Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Quem te liga à luz?
Em 2024, Lisboa será o palco das Jornadas pela Democracia Energética (JDE), para analisar o atual modelo energético. Assumindo a energia como uma necessidade básica, o encontro parte de membros de cooperativas (de energia e não só), investigadores e ativistas na área da justiça climática, transição e democracia energética.
«Une-nos o objetivo de construir, nos próximos anos, um novo sistema energético e defender uma transição energética assente na democracia e na energia como bem comum», afirma o coletivo organizador, num apelo que pretende juntar diferentes atores com ou sem ligação à energia, institucionais ou não, para se debruçarem sobre questões energéticas e com um objetivo claro: propor alternativas concretas para que as comunidades tomem a energia nas suas mãos.
No centro da crise climática, económica e social «está a forma como a energia é produzida, consumida e como se organiza o atual modelo energético». Desde logo «a atual crise do custo de vida tem, na sua génese, a explosão dos preços do gás fóssil. Mas esta explosão foi orquestrada pelas empresas fósseis como forma de recuperar os lucros que perderam durante a pandemia de Covid-19. A invasão da Ucrânia por parte do Estado russo deu-lhes então a desculpa perfeita para um aumento de preços». Por outro lado, a transição energética em marcha, focada no desenvolvimento de energias renováveis, por si só, não responde às múltiplas crises que enfrentamos. Assim, impõe-se «uma transição energética que repense, transforme e abandone o atual modelo de produção e consumo energético». «Assente na democracia energética, na suficiência, eficiência e circularidade de recursos, respeito pelo património ecológico e biodiversidade e sem onerar as futuras gerações». A grande questão está em como traçar essa trajetória.
Para os promotores da JDE, a democracia energética divergirá do atual modelo energético detido por grandes empresas privadas, sem qualquer controlo social, que gerem infraestruturas – como redes de distribuição e transmissão de eletricidade, ou centrais de produção – de modo centralizado, concebendo a energia como uma mercadoria alimentada pela ideia de um consumo infinito. É esse o cenário que permanece na atual instalação de centrais renováveis. A concentração da produção em poucos locais e de grande dimensão, fazendo com que a eletricidade tenha de ser transportada ao longo de grandes distâncias e aumentando as suas consequências ambientais e sociais sobre territórios «sacrificados». Desigualdades regionais, aqui, somadas à brutal assimetria no acesso à energia entre os países do norte global – que mais contribuem para as alterações climáticas e mais energia consomem – e os do sul global, historicamente menos responsáveis pelas emissões de CO2.
A que custo?
A questão Transição Energética? Sim, mas a que custo?, foi eleita como o tema do IV Encontro da Convergência Ecológica e Ambiental, que se realizou nos dias 14 e 15 de outubro de 2023 em Vimioso, distrito de Bragança, organizado pela Associação dos Amigos do Mindelo para a Defesa do Ambiente, pela Associação Portuguesa de Turismo Sustentável e pela Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural.
Com foco nas mega centrais solares, o encontro abordou as «consequências negativas diretas no coberto vegetal e impactos nos ecossistemas e paisagem». Citando Pedro Alves, biólogo da Palombar, «o Plano Nacional de Energia e Clima estabelece como meta atingir 9 GW de potência solar até 2030, dos quais 7 GW em solar centralizado e apenas 2 GW em solar descentralizado. O foco deveria ser a potência solar descentralizada, em telhados e comunidades de energia. Além de salvaguardar os ecossistemas, é a opção mais democrática e energeticamente eficiente».
Quanta energia precisamos?
Resgatar o direito a questionar e a decidir quanta energia precisamos é uma premissa central. Incontornável, no quadro de sobrevivência planetária, «que é necessário inventar, criar e defender um modelo 100% baseado em energias renováveis que compatibilize e otimize produção centralizada e descentralizada, procurando que a eletricidade renovável seja gerada, sempre que possível, próxima dos locais de consumo», os organizadores das JDE frisam que «este sistema energético alternativo deve ser orientado por uma lógica de bem comum, critérios sociais e ambientais e deve garantir o direito universal à energia para todas as pessoas e gerido de baixo para cima, ou seja, a partir das comunidades, das cidades, dos municípios». Adaptado ao contexto ecológico local e direcionado «a suprir as necessidades energéticas reais das sociedades e não para alimentar os lucros das empresas, o crescimento económico».
A realidade portuguesa acompanha uma vaga global de crítica às injustiças do sistema energético. Como resultado da conferência O futuro é público decorrida em Santiago do Chile em 2022, sindicatos, representantes indígenas, coletivos ecofeministas e de solidariedade, organizações do movimento da justiça climática e ONG assinaram uma declaração conjunta. Aí pode-se ler que «à medida que milhares de milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam pobreza energética e os preços da energia batem recordes, este é um momento crucial para a transição para um sistema público de energia enraizado na justiça, na solidariedade e na democracia. É hora de nos unirmos a nível mundial para colocar o cuidado das pessoas e do nosso planeta à frente do lucro. À medida que nos levantamos contra a injustiça, trabalhamos juntos pela democracia energética. Vemos a luta pela democracia energética como parte de um processo mais amplo de luta pela justiça climática que reconheça a intersecção entre racismo, classismo, capitalismo, injustiça económica, exploração de género e danos ambientais. É preciso fazer as mudanças sistémicas necessárias para realinhar as nossas economias com os nossos sistemas naturais. Desde coletivos locais a regionais, nacionais e transformações internacionais: temos soluções.»
Constatando que a «forma como produzimos e consumimos energia é um reflexo fidedigno da forma como nos organizamos enquanto sociedade» as JDE pretendem não somente analisar o atual modelo energético no quadro da transição energética, e discutir o desmantelamento da infraestrutura fóssil, como, na prática, compreender como combater a pobreza energética e discutir propostas para a transição energética a partir dos municípios. Para lá do foco municipal que transparece nas JDE, estas visam – na senda da declaração de Santiago do Chile – alargar as perspectivas e soluções técnicas à integração de «visões feministas, ecossocialistas, anti-colonialistas, anti-racistas e decrescentistas». «Pensar como podem dialogar entre si diversas lutas na transição energética, da luta contra as grandes centrais fotovoltaicas e o extrativismo “verde”, às estratégias conjuntas dos movimentos pela habitação e pela democracia energética»
Texto de Guilherme Luz e Filipe Nunes
Artigo publicado no JornalMapa, edição #39, Outubro|Dezembro 2023.
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