Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Queremos respirar!
Máscaras. Há muito tempo, demasiado tempo. Não foi preciso nenhum coronavírus para as usar, pois há 12 anos que os cerca de 80 habitantes das Fortes em Ferreira do Alentejo vivem dias repetidamente descritos como insuportáveis. «Maus cheiros e fumos impregnados de substâncias gordurosas e partículas» provenientes das chaminés da fábrica, a menos de 100 metros das casas da aldeia, e que se colam à roupa, às paredes e aos pulmões.
Trata-se da fábrica AZPO – Azeites de Portugal, do grupo espanhol Migasa, uma das três unidades de secagem de bagaço de azeitona no Baixo Alentejo que, junto com as fábricas da Casa Alta, perto da aldeia de Odivelas, também em Ferreira do Alentejo, e a UCASUL, ao lado de Alvito, formam um triângulo de mal-estar, poluição e danos à saúde pública. A Agência portuguesa do Ambiente, em junho de 2018, revelara uma concentração anómala (35 vezes o limite legal) de partículas finas responsáveis por doenças respiratórias e cardíacas. Com esse anúncio é suspensa a fábrica da AZPO, para logo retomar em outubro desse ano com expetativas criadas face a um investimento anunciado em melhorias técnicas de 1,2 milhões de euros. Expetativas que rapidamente se esfumaram. Mas o fumo, esse, continuou a deixar a sua fuligem na terra, na água e nas pessoas.
Em maio de 2018, dezenas de queixas foram apresentadas junto do Ministério Público, considerando os indícios da prática do crime de poluição. Dois anos depois, no início de junho passado, os habitantes e a Associação Ambiental Amigos das Fortes (AAAF) viram o Tribunal de Beja encerrar o assunto ao não dar provimento à ação cível interposta pelo Ministério Publico. Dias antes, a visita com marcação prévia da juíza à fábrica – nessa hora a funcionar perfeitamente –, sem parar para falar com os moradores, apenas terá acentuado o já crescente descrédito popular com as autoridades e o poder político.
O problema das emissões poluentes da transformação do bagaço de azeitona (vendido como combustível e biomassa) aumenta, ano após ano, com a transformação sem controlo da paisagem alentejana pelo regadio do Alqueva, num imenso mar industrial de olivais intensivos e superintensivos. Em janeiro de 2020, o anúncio de um «colapso no sector» do azeite por não haver já espaço para colocar bagaço de azeitona produzido pelos lagares, apenas veio evidenciar, segundo uma reação à notícia da AAAF, «as fragilidades de desenvolvimento e exploração do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva».
Essas preocupações foram reiteradas em 16 de julho pela AAAF na Comissão de Agricultura e Mar, junto com o Movimento Alentejo Vivo e a Associação ZERO. Para a AAAF a aposta deve ser antes um «sector agrícola virado para os desafios do século xxi, modernizado e inovador, em que possa haver espaço para cadeias de produção ecológicas, multifuncionais e de proximidade». Para setembro aguarda-se um novo anúncio de «medidas» referentes à emissão de fumos das fábricas de bagaço, conforme comunicou o presidente da autarquia de Ferreira do Alentejo, depois de se ter reunido em 1 de agosto com a Ministra da Agricultura.
No dia a dia da aldeia das Fortes, os relatos postados nas redes sociais dos moradores são os mesmos de há uma década. Em 17 de julho, Maria Joaquina Camacho narra-nos a sua manhã: «estava péssimo… Uma parte da aldeia e por cima estava intragável… empesta tudo, em redor… Era uma neblina, com cheiro nauseabundo… De facto, o fumo é mais transparente… Eu não percebo… Mas também não é para perceber… Parece leve, mas não é… continua a passar baixo e a cair, mesmo em cima… Não sou técnica… mas todos nós sentimos… O efeito dos grandes lucros… O lixo… O lado negro, da economia… que ninguém está interessado em resolver…».
Quando as cortinas de fumo se erguem, dizem mesmo: «Até nos tiram o sol… Tiram-nos o Sol, a Lua, as estrelas, a saúde, o ar respirável, tirando tudo [de] bem que um ser humano pode ter. Para nos colocar em cima toda a porcaria do mundo… entre o lixo, também a ganância [e] a mentira, outro lixo que consegue aliar-se aos outros para tornar o fedor maior.»
Fotografias de André Paxiuta [apaxiuta@gmail.com]
Artigo publicado no JornalMapa, edição #28, Agosto|Outubro 2020.
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