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Lendo: Europoliciar através de algoritmos

Europoliciar através de algoritmos

Europoliciar através de algoritmos


Em contradição com a sua própria opinião, o Parlamento Europeu aprovou uma proposta que aumenta os poderes da Europol e reforça um modelo de policiamento baseado em dados, que abre caminho a uma gestão algorítmica de pessoas sob vigilância biométrica permanente.

No início de Outubro, o Parlamento Europeu (PE) reconhecia os perigos de determinadas utilizações da Inteligência Artificial (IA) na justiça criminal, concordando com o «Relatório sobre a inteligência artificial no direito penal e a sua utilização pelas autoridades policiais e judiciárias em casos penais», elaborado pela Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (LIBE), que se opõe à IA que «prevê» comportamentos criminosos e que apela à proibição da vigilância biométrica.

No entanto, no que diz respeito à Europol, a opinião maioritária dentro do PE parece alterar-se profundamente. No passado dia 21 de Outubro, foi aprovada, com 538 votos contra 151 (7 abstenções), uma proposta (da LIBE) de regulamento que reforça novamente (o «reforço» anterior foi em 2019) o mandato e os poderes da Europol, no que respeita à «cooperação com privados, processamento de dados pessoais pela Europol no apoio a investigações criminais e papel da Europol na pesquisa e na inovação».

De acordo com Chloé Berthélémy (European Digital Rights – EDRi) e Laure Baudrihaye-Gérard (Fair Trials), «isto daria à Europol um cheque em branco para desenvolver IA e ferramentas de análise dados de alto risco». Pelo que a proposta mais não pretende do que «reforçar um modelo de policiamento baseado em dados», que abre caminho a uma gestão algorítmica do grau de ameaça que cada um de nós representa.

Numa carta coordenada exactamente pela EDRi e assinada por outras 26 organizações alerta-se para os perigos da aprovação desta proposta. Por um lado, não contempla «mecanismos que garantam que os poderes da Europol são utilizados de forma proporcional». Por outro, não se preocupa com os direitos de defesa, uma vez que não permite que as pessoas suspeitas ou acusadas possam saber como é que a informação foi recolhida, analisada e processada. Finalmente, os mecanismos de controlo e escrutínio da Europol (os anteriores e os que vêm na nova proposta) não são nem independentes nem eficazes.

A proposta, como vimos, pretende dar novos poderes à polícia europeia nos campos da «pesquisa e inovação». De acordo com os signatários da carta, «na prática, isto significa que a Europol será autorizada a utilizar a enorme quantidade de dados que armazena para treinar algoritmos e promover a adopção de ferramentas de policiamento baseadas em IA (como big data, aprendizagem automática e realidade virtual e aumentada)». 1

Lembrando ao PE que esta aprovação está em «contradição total com os os elementos centrais do relatório de iniciativa do próprio Parlamento Europeu sobre “Inteligência Artificial no direito penal”, adoptado há duas semanas, que rejeitou certos usos de tecnologias baseadas em IA em processos e investigações criminais», a carta alerta para o perigo de este novo reforço da Europol se traduzir no «exacerbar da discriminação, da exclusão e da desigualdade estrutural ou no impedimento do acesso equitativo à justiça e aos direitos processuais».

Finalmente, estas 27 organizações estranham que os poderes da Europol sejam alargados antes de o Plano de Acção Anti-Racismo (da Comissão Europeia) ser devidamente implementado, especialmente a sua secção sobre “combater a discriminação pelas autoridades de aplicação da lei”: «O trabalho da Europol baseia-se principalmente em dados transferidos pelas autoridades policiais nacionais que contêm pressupostos raciais estereotipados. Por conseguinte, as novas tecnologias desenvolvidas pela Europol com base nestes dados correm o risco de perpetuar preconceitos e atitudes policiais discriminatórios».

 


Fotografia [em destaque] de commons.wikimedia.org

Notas:

  1. A Europol já está envolvida no desenvolvimento de novas tecnologias deste tipo e participa, aliás, em três projectos de investigação financiados pela União Europeia que trabalham sobre a utilização de IA, a aprendizagem automática e a realidade virtual e aumentada para fins policiais (AIDA, GRACE e INFINITY).

Written by

Teófilo Fagundes

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