
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Roma Lives Matter
No início deste ano, morreu Miguel Cesteiro, homem vivido, cigano, que sempre encontrou problemas de estabilidade nos municípios por onde passou, problemas com as autoridades no diálogo para melhor se integrar, juntamente com a sua família. Miguel morreu à guarda do estado no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Foi a terceira vítima mortal em 6 meses nas prisões portuguesas, depois dos jovens Danijoy e Daniel. Em Portugal, as inúmeras pessoas que recusam que «o país é racista» elegeram doze apóstolos para a Assembleia da República que utilizam a ciganofobia e outras formas de discriminação para as representar. Sem prejuízo do número de vitimização de um dos seus candidatos a vice-presidente da Assembleia da República, proclamando-se alvo do tal racismo que não existe…
Existem registos de ciganos Roma em Portugal desde 1500, comunidades nómadas, com destreza reconhecida na tradição, pelos seus trabalhos na ferragem, no domínio de equídeos, pela sua música, artes circenses, medicina natural, misticismo e conhecimento colhido por onde passavam, mas nunca foram aceites como iguais. E com uma reconhecida dificuldade num quotidiano laboral de portas fechadas.
Em 2022, enquanto em Portugal eram perseguidos por receber RSI, acusados de maus tratos animais e por aí fora, no Brasil e em Espanha a integração e o acesso a meios para estudar, trabalhar, partilhar a sua cultura, os seus medos, os seus orgulhos, estão bem mais avançados. Em todos estes países, o racismo sistémico é visível na suas políticas, mas, em Portugal, chega-se ao cúmulo de os que dizem não o haver se lamentarem de serem suas vítimas, ao mesmno tempo que elegem o anticiganismo como a sua principal bandeira. E os que dizem o racismo exite recusam muitas vezes confrontá-lo na sociedade e em si mesmos.
Roma pela Europa
Não é demais recordar histórias esquecidas de há um ano atrás. Em Junho de 2021, Stanislav Tomáš, um jovem romani, morreu em Teplice, na República Checa, depois de uma intervenção policial na qual vários agentes o inutilizaram e outro pressionou o seu pescoço durante vários minutos. O caso ficou conhecido como «Romani Floyd», salientando as semelhanças entre a sua morte e a de George Floyd, nos EUA, em 2020. Na Europa, o apoio ao movimento antirracista dos EUA foi avassalador, da mesma forma que o foi, no seu significado oposto, o silêncio perante a morte do jovem romani. Repetindo a ausência de apoio, partilha na dor e acção, com a morte, em 2016, de Miroslav Demeter, outro romani a viver na República Checa, também na presença da polícia.
O nome George Floyd ficou conhecido, os movimentos Black Lives Matter e I Can’tBreath representam a resistência de milhões de pessoas, e o debate sobre racismo, violência policial e o fim da forças policiais como as conhecemos ganhou força nos EUA e ecoou na Europa. Não foi a primeira vez que um negro morreu às mãos da polícia, mas o momento político nos EUA era propício à gigantesca campanha antifascista que se seguiu e que acabou por significar mais um passo na história da comunidade afrodescendente no país. Nessa história, mencionam-se os povos africanos e a escravatura e, quando se recorda o fascismo nazi, as vítimas são eternamente os filhos de Israel. Tal como nos debates sobre os campos de concentração na Rússia, sobre o Gulag, retratam-se fascistas e antifascistas, mas muito raramente se mencionam na história os ciganos, como se não tivessem sido também vítimas, como se não tivessem também lutado e resistido.
Os povos Romani, Sinti e Caló (os três principais grupos do povo genericamente chamado de cigano) merecem também aparecer na televisão, nos debates, em músicas, estampados em T-shirts, discutidos, divulgados e apoiados internacionalmente. Povos e etnias que nunca se inseriram totalmente na sociedade, que representam os «errantes», sem dono ou lugar, e principalmente sem uma estrutura social, política e revolucionária que lhes permita lançar campanhas e criar colaborações para acções de apoio mútuo, alcançando a visibilidade internacional necessária cada vez que são atacados, assumindo a sua própria representação.
“A Integração não depende na sua maior parte dos afectados, mas sim das alterações de interacção dos observadores. Enquanto se passar a ideia de que «empoderar» as minorias é conseguir que nos ouçam e aprendam a ser civilizados, nunca se conseguirá equidade nos deveres e direitos.”
O povo unido jamais será vencido… A não ser que algum seja esquecido!
O trabalho de manter o equilíbrio social assente na ilusão de segurança e conforto é o objectivo da autoridade. Na Europa, a luta política apresenta duas autoridades, uma à direita e outra à esquerda, alimentando debates filosófico-políticos, crescimento das ONG, associações, grupos pela igualdade e também muitos egos, tantas vezes elevados a partidos políticos. As grandes notícias, os debates, as campanhas e as mega manifestações são escolhidas em função do retorno político, atracção de seguidores ou colaboradores, de acordo com o guião estudado. Não se podendo acudir a todos, ficam as «situações» menos propícias a serem resolvidas rapidamente e com resultados favoráveis para os de cima (observadores), para poderem continuar a fazer de voz dos de baixo (afectados) para o «momento certo». O debate sobre o racismo institucional da economia ocidental é evitado pelo sistema democrático vigente. Mas porquê? Até onde vai a influência desta opção?
A integração não depende na sua maior parte dos afectados, mas sim das alterações de interacção dos observadores. Enquanto se passar a ideia de que «empoderar» as minorias – sob o guião do que representa o poder hoje – é conseguir que nos ouçam e aprendam a ser civilizados, nunca se conseguirá equidade nos deveres e direitos.
George Floyd foi um nome repetido milhares de vezes em várias línguas, em diferentes contextos, e representa um exemplo da violência policial e social que enfrenta quem sofre de repressão e indiferença. Mas quantos de nós sabemos o nome do «jovem de etnia cigana» baleado por Hugo Ernano? Ou porque nunca ouvimos falar de Olga, uma romani de 8 anos, que morreu em Dezembro passado na Grécia, tragicamente entalada em portas de correr de uma fábrica, perante a indiferença de quem passava? Quais são as histórias de Stanislav Tomáš, ou de Miroslav Demeter?
Os países europeus harmonizam uma imagem de multiculturalismo, ao mesmo tempo que condescedem perante estados onde os direitos humanos são violados abertamente ou oferecem campos de refugiados às vítimas dos seus actos. Num incontável capítulo, que a guerra da Ucrânia vem de novo sublinhar, os povos ciganos não são elegíveis para refugiados porque não lhe é reconhecida nenhuma nacionalidade, nem refúgio! Integrados numa nacionalidade, é-lhes pedido o respeito pela autoridade sem intenção de os «integrar», abandonando-os numa falta de empatia social, que nem os quer culturalmente ciganos, nem os reconhece como cidadãos de direitos iguais.
Ilustração de [em destaque] Guilhermo Marchessi
Artigo publicado no JornalMapa, edição #34, Maio|Julho 2022.
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