Algo parece, entretanto, ter mudado. Diz-se que, à boleia da «requalificação» do antigo Matadouro, a Câmara decidiu «iniciar um processo de reabilitação, reconversão e revitalização da zona oriental da cidade», conforme se pode ler na Definição da Operação de Reabilitação Urbana para o território a delimitar como Área de Reabilitação Urbana da Corujeira. Apesar de os objectivos explícitos poderem ser vistos com alguma benevolência («qualificar e tornar mais inclusivo este território», «melhorar as condições de vida e de bem-estar da população»), talvez seja afinal na primeira nota deste documento que se pode inferir ao que realmente se vem: ao explicitar o que é isso da «reabilitação, reconversão e revitalização da zona oriental da cidade», a Câmara escreve: «Inscrita como um dos objectivos do Plano de Acção de Regeneração Urbana (PARU) do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) do Porto, aprovado em 2015. Constitui, no presente, uma estratégia partilhada por várias metrópoles europeias. De facto, à medida que os centros históricos e tradicionais renovam a sua capacidade de atrair novos visitantes, residentes, investimento e actividades económicas – devido aos seus atributos patrimoniais e simbólicos – intensifica-se a necessidade de actuar nas áreas mais afastadas que, frequentemente, permanecem à margem deste dinamismo urbano».
Ou seja, quando se poderia pensar que, finalmente, o Porto se tinha lembrado desta zona, eis que afinal é apenas mais uma novidade, chique até, não fosse ela «partilhada por várias metrópoles europeias», que se pode traduzir, de forma fiel, dizendo que, quando a indústria do turismo e a especulação imobiliária ocupam os centros da cidade, é preciso criar novos simulacros de «centro», de forma a continuar a atrair gente. No documento camarário, chamam-lhe a criação de «um novo pólo funcional». Mas, tal como tem acontecido nos centros urbanos, tudo indica que se tratará apenas de expulsar pobres para alojar uma classe média que vá acompanhando o enriquecimento necessário para se ir mantendo por lá. Para uma noção mais aproximada dos resultados destas Áreas de Reabilitação Urbanas (ARU), veja-se a lista: em 2012 foi aprovada a ARU do Centro Histórico do Porto, em 2015 foram delimitadas e implementadas as dos Aliados, do Bonfim, Cedofeita, Miragaia, Lapa e Santos Pousada. Depois, pense-se quais as zonas da cidade em que mais aumentaram as rendas, por exemplo, ou de que zonas foram expulsas mais pessoas.
Tal como tem acontecido nos centros urbanos, tudo indica que se tratará de apenas expulsar pobres para alojar uma classe média que vá acompanhando o enriquecimento necessário para se ir mantendo por lá.
ORU, ARU, UT…
A Operação de Reabilitação Urbana (ORU) para a ARU da Corujeira é constituída por três Unidades Territoriais (UT) «com características diferentes, possuidoras de identidade distintiva»: Corujeira, Cerco do Porto e Contumil. Nesta ARU «verifica-se também a existência de formas de habitação precária – comummente designadas por “ilhas” – decorrentes da necessidade de alojar a população operária que se instalou em Campanhã, a partir do séc. XIX. Estas habitações localizam-se, maioritariamente, na zona circundante ao Monte da Bela, entre a Praça da Corujeira e a rua de Bonjóia, na zona envolvente às ruas de São Roque da Lameira / Cerco do Porto e na zona de Contumil. A operação de reabilitação urbana deverá contribuir para a minimização deste fenómeno», promovendo, entre outras coisas, «uma análise às condições de habitabilidade do edificado».
Isto diz o documento de Definição da ORU. No entanto, as coisas podem ser bastante mais complexas, como nos recorda Luís G., que vive, ele próprio numa casa de «ilha»: «A casa onde vivo é minha, felizmente. Era uma antiga casa de eira. Foi preciso fazer obras. E ficou uma casa confortável. Pequenina, mas confortável. E que me basta. Claro que, se tiver uma inspecção, dizem que não tem condições. O pé direito é demasiado baixo, as divisões não têm as medidas regulamentares, blá, blá, blá. Está a acontecer com o vizinho da frente, que vai ter de deitar a casa abaixo. E vai viver onde? E já aconteceu no antigo barbeiro. Duas miúdas que viviam lá e foram postas fora por falta de condições». Será isto que quer dizer «garantir as necessárias condições de habitabilidade, em conformidade com a legislação actual», como vem inscrito no documento camarário?
As «formas de habitação precária» são geralmente casas onde se pode adoecer mais rapidamente do que em casas – digamos – normais. Onde o frio entra de Inverno e o calor não desaparece de Verão, onde as pessoas mal cabem e, por isso, passam horas nas soleiras e ruas. Não são o home sweet home com que se sonha, mas são o abrigo possível numa cidade consumida pela especulação. As rendas de que nos falaram em Contumil andam abaixo dos 300 euros por uma casa. «Se calhar, há quem não queira viver em casas com estas condições, mas quem ganha 900 paus não tem outra hipótese. E são casas, não são quartos. Sim, há humidade, e, não, não há capoto, nem paredes duplas. Mas há cozinha, casa de banho, quarto, sala. Uma casa», afirma Luís G.
«Se o projecto fosse reabilitar essas casas e manter por lá os seus habitantes, eu desconfiava, mas até aceitaria», diz, por sua vez Eduardo Silva, «mas a questão é outra: é tirar estas pessoas daqui para poder construir para outras». Exagero? Talvez não. «A análise da exposição solar é relevante para a projecção da implantação do tecido edificado, permitindo, através da orientação das vertentes, estimar a quantidade de radiação solar recebida pelos edifícios e, desta forma, prever o conforto térmico e luminoso das habitações». A frase é apresentada para justificar porque é que a «exposição solar» do território da ARU consta da sua «Caracterização e Diagnóstico», mas acaba por demonstrar que, quando ainda se faz o diagnóstico já se sabe o tratamento: vamos analisar a zona para ver o que é melhor para lá? Não! Vamos analisá-la para ver onde é melhor para construir. E a grande e feliz conclusão é que «mais de metade do território apresenta condições ideais de exposição».
O documento camarário indica claramente que se trata dum território «com carências habitacionais e sociais relevantes», envelhecido e em envelhecimento, com um grande número de pessoas dependentes, com níveis de escolaridade muito baixos quando comparados com os do concelho do Porto, com rendimentos também abaixo da média, com mais núcleos familiares monoparentais do que o resto da cidade, tal como acontece com a prevalência de doenças mentais e de níveis de deficiência e toxicodependência, toxicodependência e um significativo número de desempregados. Isto é, uma «significativa presença de problemas de exclusão social que influenciam a imagem do território e que promovem a estigmatização da população residente». Em suma, um dos terrenos odiados pelos valores vigentes em capitalismo: «Esta conjuntura social tem reflexo nos principais meios de subsistência financeira da população, particularmente ao nível da atribuição de pensões e reformas, de subsídios ou outras prestações sociais, cuja expressão é superior à registada no concelho».
… e Zona de Contumil
Este é o cenário da ARU da Corujeira, que «concentra a maior parte dos bairros municipais da freguesia [de Campanhã]», a que possui «mais fogos de habitação social do concelho». Detenhamo-nos na UT de Contumil e, dentro desta, numa das três zonas em que é subdividida – e que lhe dá o nome: Contumil (as outras são São Roque e Vila Cova), a única área de toda a ARU da Corujeira que fica do lado poente da linha férrea.
Nos seus 24 hectares, 88,2% dos edifícios tem um ou dois pisos e destina-se quase completamente para a habitação (a maior percentagem de toda a ARU), possui um conjunto de «16 núcleos de habitação precária (ilhas)», o que equivale a «87 fogos habitados», e é dotada de «alguns espaços livres e expectantes». Um local com «traços de ruralidade», apesar de «o número de empregados no sector primário [ser] residual». «Há muita agricultura, alguma até de média dimensão, podemos dizer, mas ninguém é “agricultor”… reformados, desempregados, empregados com mais um bocadinho de tempo livre, gente que pega na sachola e cava a terra para comer e ganhar uns trocos extra, é o que é», explica-nos Luís G.
Nessa área, o conjunto de «vazios urbanos» «com potencial de instalação de novas funções e actividades» que a CMP identifica é inteiramente constituído por «terrenos livres de ocupação», ou seja, nas palavras da própria, de áreas que «correspondem a espaços verdes que se encontram sem uma utilização e ocupação humana». Espaços verdes, cuja única função aparente é serem verdes, com pouco toque humano, poderiam pôr os técnicos da Câmara a pensar na sua manutenção, talvez até no seu alargamento, na sua replicação. Ao invés, olham para ervas, árvores, arbustos, e procuram imediatamente «novas funções».
Asfalto, trânsito…
As ruas empedradas, tão presentes no terreno, tidas pela CMP como vias de comunicação «em mau estado de conservação» e caracterizadas pela «ausência de passeios», são vistas como alvo a abater. O «pavimento em asfalto», ligado, por oposição, a um hipotético bom estado de conservação automático, é apresentado como solução. O aumento do espaço para passeios e a manutenção das ruas empedradas é uma hipótese que não entra na equação. A opção é por automóveis a poderem circular com maior velocidade, o que não é, decerto, sinónimo imediato de segurança para os peões e que destoa da retórica da «mobilidade suave» com que os documentos camarários estão inundados. Para além disso, criar uma parcela maior de terreno impermeabilizado não deveria ser uma prioridade nos tempos que correm.
Ainda assim, perante uma zona deprimida, de muita habitação com fracas condições, com uma população pouco escolarizada, pobre, dependente de reformas e subsídios, com problemas de toxicodependência, e tendo em conta os objectivos de «qualificar e tornar mais inclusivo este território», de «melhorar as condições de vida e de bem-estar da população» e até esse tal de «promover a mobilidade suave», a Câmara do Porto responde, para a área que estamos a estudar, com dois «projectos estruturantes» que são… duas novas estradas: o «novo atravessamento da linha férrea» e a «ligação da Rua Professor Bonfim Barreiros à Rua Amorim de Carvalho».
As estradas propostas passarão exactamente onde, actualmente, existem linhas de água a descoberto, tão importantes para a micro-agricultura, ou seja, para as pequenas hortas à beira de casa, e onde se situa também um presumível antigo leito de ribeiro em aqueduto de águas pluviais. Trata-se, aliás de uma zona «sujeita a consulta obrigatória junto de entidade competente pela protecção a recursos naturais», precisamente pelos seus recursos aquíferos. Ainda que com essa aparente salvaguarda, as obras mais recentes na zona, as do metro, deixaram várias queixas quanto à gestão desses recursos: de ribeiros cujos cursos foi desviado dos campos agrícolas para a rede de águas pluviais a casas inundadas «a partir de baixo» em dias de chuva intensa.
Duas ideias que fazem parte dum «eixo central estruturante para a mobilidade e para a inclusão, orientador do desenvolvimento das zonas periféricas da cidade» (independentemente do que isso queira dizer) e cuja ideia é ligar «zonas totalmente consolidadas (Costa Cabral e São Roque da Lameira) e zonas que mantêm um grande potencial de desenvolvimento urbanístico (como é o caso da zona de Contumil)». Ou seja, ligar o trânsito de baixo ao trânsito de cima, criando um novo trânsito em sítio onde habitualmente não há muito trânsito e o trânsito que há é um trânsito caótico. Um tipo de trânsito caótico que só é possível onde o trânsito não é muito. Tudo em prol, claro, não do trânsito, mas do desenvolvimento urbanístico, ou seja, da construção civil e da especulação imobiliária, numa zona que apresenta ainda «áreas de dimensão considerável livres de ocupação».
Uma dessas estradas (com início previsto para 2025) passa por cima da linha férrea e também de uma inclinação relvada, um corredor verde apenas na cor, é verdade, que poderia ser um abrigo de biodiversidade se assim o tivesse querido a Metro do Porto quando ali fez obras – ou se o desejasse ainda agora, uma vez que é proprietária daquele terreno. Por aí, espera-se, virão centenas de carros impedir a circulação pacata e suave que existe agora para chegarem mais rapidamente aos engarrafamentos de Fernão de Magalhães. Para isso, é necessário um acrescento, que é a tal segunda estrada asfaltada (com início previsto para 2027) que rasgará o que é agora um espaço verde, ou melhor, um «vazio urbano» onde a CMP vê «potencial de instalação de novas funções e actividades». E, assim, todos esses automóveis desembocarão no Bairro de Contumil, levando uma circulação inusual e perigosa a um local onde não é raro ver crianças a brincar na rua, como em qualquer Bairro.
… e despejos
«A ARU apresenta debilidades ao nível da atracção de novos residentes pela carência de habitação de qualidade» e, apesar de ter como objectivo explícito «promover condições de habitabilidade ou realojamento» para quem vive «em unidades habitacionais precárias (“ilhas”)», tal não será o resultado final. Antes de mais, por estarmos a falar num território com séculos de auto-construção, quando se for apurar «a legalidade das construções, os direitos de edificabilidade, os índices de impermeabilização do solo, as condições mínimas de habitabilidade», surgirão enormes problemas. Em muitos casos, a solução será a demolição. Para reconstrução, claro. A preços de mercado. Mesmo que não percam a casa – a Câmara compromete-se com um plano de realojamento para situações semelhantes –, estas pessoas perdem o direito ao lugar. São, numa palavra, expulsas.
Para além disso, conforme Eduardo Silva explica, a Câmara poderá, «com este mecanismo da ARU, obrigar os proprietários a fazerem obras profundas em casas que considerem impróprias. O senhorio faz as obras, sim senhor. Mas depois não mantém a renda. E as pessoas têm de ir embora e não vão ter a quem se queixar. O que interessa é atrair novos residentes… não é dar habitação de qualidade aos residentes de agora».
A própria Câmara prevê que as dinâmicas que estes planos provocarão no terreno poderão «despoletar a especulação imobiliária, fazendo inflaccionar os preços numa área que actualmente é pouco valorizada». Fala-se, então, do costume, desta vez embrulhado na «visão estratégica» de criação de um «novo polo funcional», que visa, como sempre, tirar as pessoas de poucas posses do lugar onde se deseja que floresça uma classe média abastada que conviva com o que restar da classe média nativa e com os habitantes dos bairros camarários que não há forma de expulsar.
Depois dos loteamentos, dos arruamentos, das construções e das campanhas de atracção de «novas funções e actividades», para além, claro, de investidores, Contumil dirá adeus a grande parte da sua biodiversidade, às rendas relativamente baixas, às relações de proximidade não institucionalizadas e à economia fora do radar.
As vantagens concretas não são para os habitantes locais. Pelo menos para a imensa maioria, que tem apenas a sua casa, ou nem isso. Aos proprietários, sim, locais ou não, a esses caberá a fatia gorda do bolo: isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos prédios objecto de reabilitação e de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT) nas aquisições de imóveis destinados a reabilitação e/ou na primeira venda subsequente à reabilitação; desconto de 80% nas taxas municipais devidas pelo licenciamento de ocupação do espaço público por motivo de obras directamente relacionadas com construção; desconto de 50% nas taxas devidas pelo licenciamento/ autorização/ admissão de comunicação prévia de obras. «Alavancar investimentos» sempre foi uma forma de financiar a especulação privada com dinheiros públicos.
Depois dos loteamentos, dos arruamentos, das construções e das campanhas de atracção de «novas funções e actividades», para além, claro, de investidores, Contumil dirá adeus a grande parte da sua biodiversidade, às rendas relativamente baixas, às relações de proximidade não institucionalizadas e à economia fora do radar. A agricultura local e os seus esquemas de sobrevivência serão feridos de morte. As zonas ainda semi-selvagens e até as que têm algumas hortas darão lugar a belos jardins domesticados para consumo humano. As rifas serão substituídas por quizzes vespertinos no bio-café que tomar o lugar do tasco ou da mercearia. Os biscates serão perseguidos e tudo terá factura nas mais variadas «oficinas» e «clínicas».
Tudo isto se cruza ainda com o Plano Director Municipal (PDM), mais concretamente com a Unidade Operativa de Planeamento e Gestão (UOPG) – 17: Contumil. Esta UOPG é a continuação geográfica, para noroeste, UT de Contumil da ORU de tipo sistemático da ARU da Corujeira – o que significa que é a vizinha do lado da área para que estivemos a olhar até agora. Para aí, a Câmara tem previsto um plano de fazer desaparecer uma das grandes manchas de «espaços verdes que se encontram sem uma utilização e ocupação humana» ainda existentes na cidade, retalhá-la em fracções para construção de prédios e arruamentos e afirmar aos sete ventos que está a «reforçar a estrutura ecológica». Articula-se também com o projectado «novo feiródromo», onde irão passar a decorrer, entre outras, a Feira da Vandoma e a do Cerco, e que significará, para além de possíveis consequências que podem ser vistas como especulativas, a certeza da impermeabilização de mais uma naco considerável de terreno que, neste momento, está coberto de vegetação. Mas isso são contas de futuras reportagens, em próximos números do Jornal MAPA.
Fotografias de JornalMAPA
Artigo publicado no JornalMapa, edição #40, Janeiro|Março 2024.
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