
Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Atrapalhar o gás
Muitas das pessoas que participaram na ação chegaram a Sines em autocarros que partiram às 5h da manhã do Porto, às 6h30 de Coimbra e às 7h30 de Lisboa. Perto de Sines, uma operação STOP da GNR de Grândola parou os veículos e, com o auxílio de cães, revistou pessoas e malas, inspecionou os documentos do autocarro e do motorista, entre outras ações de intimidação que atrasaram em cerca de duas horas a chegada destas pessoas ao centro de Sines.
Após este atraso, as manifestantes reuniram-se no Jardim da Praça da República da cidade. Depois de se vestirem com macacões brancos – evocando os Tute Bianche, movimento social italiano dos anos 90 – partiram, pelas 12h, numa manifestação de cerca de três quilómetros até ao Terminal. Tendo chegado pelas 13h30, diferentes grupos bloquearam, durante toda a tarde, três portões da infraestrutura.
O primeiro bloco parou em frente ao portão principal do Terminal, por onde passam habitualmente os veículos que transportam o gás que chega ao porto de Sines. Muito rapidamente, um grupo de cerca de dez participantes bloqueou aquela entrada formando uma barreira humana. Os seus elementos estavam unidos pelos braços através de tubos. Uma das pessoas prendeu-se às grades do portão com um cadeado de bicicleta ao pescoço. Outras permaneceram neste local a manifestar-se ou a prestar apoio – dando água, comida ou sombra – a quem bloqueava aquela entrada, incluindo o grupo Ritmos de Resistência, cuja insistente percussão e palavras de ordem continuavam a canalizar a energia entre os presentes após horas de protesto.
A força que move o protesto
O Jornal MAPA entrevistou três pessoas que se encontravam a bloquear este portão: Inês, Pedro (nomes fictícios) e Danilo. Inês, secretária na área da Cultura, e Pedro, doutorando em Física, acordaram às 3h30 da manhã para participarem no protesto e fazem parte do núcleo do Porto da plataforma «Parar o gás». No final de março de 2023, participaram na invasão da Central de Ciclo Combinado da Tapada de Outeiro, em Gondomar, uma das mais poluentes infraestruturas portuguesas que recorre à queima de gás para a produção de eletricidade. Nessa ocasião, entraram no local em protesto contra o consumo de gás fóssil, colocando faixas numa das torres da Central com as frases «Parar o gás» e «Vossos lucros = Nossa pobreza».
Pedro nunca tinha participado numa manifestação até se envolver com coletivos climáticos: «Nunca tinha participado em nenhuma manifestação ou algo do género, mas no ano passado vi um poster do acampamento climático que o Climáximo ia fazer e decidi ir, para fazer alguma coisa. Estava farto de ser um bocado filósofo de café.» Desde essa experiência, ambos participaram já noutras ações climáticas e começaram a dinamizar diversas atividades no Porto, como debates, sessões de cinema, pinturas de murais, entre outras, com o intuito de mobilizar pessoas para participarem na manifestação e nas ações projetadas para aquele dia em Sines. A propósito deste protesto, Inês sublinhou a importância de organizar ações consideradas disruptivas para conseguir chegar à comunicação social e transmitir a mensagem que o grupo pretende divulgar ao maior número de pessoas possível: «É sempre também com o intuito de chamar a atenção aos outros, porque é muito difícil chegar aos media, é muito difícil que as coisas passem na televisão.»
Um grupo de pessoas entrou nas instalações do gasoduto da REN, perto de Melides, e fechou a torneira de emergência do gasoduto.
Ao lado destas duas pessoas, também com os braços presos com tubos, estava Danilo, que vinha de Lisboa e é presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Centers. Segundo nos conta, Danilo decidiu juntar-se ao protesto porque sempre se preocupou com questões ambientais. Constatando que os termos assinados no Acordo de Paris em 2015 eram manifestamente insuficientes, decidiu juntar-se a grupos ecologistas, como o Climáximo, a campanha Empregos para o Clima, o Extinction Rebellion e o movimento contra a mineração: «Na minha opinião, nem gás nem lítio.» Danilo entende que existem soluções alternativas e que é preciso colocá-las em prática o quanto antes. Já reuniu com grupos parlamentares, mas afirma que estes encontros não se provaram profícuos: «Já tivemos discussões com os grupos parlamentares. Eles escutam-nos, mas, de fato, não fazem nada. É uma hipocrisia brutal, porque tanto a União Europeia como Portugal dizem que estão preocupados, mas a questão é que fazem coisas completamente contrárias ao que dizem fazer. Estamos preocupados com o aumento da temperatura, mas continuam-se a celebrar contratos ruinosos.»
Inês acrescentou que estão a protestar em Sines porque aquele é o principal ponto de entrada de gás em Portugal – «chamado natural, mas que não é natural: é um gás fóssil» -, e que existem planos para aumentar a sua infraestrutura. «Não podemos fazê-lo. O aumento dessa infraestrutura é para ir buscar gás de países como a Nigéria, e a outros países que estão a ser expropriados das suas terras há 20 anos. As populações continuam a lutar e não são ouvidas por nós.» A jovem recorda ainda que há planos para duplicar a extração de gás e de petróleo no Brasil, Angola e Moçambique, países marcados por uma história de colonização. Danilo corrobora as afirmações da companheira, sublinhando o exemplo de Moçambique, um país com poucos recursos: «Acabam por se reiterar novas formas coloniais. Os países supostamente mais desenvolvidos, que são os que mais poluem, extraem os recursos destes países.»
De acordo com a informação fornecida no site da plataforma Climáximo, o gás utilizado em Portugal provém atualmente sobretudo da Nigéria, dos Estados Unidos, do Qatar e da Rússia. Segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), em fevereiro de 2023, cerca de um ano após o início da guerra na Ucrânia, o Porto de Sines recebeu 102.217 toneladas de gás dito «natural», oriundo da Rússia. Além do presente cenário, as empresas que exploram o gás em Portugal – Galp, EDP, REN e Trustenergy – querem expandir a produção e aumentar a importação de gás vindo do Brasil, Angola e Moçambique.
Quando a Máquina ficou sem fôlego
Durante a tarde, outros dois portões do Terminal foram bloqueados: um segundo portão nas traseiras, onde foram penduradas faixas com as mensagens: «Somos a natureza em autodefesa» e «Gás é andar para trás»; e um terceiro portão, onde se podia ler: «Se abril já passou, a luta é agora».
A meio da tarde, alguns membros da Greenpeace e apoiantes da plataforma «Parar o Gás» bloquearam a entrada do porto de Sines por mar, com recurso a barcos, a caiaques e aos seus próprios corpos, mergulhando na água e lá permanecendo, com coletes salva-vidas. A polícia marítima interveio e travou a entrada destas pessoas no terminal.
Por fim, ao final da tarde, um grupo de pessoas entrou nas instalações do gasoduto da REN, perto de Melides, e fechou a torneira de emergência do gasoduto, impedindo a saída de gás do terminal por esta via.
No final do dia, um grupo mais pequeno ponderou pernoitar no local para bloquear a entrada do primeiro carregamento de gás natural durante a madrugada. Porém, as manifestantes acabariam por retirar-se, pelas 20h, considerando que a ação cumpriu os seus objetivos: interromper o normal funcionamento da instalação portuária, travando o fluxo de gás fóssil no Terminal, por terra, por mar e através do gasoduto.
Texto de Catarina Leal e Filipe Olival
Artigo publicado no JornalMapa, edição #38, Junho|Setembro 2023.
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