
Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Não me escutes as conversas
Em 2022 a Comissária Europeia para os assuntos internos, Ylva Johansson, apresentou a proposta de regulação europeia para a prevenção e combate ao abuso sexual infantil (regulação CSA). Embora as novas regras tenham como intuito a proteção de crianças, têm estado sob uma chuva de críticas por parte de dezenas de associações de defesa da liberdade de expressão e direitos digitais europeias, já que permitem que autoridades e empresas fornecedoras de serviços de Internet monitorizem as conversas legítimas de qualquer cidadão. Se for aprovada, a regulação CSA exigirá que os fabricantes de aplicações de comunicações digitais, tais como Whatsapp ou Signal, sejam obrigados a incluir funções de monitorização para analisar conversas e imagens que serão posteriormente processadas por uma instituição central europeia. Para que isto funcione será necessário contornar a encriptação e a segurança fornecida com essas aplicações. Em Portugal a campanha chatcontrol.pt foi lançada em setembro passado e junta a Associação D3 – Defesa dos Direitos Digitais, a Associação Nacional para o Software Livre (ANSOL), o Capítulo Português da Internet Society (ISOC PT), a Associação Portuguesa para a Promoção da Segurança da Informação (AP2SI), e a Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesas (ESOP).
Qual a posição da campanha relativamente à regulação CSA da Comissão Europeia?
As associações que integram a campanha ChatControl.pt têm como posição a defesa da encriptação das comunicações e da privacidade. A proposta CSA tem um objetivo nobre, mas obrigará as plataformas a monitorizar todas as mensagens e ficheiros enviados, incluindo plataformas que usam encriptação. Detectar este tipo de conteúdos significa implementar um sistema de vigilância massiva sobre as comunicações privadas dos cidadãos. Uma lei que coloca em risco todas as pessoas, incluindo aquelas que diz querer proteger, não pode ser uma boa lei. Os ataques à privacidade e à encriptação devem ser removidos da proposta e avançar com o resto.
Quão eficazes serão as medidas propostas na proteção de crianças e menores dos mais diversos abusos online (abusos de poder, sexuais, psicológicos)? Existem alternativas mais eficazes de proteger crianças e jovens destes abusos?
O Comité Europeu para a Proteção de Dados, que reúne as autoridades nacionais de proteção de dados, emitiu um parecer negativo, onde observa que tem poucas ou nenhumas evidências de que a lei como está proteja as crianças, corroborado pelo estudo de impacto independente encomendado pelo Parlamento Europeu. Vários sobreviventes e associações de proteção à criança avisaram que a lei prejudicará as vítimas, uma vez que estas também usam comunicações encriptadas para pedirem apoio. Várias autoridades, como polícia e promotores públicos, sublinharam que a lei não só não resolve os problemas que enfrentam como fará aumentar falsos positivos, para os quais não têm recursos e fazendo perder tempo a quem investiga estes crimes. Existem soluções alternativas que sabemos serem mais eficazes como apostar na prevenção, nos serviços sociais e linhas de apoio, restruturar as autoridades que investigam estes crimes, ou transpor a legislação anterior, que ainda não foi implementada em alguns países.
Que organizações (ONGs, empresas) e Estados têm interesse na aprovação desta proposta e porquê?
Empresas que vendem o software de vigilância e as ferramentas de inteligência artificial que passarão a ser utilizadas pelas plataformas. Organizações que se apresentam como defensoras das crianças, mas têm ao mesmo tempo interesses comerciais, como descoberto recentemente por uma investigação jornalística colaborativa 1 Estas alegações de conflito de interesses e de ligações estreitas, incluindo possíveis interesses e apoios financeiros, entre a Comissão e essas entidades, são muito sérias e devem ser investigadas. Tal como, aliás, o facto de a Comissão estar a realizar uma campanha publicitária com anúncios direccionados aos cidadãos dos países cujos Governos, no Conselho, têm mostrado reservas, incluindo Portugal. Estes anúncios omitem as desvantagens da proposta e as críticas que recebeu. Visam manipular os cidadãos desses Estados-membros de forma a que pressionem os seus Governos a aceitar a proposta. Uma interferência injustificável no processo legislativo da UE 2. Os Estados também podem ter interesse, já que o sistema idealizado monitoriza todas as comunicações de todos os cidadãos, incluindo jornalistas, advogados, e juízes. Será muito fácil a um governo de um país menos democrático obter informações.
Que papel têm as tecnologias de encriptação na garantia da liberdade de expressão, da democracia e de direitos humanos como a privacidade?
As tecnologias de encriptação são as únicas que garantem comunicações privadas e seguras. São cruciais em profissões que escrutinam os vários poderes, como o jornalismo, em entidades que combatem a corrupção ou aplicam a lei, e em comunicações sensíveis como aquelas entre os médicos e os seus pacientes. Ninguém questiona o direito de duas pessoas conversarem uma com a outra, presencialmente, de forma privada e sem que ninguém saiba ou consiga ouvir. Nas telecomunicações não deve ser diferente. Os direitos que temos offline também devem ser garantidos online.
Fotografia [em destaque] de DIGITALE FREIHEIT
Artigo publicado no JornalMapa, edição #39, Outubro|Dezembro 2023.
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