shop-cart

Lendo: Felizmente continua a haver luar (Junho/Setembro 2023)

Felizmente continua a haver luar (Junho/Setembro 2023)

Felizmente continua a haver luar (Junho/Setembro 2023)


Uma derrota com sabor a revolta


Em março, Macron anunciou o aumento da idade de reforma de 62 para 64 anos. Esta enésima «reforma» das pensões é vista, muito justamente, como uma etapa suplementar de uma demolição das condições de vida que parece não ter limites.


 

I.
«Vestidos de negro, de máscara e luvas, discretos, anunciam o programa, de olhos risonhos: “Hoje é a operação gás gratuito”» 1. Assim começa a reportagem que segue dois operários da companhia nacional do gás que levam a cabo acções directas em protesto contra o projecto de «reforma» do sistema público de pensões. Organizados em pequenos comandos, estes operários, que se intitulam a si próprios «Robins dos Bosques», executam acções que permitem fornecer gás e electricidade, a preços módicos ou gratuitamente, a casas dos bairros populares, aqui, na grande cidade do Sul: Marselha. Em cada operação, colocam nas caixas de distribuição uma nota dirigida aos utentes: «Electricidade e gás mais caros, menos poder de compra, investidores mais ricos, operários nervosos». Ao intervirem nas redes de distribuição, os «Robins dos Bosques» sabem que não vão mudar a condição das pessoas pobres, mas afirmam: «É a nossa maneira de agir em prol do bem comum, a energia é um bem comum, não devia estar sujeita à lei do mercado.» De igual modo, ligam de novo o fornecimento de energia aos pobres que não a conseguem pagar e que o viram cortado pela empresa de gás e electricidade. Estabelecem tarifas reduzidas para os padeiros em dificuldade. Em dois grandes bairros populares de Marselha, os «Robins dos Bosques» reduziram em 50% as tarifas do gás e da electricidade. Além disso, decidiram «visitar» os deputados que defendem a «reforma» das pensões, oferecendo-lhes cortes de electricidade. A 19 de Abril, por ocasião da visita de Macron a uma fábrica numa aldeia perdida da Alsácia, a corrente eléctrica local foi cortada, o que levou à anulação da visita. «Vamos agir assim porque eles só compreendem a relação de forças.» O grupo começou a efectuar estas acções directas em 2004, quando o estatuto da empresa passou de público para misto, com capitais privados. Hoje, com a «reforma», as vantagens do seu regime de pensões vão ser suprimidas. Como sempre, o governo nivela por baixo, sempre mais baixo. É por isso que os operários da energia se encontram tão empenhados no movimento contra a «reforma». Como acontece em geral com as grandes empresas, as companhias de energia auferem lucros gigantescos, ao mesmo tempo que os preços pagos pelos consumidores não cessam de aumentar. Por outro lado, descobriu-se agora que a companhia nacional de gás continua a vender gás russo, enquanto a propaganda bélica anti-Putin se encontra no centro do discurso oficial. A hipocrisia da guerra entra no debate!

Estas acções directas revelam uma radicalização de certos sectores operários, e são reforçadas pela arrogância do governo que, desde o início, impôs o quadro da sua «reforma» deixando aos sindicatos uma margem de negociação limitada, desafiando inclusivamente as organizações mais reformistas que, há décadas, acompanham e caucionam todas as «reformas liberais».

O movimento dos Coletes Amarelos, além das suas ambiguidades e contradições, deixou marcas profundas, trazendo ao primeiro plano o sentimento de injustiça social e uma espécie de reivindicação da honra e da dignidade dos pobres e dos deixados para trás. Ao mesmo tempo, o termo «macronista» tornou-se sinónimo de defensor dos privilegiados. É significativo que o canto dos Coletes Amarelos – «Estamos aqui, mesmo que Macron não o queira, pela honra da classe operária e por um mundo melhor!» – se tenha tornado o canto mais repetido nas manifestações e sempre que se apresenta um conflito social. Substituiu A Internacional.

Finalmente, no que toca aos sindicatos, a situação está nitidamente virada do avesso. Os sindicatos da energia eram tradicionalmente dominados pela CGT, um sindicato dirigido de forma autoritária por uma nomenclatura comunista vinda dos anos estalinistas do pós-guerra. Até ao início deste século, a CGT rejeitava a acção da base, considerada uma expressão de tendências esquerdistas e provocadoras. Hoje em dia, os dirigentes sindicais vêem-se forçados a caucionar estas acções directas que lhes escapam. É a base dos sindicatos que leva a cabo as acções, e, se os dirigentes querem conservar uma aparência de controlo do aparelho sindical, são obrigados a submeter-se à base. O mínimo que se pode dizer é que este controlo é frágil e pode ser ultrapassado de um momento para o outro. Poucas semanas antes do início do movimento actual contra a «reforma», uma greve selvagem, organizada horizontalmente no Twitter e noutras redes sociais, paralisou o conjunto dos transportes ferroviários em França. Os sindicatos foram postos diante do facto consumado e não puderam intervir. O governo ficou preocupado: «Onde estão os sindicatos?». Um mês depois avançavam com a «reforma» das pensões…

Roland_Godefroy

Paris, 31 de janeiro de 2023. Roland Godefroy, CC 4.0.

II.
Vejamos o conteúdo desta «reforma». A ideia do governo é que o sistema actual de financiamento das pensões públicas «tem de ser salvo», sobretudo por razões demográficas, numa altura em que o número de contribuintes diminui e o de pensionistas aumenta. Esta ideia é contestada inclusivamente por muitos «peritos» complacentes com o poder, que sublinham, que o sistema contributivo poderá manter-se equilibrado se as contribuições patronais não falharem. Um dos problemas é que as contribuições patronais são cada vez mais aligeiradas. É claro, acrescentam os sindicatos e o que resta da esquerda reformista, que se poderia também financiar o sistema através de impostos sobre as grandes fortunas, os lucros e as rendas dos capitalistas. Como é evidente, o governo não aceita isso. Tocar nos lucros dos capitalistas é ultrapassar a linha vermelha das políticas liberais. Assim, é a precariedade do trabalho e os baixos salários que diminuem as contribuições e fragilizam o sistema actual de pensões. A única «solução» encontrada pelos donos do tempo presente é o aumento do período de contribuições dos assalariados. Segundo a nova lei, a duração das contribuições passaria de 40 para 43 anos e, com excepção de quem começou a trabalhar muito novo, aos dezasseis anos, seria preciso chegar aos 64 para poder receber a pensão, em vez dos 62 anos actuais. Os sectores operários que, no passado, tinham conseguido um regime mais favorável, tendo em conta a dureza do seu trabalho, têm de aceitar perdê-lo. É o caso dos trabalhadores da energia, nos quais se contam os «Robins dos Bosques».

São estes dois anos de acréscimo que fizeram convergir a oposição à «reforma». Nas condições actuais de exploração cada vez mais duras, muitos trabalhadores não aguentarão até aos 64 anos. Já hoje, são muitos os que param antes dos 62 anos, reformando-se com pensões reduzidas. Para aqueles com salários acima da média, é também uma incitação à subscrição de pensões privadas, geridas pelos grandes grupos financeiros, uma evolução já encetada nos países do Norte da Europa, desde a Holanda até à Suécia. Depois dos 60 anos, muitos assalariados são excluídos do mercado de trabalho, sobrevivendo em condições difíceis de pobreza à espera de atingir a idade (hoje 62 anos, amanhã 64) em que poderão finalmente receber a sua exígua pensão. Já hoje, quase 50% dos trabalhadores chegam à idade de reforma sem trabalhar, dependentes de subsídio de desemprego ou de apoios sociais. E um quarto dos trabalhadores pobres morre antes da idade de começar a receber a pensão. É verdade que se vive mais tempo, mas este aumento da esperança de vida é uma média que esconde disparidades enormes segundo a classe social e os sectores de actividade. E, aliás, por que razão o aumento da esperança de vida terá obrigatoriamente de significar trabalhar mais tempo?

É a base dos sindicatos que leva a cabo as acções, e, se os dirigentes querem conservar uma aparência de controlo do aparelho sindical, são obrigados a submeter-se à base.

III.
Em França, as mobilizações contra a «reforma» vieram mostrar a existência de uma energia de contestação do sistema capitalista. É o próprio processo da reprodução capitalista, com as suas contradições de classe, que está na base dos movimentos sociais. Poder-se-ia quase pensar que os dois últimos anos de vida sob o confinamento e a submissão à propaganda do medo só vieram reforçá-los.

Para além da sua dimensão, as manifestações actuais revelam algumas particularidades da situação presente da sociedade. A importante participação de jovens pode explicar-se pelo facto de eles serem os principais afectados. No entanto, a maioria dos jovens sente-se céptica a respeito das pensões. Estão convencidos de que nunca as receberão… Assim, empenham-se nesta luta porque a «reforma» exprime uma lógica de sociedade presente e futura que rejeitam globalmente. Vivem já na precaridade e na pobreza, na ausência de perspectivas, e com o desastre ecológico. Os manifestantes idosos, que já saíram do mercado de trabalho, fazem-no porque vêem na «reforma» a futura sociedade que as novas gerações terão de suportar. Participam assim numa atitude de solidariedade. De igual modo, as manifestações diferenciam-se daquelas, mais clássicas, do «povo de esquerda», pois encontramos nelas uma forte presença de trabalhadores precários e com baixos salários, dos serviços, da saúde, da restauração, das limpezas, das lojas e dos grandes grupos de distribuição. Estes proletários, tradicionalmente mais passivos, que já não víamos nas manifestações, constituem a base dos sindicatos consensuais. São os primeiros a ser afectados pelo prolongamento de dois anos de trabalho, o que explica que os encontremos actualmente na frente dos sindicatos contra a «reforma». É também digna de nota a forte participação de mulheres nos desfiles, em particular, jovens. Os desfiles feministas ou as «assembleias de mulheres» estão entre os sectores mais alegres e dinâmicos das manifestações. Foi algo inesperado ver inclusivamente um desfile de feministas radicais e lésbicas deslocar-se para apoiar os grevistas das refinarias que fornecem querosene aos aeroportos parisienses 2 . As lutas e os movimentos cruzam-se numa mesma frente de combate. E, à medida que o movimento se instalou, as palavras de ordem foram-se tornando mais imaginativas: «Será possível fazer teletrabalho nos lares de idosos ?», «O lixo não está na rua, mas nos ministérios». Finalmente, muitos dos participantes manifestam-se pela primeira vez na vida. O slogan de Maio de 68, repetido aqui e ali: «Quando é insuportável, já não o suportamos!» readquire sentido.

Antoine_Oury

Mans, 28 de março de 2023. Antoine Oury, CC 4.0.

Uma das características marcantes do movimento é a amplitude das mobilizações, abarcando praticamente todo o país, com particular incidência nas pequenas cidades de província. Em numerosas cidades médias e pequenas, não é raro ver na rua entre 10% e 20% da população. Por vezes, chegou-se mesmo a contar metade dos habitantes na rua. Ao fim de um mês de mobilizações, as sondagens, sempre aproximativas, continuavam a dar uns meros 10% de pessoas favoráveis à «reforma».

A posição dos sindicatos merece que nos detenhamos um pouco nela. Pela primeira vez desde há anos, uma frente sindical única opõe-se ao governo, desde pequenos sindicatos direitistas e tradicionalmente resignados, como o sindicato cristão e o sindicato dos quadros, até à velha CGT e ao sindicato mais combativo, o SUD. A CFDT, um sindicato muito reformista que há anos apoia todas as medidas liberais dos diversos governos, encabeçou desta vez as mobilizações, em conjunto com a CGT e o SUD. A base deste sindicato é maioritariamente constituída por trabalhadores precários e mal pagos em sectores de trabalho penoso como os serviços, particularmente afectados pelas novas medidas – são portanto trabalhadores para quem é insuportável imaginar um prolongamento de dois anos da sua vida de explorados.

Já hoje, um quarto dos trabalhadores pobres morre antes da idade de começar a receber a pensão.

A arrogância da classe dirigente exprime a diminuição progressiva do espaço negocial que constitui o fundamento do sindicalismo. Por agora, no caso francês, os sindicatos refizeram a sua imagem e aceitaram acompanhar e defender a radicalização das suas bases. Seja como for, aqui e ali, os aparelhos sindicais tentam, à primeira oportunidade, recuperar o seu papel dirigente. Por exemplo, ao revindicarem o controlo das assembleias que decidem as acções a empreender. A ideia da auto-organização continua a ser incompatível com os interesses dos aparelhos. Assim, e para voltarmos à atitude da classe dirigente, é arriscado concluir do enfraquecimento dos sindicatos que os trabalhadores se submeterão inelutavelmente à pauperização em curso.

É indubitável que esta frente sindical única reforçou a energia da recusa. Por um lado, porque a divisão dos aparelhos sindicais era considerada, por muitos trabalhadores, como um factor de fraqueza. Isto explica que se assista hoje a uma retoma das filiações sindicais, que há anos se encontrava em queda, com milhares de novas adesões no passado recente. Poder-se-ia dizer que, deste ponto de vista, o movimento constitui já uma vitória sindical, mas coloca um problema no futuro. É que os novos aderentes chegam com espírito de luta e com vontade de se opôr ao estado das coisas. Uma vez passado o momento actual, é muito provável que choquem rapidamente com o rame-rame destas instituições hierárquicas e burocráticas e percam as ilusões.

Não está na natureza do sindicalismo moderno promover acções selvagens ou directas, mas a negociação. Se os aparelhos apoiam as primeiras, é só com o objectivo de se reforçarem momentaneamente, para, mais tarde, terem um poder de negociação no interior do sistema. A última palavra caberá necessariamente à capacidade de o capitalismo cultivar o espaço desta negociação. Se a melhoria das condições de vida dos explorados puder induzir ganhos de produtividade favoráveis ao aumento da rentabilidade do capital, o sindicalismo voltará a encontrar um espaço de funcionamento. Mas se, como parece ser o caso, estivermos a entrar num período em que só a violência das relações de força pode convir ao prosseguimento da produção de lucro, os dias do sindicalismo estão contados e, a este momento de pausa, seguir-se-á a continuação da sua decadência como força de enquadramento dos trabalhadores. Como faz notar muito justamente Jacques Rancière, num artigo recente 3, o fim do Estado gestionário é o Estado policial. E o Estado policial não precisa de co-gestão, não precisa de sindicatos negociadores.

Jules

Paris, 28 de março de 2023. Jules, CC 4.0. Referência aos protestos em Sainte-Soline contra reservatorios de água para a agro-indústria. Durante a feroz repressão policial que caiu sobre os 30.000 manifestantes, S. foi atingido na cabeça por uma granada explosiva. Já retomou a consciência.

IV.
Quando, na Grécia, depois do terrível «acidente» de comboio – na realidade, um crime de Estado 4 ‒ no início de Março de 2023, que matou dezenas de estudantes, os manifestantes desfilam aos gritos de: «A privatização mata!» e «Os nossos mortos, os vossos lucros!», exprimem claramente a ideia que permeia hoje em dia todas as sociedades da velha Europa. É um brado de rejeição das consequências sociais das políticas liberais do capitalismo actual, atitude que continua a propagar-se após o desastre das políticas anti-Covid que puseram a nu a destruição dos serviços de saúde por toda a Europa. Assistimos a esta vaga de contestação em vários países europeus. Na Grã-Bretanha, em primeiro lugar, onde movimentos de greve, diversificados e pontuais, desorganizam há meses o funcionamento da vida social. Mas também em países onde, nos últimos anos, os conflitos sociais têm sido raros. Assim, na Dinamarca, uma medida destinada a prolongar o tempo de trabalho anual para financiar o aumento do orçamento militar, com a supressão de um feriado, desencadeou uma importante manifestação em Copenhaga. Em Portugal, após décadas de letargia, os trabalhadores protestam contra a destruição dos serviços públicos, escolas, transportes e hospitais, e contra a crise da habitação. Finalmente, em Espanha, as recentes manifestações de milhões de pessoas pela defesa dos serviços públicos de saúde (em Espanha, estes dependem das diferentes regiões, tal como o sistema educativo) exprimem igualmente a presença da cólera social.

Pemberlaid

Lyon, 6 de abril de 2023. Pemberlaid, CC 4.0.

Em França, o sentimento de uma destruição progressiva dos serviços públicos exaspera uma parte cada vez maior da sociedade. Aquilo a que se chamava «Estado Social», que os trabalhadores consideravam como uma garantia e uma protecção das suas condições gerais de vida, desmorona-se. Uns após outros, os serviços postais, os serviços de saúde, a escola ou os transportes, vão sendo destruídos. Esta enésima «reforma» das pensões é vista, muito justamente, como uma etapa suplementar de uma demolição das condições de vida que parece não ter limites. A ideia das «conquistas» irreversíveis das lutas passadas ficou para trás. E a propaganda liberal a vender as «privatizações» como uma melhoria dos serviços públicos tornou-se risível, dado o caos instalado nestes sectores, ao mesmo tempo que a inflação torna a vida quotidiana mais difícil. A incapacidade do sistema capitalista para inverter a lógica da destruição ambiental com as suas consequências desastrosas vem somar-se a este estado de coisas. A lógica produtivista é sentida como uma produção de desigualdades. Com excepção de alguns talibãs que ainda se atrevem a defender os benefícios do «progresso», a luta ecológica passou a fazer parte de todas as lutas sociais. Em resumo, as vias clássicas de busca de um consenso interclassista parecem agora manifestamente insuficientes. Para muitos, a alternativa de resistir e lutar torna-se uma opção incontornável.

Esta situação particular faz vir à superfície uma sensibilidade que permanecia subterrânea, mostrando sob uma nova luz o absurdo da condição do trabalho assalariado, o qual é posto em perspectiva com a devastação do planeta e as dificuldades da vida. Para muitos, o trabalho tornou-se sinónimo de precaridade, de vida violenta, de empobrecimento, de destruição dos seres. Então, trabalhar «mais dois anos» para garantir um fim desta vida sem sentido humano, não! Já não são manifestações sindicais a exigir uma negociação sobre o âmbito de uma reforma, são manifestações contra uma visão do mundo. Entre os slogans de Maio de 68 retomados nas manifestações recentes, há um que se vê com frequência: «Não perder a vida a ganhá-la».

Os desfiles feministas ou as «assembleias de mulheres» estão entre os sectores mais alegres e dinâmicos das manifestações.

Nas suas acções directas concretas, o movimento não ultrapassou, salvo raras excepções, o quadro cauteloso e «responsável» dos grandes aparelhos sindicais e o enfrentamento estritamente político. No entanto, deixou eclodir um espírito de contestação radical que só pede para se ampliar e se tornar uma força colectiva. O espírito que domina agora as mobilizações, greves e manifestações avança uma ideia: esta batalha parece perdida, mas criámos uma força colectiva que pode ser importante para a construção de um outro futuro.

Para culminar esta entrada num período histórico pouco sedutor, a presença de uma guerra às portas da Europa de Leste, com o seu cortejo de violências, destruições, massacres sem fim e barbáries indizíveis, enfraqueceu ainda mais a crença numa vida consensual sob o capitalismo. Sublinhe-se de passagem que os slogans contra a guerra, as referências a um confronto intercapitalista mortífero, pago com as vidas da juventude ucraniana e russa, têm tendência para aumentar nas manifestações em França, à medida que a mobilização se implanta na sociedade.

O que parece evidente àqueles que vivem em directo estas mobilizações de contestação é que o elemento dominante da nova energia não é apenas a questão em si da «reforma das pensões», mas a da rejeição de um mundo tal como está. Essa é a grande diferença com as lutas dos anos anteriores, como a de 1995 contra a precedente «reforma». Está aqui e permanecerá para além deste movimento. Ele impõe-se como uma necessidade que vai ser preciso assumir, desenvolver, impor aos donos do tempo presente, única luz que nos pode permitir sair da noite escura que eles nos preparam e na qual já entrámos.


Ilustração [em destaque] de  André Lemos


Artigo publicado no JornalMapa, edição #38, Junho|Setembro 2023.

Notas:

  1. Khedidja Zerouali, «Les Robin des bois» offrent le gaz contre la réforme des retraites, Mediapart, 12 février 2023.
  2. https://www.huffingtonpost.fr/france/video/adele-haenel-et-medine-a-gonfreville-aux-cotes-des-grevistes-de-la-raffinerie_215701.html
  3. «L’ordre républicaine de Macron»
  4. A rede de caminhos-de-ferro em que se deu a catástrofe tinha sido recentemente privatizada, os sistemas de sinalização não funcionavam há meses e o novo pessoal estava deficientemente habilitado.

Written by

Jorge Valadas

Show Conversation (0)

Bookmark this article

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

0 People Replies to “Felizmente continua a haver luar (Junho/Setembro 2023)”