
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Cultivar à Margem – Hortografias
O que é uma couve? Uma rosa verde… então porquê não amar as couves?
Alberto Moravia
De caminhos entrelaçados, interessados em agricultura(s) surgiu um pequeno coletivo, as Roseiras Bravas. Em conjunto e em diálogo, descobrimos que… é simples, gostamos de hortas! Partilhamos curiosidade e afeto por esses pedaços de terra cultivados, mais ou menos óbvios, mais ou menos inusitados, testemunhas silenciosas do engenho da terra mas também de outras engenhocas. Fruto dessa curiosidade e afeto, temos imagens de hortas, captadas nos locais onde vivemos e/ou passamos, no presente e no passado. Espalhadas pelas mais variadas paisagens e geografias do país, somamos dezenas de fotos – em formato voo de pássaro, apanhadas com telemóvel, ou com uma intenção focada e boa resolução!
Registramos as hortas porque estes pedaços intemporais e marginais de agricultura(s) são, para nós, espaços e lógicas de r-existência e de persistência. E, também, porque é divertido sair à rua e reparar em tanta couve e agricultura “selvagem”, em policulturas e “agroflorestas” com fartura. Sem logos nem inaugurações, as hortas crescem e sobrevivem, mostrando-nos as agroecologias e as campesinidades que (ainda) temos dentro de nós. As suas autoras e autores gostam e preferem muitas vezes o anonimato da obra. Se, no campo, as hortas proliferam de acordo com o bom senso de quem as faz, na cidade, houve a ideia de as regulamentar, não fossem as maganas prevaricar. Mas, das nossas deambulações, torna-se óbvio que as hortas se estendem além do permitido, alheias à sombra de regulamentos e restrições. Consoante a necessidade e a oportunidade, ali vai! Planta-se nem que seja uma couve galega (a rainha da horta!), põem-se três ou quatro tabuinhas em redor e ei-lo: território conquistado à especulação e ao grande capital, reclamando o direito à cidade, o direito à terra, a cultivá-la com amor e a dela tirar sustento.
E nas hortas que, menos atrevidas, se situam obedientemente nos chamados parques hortícolas das cidades encontramos também exemplos vivos de irreverência e imaginação das pessoas que muitas vezes não vemos.
Todas estas hortas espelham uma agricultura, uma economia e uma ecologia reais, feitas por pessoas, e despertam em nós sonhos de laços, liberdade e autonomia. Esta fotorreportagem é uma tentativa singela de o reconhecer. Bem haja a todas e todos que se alimentam e que alimentam a sua comunidade e nos povoam a paisagem deste arrumo, engenho e caos colorido!
O Lugar da Horta
É nas veigas, nos socalcos ou entre leiras.
É nas margens, no asfalto ou em apeadeiros.
É um lugar de raízes e sementeiras.
De onde brota biodiversidade cultivada.
*
É lugar de colheita, malha e desfolhada.
É onde se come, e se bebe. É uma festa.
Lugar de produção e reprodução.
É toda uma esfera de cuidado.
*
É lugar estrumado, em fecho de ciclos.
Regado pelas águas da levada.
É lugar de saberes, memória e oralidade. É popular.
O lugar da horta é o lugar do real. Lugar que resiste.
Ode às Couves
“Falemos de couves,
a mais alta criação das nossas hortas”.
As mães couves.
As couves são o princípio e o fim
(e não se distinguem do meio).
O crac crac da folha a partir
o verso e o reverso da folha galega
a brancura na nervura fina e o “verde mais verde que existe” (que se trinca)
as couves-árvore talos crassos, bordões para os caminhos ásperos
a couve entalada, a couve fumegante, a couve fresca e palpitante
migada ou, soberana, deitada sobre um par de batatas.
As cabeças de couve
redondas, fractais, maravilhosas obras da geometria natural.
Na sua grande família
cabem as insuspeitadas couves nabo, rábano, rabanete,
a couve mostarda para te chegar à penca (um cheiro de resistência)
tudo isso são couves, é gente!
E não há discórdia entre as couves,
de oriente até à escarpa atlântica
do olho atento ao coração fermentado.Perfiladas contra os muros,
ou em mosaicos, bordaduras,
incontáveis,
esperam, pacientes e sem medo, a nossa rendição absoluta.
Texto e fotografias de Roseiras Bravas [roseirabrava@disroot.org]
Artigo publicado no JornalMapa, edição #30, Março|Maio 2021.
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