
Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Inteligência Artificial de Vigilância
Alguns governos europeus, com a França à cabeça, lutaram com sucesso pela liberdade de vigiar os cidadãos em espaços públicos, visar zonas fronteiriças com sistemas de inteligência artificial (IA) e explorar algoritmos de policiamento preventivo, revelam documentos internos obtidos pela Investigate Europe.
A Investigate Europe analisou mais de 100 documentos de reuniões à porta fechada dos embaixadores dos 27 Estados-Membros e falou com várias fontes presentes nas negociações. As actas das reuniões e os relatos de todo o espetro político detalham a forma como a França planeou estrategicamente o texto final do documento, ou seja, a versão aprovada no Conselho da UE e que entrará em vigor já a 2 de Fevereiro.
E, ainda que a utilização de IA em espaços públicos seja amplamente proibida, as alterações promovidas pela administração Macron (secundada pela Itália, Hungria, Roménia, Suécia, República Checa, Lituânia, Finlândia, Bulgária e… Portugal) significam que os agentes da autoridade e os funcionários das fronteiras terão a capacidade de contornar a proibição. As manifestações climáticas ou os protestos políticos, por exemplo, podem agora ser livremente alvo de vigilância com IA se a polícia tiver «preocupações com a segurança nacional».
Estas são apenas algumas das lacunas e «excepções de segurança nacional» que irão, a partir de 2 de Fevereiro, ser impostas pela Lei Europeia da Inteligência Artificial. De acordo com esta publicação, «numa questão de dias, os governos de toda a UE terão o poder de utilizar tecnologias baseadas em IA que permitem seguir os cidadãos em espaços públicos, efectuar vigilância em tempo real para monitorizar os refugiados nas zonas fronteiriças e utilizar ferramentas de reconhecimento facial contra pessoas com base nas suas suspeitas de filiação política ou crenças religiosas».
Na prática, estas excepções abrangerão também as empresas privadas – ou eventualmente países terceiros – que fornecem a tecnologia de inteligência artificial à polícia e aos serviços de imposição da lei. O texto estipula que a vigilância é permitida «independentemente da entidade que realiza essas actividades».
Ainda de acordo com a Investigate Europe, «a utilização de sistemas de reconhecimento emocional – tecnologias que interpretam o humor ou os sentimentos das pessoas – é proibida a partir de 2 de Fevereiro nos locais de trabalho, escolas e universidades. As empresas serão proibidas de seguir os clientes nas lojas para analisar as suas intenções de compra, por exemplo, e os empregadores não podem utilizar os sistemas para verificar se os funcionários estão satisfeitos no emprego ou não. Mas, graças à pressão exercida pela França e outros Estados-Membros, estes sistemas são autorizados para todas as forças policiais e autoridades de imigração e fronteiras».
«E há ainda os sistemas de identificação biométrica utilizados para determinar a raça, as opiniões políticas, a religião ou a orientação sexual e até mesmo se alguém faz parte de um sindicato. Estes sistemas são proibidos pela lei, mas há uma exceção. A polícia poderá utilizar os sistemas e recolher dados de imagem de qualquer indivíduo ou comprar dados a empresas privadas», afirma ainda a Investigate Europe. Que continua: «Além disso, o software de reconhecimento facial pode ser utilizado em tempo real se for “estritamente necessário” para a aplicação da lei. Pode ser utilizado pela polícia na investigação de 16 crimes específicos, incluindo uma referência geral a “crimes contra o ambiente”». Uma outra lacuna diz respeito ao policiamento preventivo – a capacidade de um algoritmo para prever quem cometerá um crime, agora recorrendo a IA: o texto final permite a utilização destes sistemas, desde que haja um controlo humano da tecnologia.
Dizia-se que a legislação seria concebida para mitigar a miríade de receios de privacidade que rodeiam a utilização de tecnologias e algoritmos de IA, com a UE a afirmar que a lei criaria «um ecossistema de IA que beneficia todos». No entanto, a Lei da IA fica aquém da legislação ambiciosa e protetora dos direitos humanos que muitos esperavam», disse Sarah Chander, co-fundadora da Iniciativa Equinox para a Justiça Racial. Porque, na verdade, não é uma lei de protecão humana. Trata-se antes de um corpo jurídico para o aumento das capacidades policiais de vigilância e controlo para além do imaginável e para o enquadramento, a aceleração e a promoção do mercado da IA e da digitalização dos serviços públicos.
Neste último sentido note-se, por exemplo, que a utilização das chamadas tecnologias de «alto risco» será sujeita a requisitos, como uma autorização judicial, o registo numa base de dados europeia e uma avaliação de impacto sobre o respeito dos direitos fundamentais. No entanto, de acordo com a Investigate Europe, «mesmo isto tem um senão», uma vez que «foi acrescentado um artigo que permite às empresas preencherem uma auto-certificação e decidirem se o seu produto é de “alto risco” ou não, libertando-as assim potencialmente de certas obrigações». Refira-se ainda que a França alberga uma série de empresas líderes destas tecnologias, incluindo a Mistral AI, o que talvez ajude a explicar o interesse francês em diluir as proibições do uso da IA. Menos explicável foi o apoio português (durante o governo de António Costa) à posição francesa. E, de acordo com o jornal Público, nem a Representação Permanente de Portugal na UE (REPER) nem o então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, quiseram prestar quaisquer esclarecimentos.
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