
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: O meu filho nasceu na rua, em frente à ACNUR
Abdelkarim Isaak Khamis tem 43 anos e vem de Darfur, no Sudão. É casado com duas mulheres e tem nove filhos, três dos quais estão casados, estando os outros a viver com ele. Saiu do Sudão em 2005, em fuga do Genocídio de Darfur, e procurou refúgio no Chade, um país vizinho que lhe concedeu asilo, a ele e à sua família. Ficaram a viver no campo de refugiados de Jebel.
Infelizmente, apesar de o Chade lhe ter oferecido hospitalidade, havia muitas coisas que não conseguia resolver, uma vez que vivia sob ameaça de indivíduos não identificados e de tribalismo dentro do campo de refugiados que, por vezes, resultava em perda de bens e de dinheiro. Apresentou este cenário à ACNUR e ao governo do Chade, mas nenhum deles fez nada que lhe devolvesse a segurança. Pediu muitas vezes para ser colocado noutro local, inclusivamente depois de ser reconhecido como «refugiado». E afirma que a sua vida e a das suas crianças estava em risco.
Sem resposta, não teve outra opção que não fugir e a Líbia pareceu-lhe o vizinho mais indicado. Em Março deste ano foi lá que chegou com a sua família de 13 pessoas. Depois da chegada a Seba, o seu filho de 21 anos, Abdelraziq, e o seu genro foram raptados e, até hoje, não sabe nada do primeiro. Abdelkarim Isaak Khamis ficou completamente perdido, entre dificuldades culturais e linguísticas e com toda a destruição interna relacionada com o desaparecimento de Abdelraziq.
Dirigiu-se à ACNUR para pedir asilo na Líbia e foi-lhe concedida uma «entrevista de registo» ao fim de três meses. Contou a história dos raptos, mas a ACNUR não reagiu a não ser para dizer que não podiam fazer nada. Deram-lhe apoio dois meses depois do seu registo.
Teve sempre dificuldades em dar de comer aos seus seis filhos e às suas duas esposas com os parcos recursos que a ACNUR lhe dava. Procurou emprego e, uma vez que é alfaiate, arranjou trabalho na zona de Gargaresh, para onde se mudou. Acrescenta que sempre viveu de forma pacífica mas com recursos limitados para alimentar mulheres e filhos e pagar a renda ou tratar alguém da família que ficasse doente.
Afirma que sobreviveu ao ataque a Gargaresh, porque o seu senhorio o informou de que as autoridades líbias estavam para chegar e ele fugiu horas antes das rusgas. Dirigiu-se, então, para os escritórios da ACNUR em Tripoli, em busca de segurança e protecção.
Contactou a agência tanto por telefone como em pessoa mas ninguém o quis ouvir. Tentou explicar à ACNUR que a sua mulher estava grávida e muito perto da dar à luz, mas foi de novo ignorado.
«As minhas mulheres, as minhas crianças, tiveram de dormir no chão, sem nada que nos cobrisse.
Deixámos a nossa casa sem nada, na esperança de voltar um dia, mas esse dia nunca chegou, apenas pesadelos. Falta-me comida para alimentar a minha família. Falta-me dinheiro para ter acesso a cuidados de saúde para a minha mulher grávida. Transformei-me num pai inútil aos olhos da minha família. Estive a ponto acabar com a minha vida, mas olhava para minha mulher grávida e pensava no filho que estava para nascer. Foi isso que me salvou do suicídio».
«A minha mulher deu à luz no dia 31 de Outubro, na rua, à frente aos escritórios da ACNUR. Em vez de estar feliz ou aliviado, nesse dia, senti vergonha por não ser capaz de mudar tal destino. Lembrei-me das cenas de destruição em Darfur e comparei-as com estas, as da minha vida e dos meus filhos abandonados na rua, sem comida sequer para uma mãe que está a amamentar».
«Sinto medo de quase tudo, das noites sem dormir, das barrigas vazias e do som das vozes dos meus filhos a pedirem-me comida. Tivemos de sentir o odor a urina até que se transformou no nosso perfume. Olhei para as minhas filhas no seu período menstrual e vi-as cobertas de sangue. Tive de ir buscar cartões para que os usassem como pensos higiénicos. Uma vida que não é uma vida, mas uma vida, porque é uma vida» – diz com tristeza o homem de 43 anos que continua a sofrer, juntamente com os seus filhos e o recém-nascido, ao dormirem sem abrigo à porta da ACNUR, na zona de Saraj, em Tripoli. Não têm comida, fraldas, leite, água potável, acesso a casas de banho, fazem as necessidades em sacos plásticos, urinam em garrafas vazias e dormem entre o lixo.
Abdelkarim espera que, um dia, o mundo se possa lembrar dele, o possa ouvir, o possa amar, proteger e trazê-lo, a ele e à sua família, para um lugar seguro. «Sou um pai iletrado, nunca tive oportunidade de ir à escola. Quero que os meus filhos o possam fazer e que aprendam, não quero que vivam em locais destruídos por guerras. As minhas crianças não são más e acredito que podem fazer muitas coisas boas se lhes derem oportunidade», disse ainda o deprimido Abdelkarim ao mesmo tempo que fitava o céu.
Acrescentou que a sua filha de cinco anos está doente há quatro anos. Foi-lhe diagnosticada anemia e não está a ser tratada desde que chegaram à Líbia, porque ele não tem dinheiro para a levar ao hospital.
[original publicado aqui a 6 de Dezembro 2021]
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