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Lendo: A Viagem Zapatista Pela Vida

A Viagem Zapatista Pela Vida

A Viagem Zapatista Pela Vida


A Europa recebeu no passado dia 22 de junho, em Vigo, o Esquadrão 421, a primeira delegação zapatista da Viagem pela Vida composta por 4 mulheres, 2 homens e 1 outroa, como se chamam as zapatistas que não cabem na visão binária do género. Depois de uma breve, mas emocionada, escala na ilha da Horta, nos Açores, a delegação indígena maia que cruzou o oceano Atlântico a bordo d’A Montanha, foi recebida com efusão na cidade galega por mais de uma centena de pessoas vindas de geografias de toda a Europa e do mundo: Grécia, Alemanha, França, Suíça, Itália, República Checa, Suécia, México, Irão, País Basco, Portugal, Catalunha e várias outras partes da Península Ibérica, e, claro, de várias partes da Galiza. Como relatou a Guilhotina.info, que cobriu presencialmente esses dias, a Assembleia de Vigo da Xira pola Vida acolheu, a salvo das fortes chuvas que assolavam a região, pessoas das mais diferentes origens e contextos num ambiente de resistência, de encontro, criação e discussão. No relato de uma das muitas assembleias então realizadas, «uma pessoa do México fala emocionada da vontade de estar com as suas irmãs zapatistas e a “poeta analfabeta” e antifascista galega, Luz Fandino, relembra o legado do franquismo no estado espanhol e a importância da união face àqueles que nos querem “roubar a vida”. Na mesma assembleia decide-se, por fim, uma data e hora para a recepção da delegação zapatista: terça-feira, dia 22 de junho, pelas 17 horas.»

E à hora marcada deu-se início à «invasão zapatista» acolhida em alegre «rendição» pelas diferentes geografias da Europa de baixo, como foi designada o destino da Viagem pela Vida. No desembarque, as terras do «velho» continente foram rebatizadas pelos insurgentes maias de SLUMIL K’AJXEMK’OP, que significa «Terra Insubmissa» ou «Terra que não se resigna, que não desmaia».

Até meados de julho cerca de 150 zapatistas estão previstos chegar por avião a Paris, uma vez ultrapassados os deliberados obstáculos que o estado mexicano se empenhou em colocar na atribuição dos passaportes. Os zapatistas em diferentes grupos percorrerão a Europa determinando e procurando conciliar uma agenda certamente escassa para os muitos convites que lhes chegaram nos últimos meses.

Pela região portuguesa

À data de fecho da edição do Jornal MAPA não existia uma agenda de atividades, a qual aguarda a definição pelos zapatistas. Mas os desejos conhecidos são já bastantes. Como referia o Subcomandante Galeano no fim de junho às gentes na geografia europeia, a missão principal assumida pelos zapatistas resulta em «ouvir, preencher-nos de perguntas, partilhar pesadelos e, claro, sonhos». «É por isso que aceitamos principalmente os convites daqueles que querem ouvir e falar. Porque o nosso principal objectivo não é eventos de massas – embora não os excluamos – mas a troca de histórias, conhecimentos, sentimentos, avaliações, desafios, fracassos e sucessos». «Porque, no que diz respeito às questões sociais, temos em alta estima a análise e avaliação daqueles que arriscam a sua pele na luta contra a máquina, e somos cépticos em relação àqueles que, do exterior, dão a sua opinião, avaliam, aconselham, julgam e condenam ou absolvem.»

Os convites na região portuguesa, no seguimento do expresso por Galeano, partem de cada um dos contextos locais, mas com evidentes pontos de contacto. No Baixo Alentejo, entre Odemira e Ferreira do Alentejo, há um desejo de partilha das lutas em torno do extrativismo e das agroindústrias, assim como à volta das relações dos migrantes e comunidades, nesse cenário de transformação do território, sem esquecer a autonomia das comunidades locais e a neoruralidade. Este é um fio condutor que se estende para os montados de Montemor-o-Novo, onde pesa ainda querer-se falar dos processos de gentrificação que já chegaram ao meio rural.

“Deu-se início à «invasão zapatista» acolhida em alegre «rendição» pelas diferentes geografias da Europa de baixo.”

Outra linha mestra que encontramos nesses e em todos os demais lugares portugueses que endereçaram convites, passa pela vontade em encontros de mulheres e ou de pessoas queer/não binárias. Em Coimbra há ensejo para um encontro para refletir sobre o corpo como território: resistências e lutas de mulheres e transfeministas do local ao global. Em Lisboa a ideia de um encontro das mulheres zapatistas com mulheres negras.

Na capital as vontades reunidas expressam sobretudo a importância em dar a conhecer as comunidades racializadas, cruzando zapatistas com os territórios constantemente em resistência e luta. Bairros como a Cova da Moura, Boba ou Jamaica poderão vir a ser percorridos pelos zapatistas, com um convite à conversa sobre o quotidiano das lutas contra a violência policial e racial, ou em torno das questões da habitação. Temas que se repetem nas partilhas desejosas de falar da habitação a partir das repúblicas estudantis de Coimbra, como das lutas de outros moradores. Nessa cidade ganha forma ainda o desejo de um encontro com as comunidades ciganas e as suas lutas.

Ao encontro dos contextos de lutas locais uma outra ideia estruturante nos convites, mais públicos ou mais privados, são efetivamente as lutas pelo território da região e as movimentações várias em torno das lutas ecológicas. Algo bem presente no proposto acolhimento nas serranias beirãs do centro de Portugal, assim como no norte do país. Aí perspetiva-se a possibilidade de um encontro com os zapatistas nas Terras do Barroso nalguma das muitas ocasiões que os movimentos e aldeias que lutam contra a mineração prometem vir a agitar este verão.

Outras ideias e desejos terão chegado aos zapatistas. E todos eles vêm acompanhados de um igual convite de mesas corridas, cantares, música, bailes e jogos de futebol.

 


Ilustração [em destaque] de Ana Farias


Artigo publicado no JornalMapa, edição #31, Julho|Setembro 2021.


Written by

Filipe Nunes

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