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Lendo: Transumano Mon Amour

Transumano Mon Amour

Transumano Mon Amour


Andrea Mazzola tem colaborado com o jornal Mapa com a sua rubrica «Transumano Mon Amour», cujos textos foram reunidos em dois volumes, o último dos quais recém-editado também com o selo Mapa. Neste segundo volume, Mazzola fala-nos de diferentes questões como a tecnologia, a cibernética, a extrema-direita, o Antropoceno, o controlo dos corpos, a migração ou, como não podia deixar de ser, a gestão da pandemia coronavírus.

No segundo volume de Transumano Mon Amour, a questão da tecnologia e dos novos mecanismos de controlo cibernéticos marcam presença, muito no seguimento dos temas abordados no primeiro volume, mas também se abre a porta a questões ecologistas e humanitárias, com textos de reflexão sobre o Antropoceno, o arame farpado ou as rotas sangrentas da migração para Europa. Como relacionas essas temáticas com aquilo que defines como transumanismo, ou H+?

Achille Mbembe fala muito do malthusianismo 2.0, e podemos dialogar com ele descrevendo o H+ como um projecto político para enfrentar o apocalipse em acção: dirigir a evolução, criando artefactos vivos, novas espécies etc., engenhando humanos, outros seres e o meio ambiente. O devir-negro do mundo é um devir-objectos técnicos, um devir-cobaias. Enquanto o planeta morre, nos laboratórios nascem novas companheiras de viagem para o nosso caminho coevolutivo. Ou seja, estamos a assistir à expropriação e acumulação originária das funções biológicas do planeta mediante o dispositivo das patentes e das práticas laboratoriais. Das sementes e animais ao trabalho clínico de quem vive uma gravidez contratada ou aceita experimentar fármacos potencialmente mortíferos para poder sobreviver no dia-a-dia… Há uma relação dos milhares de mulheres linchadas ou queimadas, na actual caça às bruxas de que nos fala Silvia Federici, com os programas do Banco Mundial… bem como com o financiamento da Europa a militares mercenários que, com as suas armas, obrigam as pessoas a fugir das suas terras. Privadas de sustento, as pessoas tentam migrar. Mas é a vida nua, ao nível molecular, a nova «classe» explorada pela direita patronal e os quadros dirigentes. Os estudos de Melinda Cooper são imprescindíveis a esse propósito. Sendo contudo a visão de Mbembe, que fala de fusão entre capitalismo e animismo, a abordagem antropológica polimorfa que melhor nos permite afinar a nossa sensibilidade além da (justificada) atenção com as questões económicas.

a infodemia tinha começado antes da Covid-19, mas a chegada desta parece ter criado as condições para um golpe de estado infomilitar

Alguns textos focam bastante o espectro político italiano, mais concretamente a ascensão da extrema-direita, na figura de Salvini, e as relações que tem com uma potência política como a Rússia. É abordada também a forma como a extrema-direita tem conseguido chegar às pessoas através das redes sociais, fazendo uso daquilo a que normalmente chamamos fake news ou teorias da conspiração, também com a ajuda de empresas de análise de dados e de hackers. Como analisas essa ingerência russa na política nacional de outros países, como ficou patente no caso da eleição de Trump em 2016?

Platão foi o primeiro tecnólogo, o primeiro cibernauta e o primeiro totalitário: os indivíduos são os objectos da técnica política. O totalitarismo 2.0 – de Silicon Valley à fábrica de trolls de São Petersburgo – é platónico. Os marxistas de direita russos ou os anarcocapitalistas californianos são neoplatónicos. Assistimos a um fenómeno de convergência, no qual as actuações do Partido Comunista Chinês ou as do mercado livre vão dar aos mesmos efeitos: o tecnofeudalismo de que nos fala Cédric Durand. Dialogando a esse propósito com Shoshana Zuboff, aprendemos como o mundo digital transformou o planeta inteiro num laboratório de condicionamento operante do comportamento – vivemos numa Planetary Skinner Box. Somos todas tratadas como cobaias, manipuladas ao nível molecular das nossas sinapses e emoções. O que Naomi Klein chamou de Screen New Deal é a expressão mais nitidamente política da Nova Internacional Fascista: a infodemia tinha começado antes da Covid-19, mas a chegada desta parece ter criado as condições para um golpe de estado infomilitar. Um apelo à acção direta – internacional – foi-nos dirigido por Ece Temelkuram, ou por Silvia Federici, já antes do começo da «emergência sanitária».

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Ilustração de Tidi.

Sugeres, então, que as medidas postas em prática a nível global para enfrentar a crise pandémica não resultam tanto de considerações sanitárias, mas mais de uma agenda política?

Sim… Tal como Mathieu Rigouste nos mostra que a arabofobia é um artefacto cultural cunhado pelos estrategas militares coloniais franceses como arma de guerra psicológica, também o vírus pode ter sido instrumentalizado e ter-se tornado o inimigo interior. Antes de começar a emergência, reflectimos sobre o pan-óptico digital como antecâmara do Tribunal da Inquisição Digital. Hoje em dia, a preocupação deve deixar lugar para um alerta de máxima urgência. Não há mais espaço, nem tempo. E as chances não parecem ser muitas.

 


Texto de Pedro Morais


Artigo publicado no JornalMapa, edição #33, Fevereiro|Abril 2022.


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Jornal Mapa

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