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Lendo: Mulheres em luta pelos direitos das pessoas presas

Mulheres em luta pelos direitos das pessoas presas

Mulheres em luta pelos direitos das pessoas presas


Vera Silva, antropóloga do Centro em Rede de Investigação em Antropologia e do Observatório Europeu das Prisões, é voluntária em projeto com mulheres presas no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. É uma das proponentes da REDE, Plataforma Sociedade Civil e Prisões criada em 2020.

Apresenta-nos a REDE?

A REDE Entregrades é uma iniciativa promovida por várias pessoas e organizações da sociedade civil com intervenção nas prisões, no sentido de ampliar a discussão sobre o sistema prisional, na procura de soluções que melhorem a situação das pessoas enredadas nas prisões: pessoas presas, ex-presas, familiares e profissionais da prisão. Um debate praticamente inexistente em Portugal. Tem promovido fóruns mensais, a decorrer online desde julho, com grande adesão e participação. Até ao momento, já aderiram à REDE mais de 60 pessoas, a título individual e em representação de organizações. A estratégia descentralizada e a mobilização em torno da defesa dos direitos das pessoas presas, enquanto princípio que conduz a ação, tem permitido um debate bastante crítico e revelador da situação nas prisões, que resulta da confluência de diferentes experiências, localizações e perspetivas sobre a prisão. Um saldo bastante positivo desta iniciativa, única no contexto português e que surgiu num período complexo que reitera a urgência de ação coletiva sobre as prisões.

A petição «Todos juntos por ti recluso», redigida em setembro por um grupo de familiares, deu origem a concentrações de protesto. De que se tratou?

O movimento «Todos juntos por ti recluso» é impulsionado por um grupo de mulheres de várias regiões do país que têm familiares presos/as. Após quase quatro meses sem acesso a visitas, estas foram retomadas gradualmente a 15 de junho com regras especiais sob recomendações da Direção Geral de Saúde, que levaram à colocação de parlatório, à redução para uma visita semanal de 30 minutos e à limitação de duas pessoas por visita. O Estado investiu 300 mil euros na instalação de 675 parlatórios em prisões e centros educativos, e a informação, não oficial, que tem circulado é de que serão para manter, pelo menos nos próximos dois anos.

Face a esta situação, no dia 4 de setembro manifestaram-se em Lisboa pelo direito às relações familiares e entregaram uma carta reivindicativa no Ministério da Justiça e na Direção Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP), exigindo o direito às visitas dentro dos trâmites que a lei nacional e internacional prevê e ainda a continuidade da aplicação da Lei 9/2020, que decreta as medidas excecionais de flexibilização de penas em período de pandemia. Eram mulheres, cerca de 20, do norte, centro e sul do país, de diferentes idades, entre os 20 e os 80 anos, algumas com as crianças a acompanhá-las. Durante a manifestação falaram dos vários problemas nas prisões: a falta de cuidados de saúde, medicamentos, material de proteção, a crónica má alimentação, a falta de informação e a inexistente reinserção social. As dificuldades que enfrentam para dar apoio e visitar. Muitas famílias têm de viajar centenas de quilómetros para terem apenas meia hora de visita. Os parlatórios foram também objeto de queixas: dificuldades de audição, que impedem o diálogo, e nenhum contacto físico é permitido.

A manifestação teve início em frente ao Ministério da Justiça e seguiu para a DGRSP, concentrando-se nas imediações do edifício. A Ministra da Justiça e o Diretor Geral recusaram recebê-las pessoalmente. Essa recusa, bem como a não cobertura mediática das reivindicações, demonstra a clara indiferença e invisibilização social a que são remetidas estas mulheres e crianças. Esta manifestação, bem como outras concentrações de protesto à porta de prisões que aconteceram no início da crise pandémica, demonstra-nos que são as mulheres quem se tem mobilizado e quem suporta, nas comunidades, as consequências do encarceramento.

À data em que falamos, a situação em Tires, das mulheres reclusas, é assustadora, com disseminação de casos de Covid-19 e a indiferença instalada…

Infelizmente não me surpreende que o primeiro surto de Covid-19 identificado nas prisões tenha sido em Tires, pelas condições que esta prisão tem, e porque tendencialmente as mulheres e transgénero presas são sujeitas a uma maior negligência e violência. A gestão desta prisão face a este surto, apesar de só agora ser mediatizada, tem sido alvo de denúncias nos últimos meses, por parte de mulheres presas, familiares nas redes sociais, e recentemente pela Ordem dos Advogados. Falta de celas com o mínimo de condições, serviços médicos precários, falhas na distribuição de produtos de higiene e de limpeza, falta de comida, os produtos na cantina são caros e muitas não têm dinheiro para suprir, desta forma, as necessidades básicas, fecho nas celas durante 22h, e limitações no acesso a advogados, o que tem servido para o silenciamento sobre as condições em Tires. A prática do segredo institucional é comum nas prisões. Da minha experiência de investigação em Tires, durante 2019 até ao início de 2020, não me foi facilitada a circulação nas alas e pavilhões prisionais. Os relatos que consegui recolher confirmam vários dos problemas agora denunciados publicamente. Acrescento, ainda, que além da difícil situação das mulheres mães e crianças na prisão e das que têm os filhos/as no exterior, também tenho conhecimento de mulheres que, desde março, não têm visitas dos/as filhos/as que vivem em instituições de acolhimento de menores.

A maioria dos problemas que se vivem hoje nas prisões não são excecionais, são velhos problemas que se intensificaram e multiplicaram. Os efeitos da crise pandémica agravaram as condições de vida dentro das prisões, promoveram um maior fechamento destas instituições à sociedade civil, o aumento da violência institucional, a limitação do acesso a bens essenciais e do contacto com familiares e amigos, a deterioração dos precários serviços de saúde e da saúde mental e física das pessoas presas.

Sabe mais em: rede-entregrades.pt

 


Artigo publicado no JornalMapa, edição #29, Dezembro 2020|Fevereiro 2021.


Written by

Filipe Nunes

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