
Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Um coletivo para alojar a resistência
Jornal MAPA: Quais os objetivos e como se organiza o coletivo STOP DESPEJOS?
STOP DESPEJOS: O coletivo STOP DESPEJOS foi criado em 2017 para reunir grupos e associações cujo trabalho já se centrava nas questões da habitação e das pessoas afetadas ou ameaçadas por situações de despejo e de habitação precária, com o objetivo de impedir os despejos e reivindicar o seu fim imediato.
Os objetivos e formas de atuar do coletivo foram evoluindo ao longo destes dois anos, em função das exigências concretas de cada caso, do desenvolvimento da crise e das políticas habitacionais, e do crescimento do próprio coletivo. Surgiu a necessidade de, para além de atuar pontualmente em situações de urgência, desenvolver um trabalho prévio com o intuito de prevenir os despejos, assim como de criar campanhas prolongadas para promover uma compreensão crítica da cidade, a defesa do direito à habitação digna para todas as pessoas e a construção coletiva, inclusiva e mais justa das nossas cidades. No âmbito deste campo de acção mais alargado, temos vindo a construir narrativas, nomeadamente através da denúncia das políticas neoliberais que promovem a especulação financeira imobiliária, a oposição à privatização do espaço público, a defesa da ocupação, o apelo à criação, ou consolidação, de espaços e redes de solidariedade alternativos.
O STOP DESPEJOS é um coletivo horizontal (não existem hierarquias e as decisões são tomadas em assembleia), apartidário (não pertence nem apoia nenhum partido político), autofinanciado (não aceita subvenções do Estado) e autónomo (não depende de nenhuma outra organização). Tentamos criar alianças com movimentos de bases feministas, anti-racistas, anti-fascistas e anti-capitalistas, com os quais partilhamos ideias e práticas de luta. Consideramos que, num país onde se privilegia o lucro imobiliário e as leis desrespeitam o direito a uma vida e habitação dignas, é legítima e necessária a desobediência.
JM: Nos últimos anos os despejos têm sido uma realidade cada vez mais presente na região de Lisboa. Que processo está na base dos despejos e quais têm sido os principais afetados?
SD: Trata-se mais do resultado de um conjunto de processos que tomaram forma na viragem neoliberal das políticas adotadas a partir da crise de 2008-2009, desencadeando uma forte crise no acesso à habitação e ao mercado de trabalho. Enumeramos os processos tidos como fundamentais para a questão dos despejos: a Lei Cristas, de 2012, pela qual os inquilinos perderam variadas protecções, o interesse dos investidores nacionais e estrangeiros e as facilitações técnico-jurídicas para tais sujeitos (vistos gold, residentes não habituais, incentivos para fundos imobiliários), a turistificação (afirmação da monocultura da indústria do turismo) e a financeirização da habitação. Criaram-se todas as condições favoráveis nos processos clássicos de gentrificação que levam a uma massiva «expulsão» de residentes dos seus bairros.
A especificidade do que se tem estado a passar em Portugal, sobretudo em Lisboa e no Porto, destaca-se dos processos clássicos de gentrificação pela sua rapidez. Essa intensificação faz com que os efeitos nefastos sejam ainda mais violentos e mais visíveis, sobretudo para as populações mais vulneráveis.
Apesar de termos um governo supostamente de esquerda, muito pouco ou nada foi feito nos últimos anos para inverter esta situação. Os principais afetados são, efetivamente, as classes baixas e médias do centro e da periferia da cidade, ou seja, um número bastante alargado da população lisboeta.
Importa explicitar que englobamos no conceito de despejo a não renovação de contrato e também o aumento desproporcionado dos valores pedidos, conceitos que não se enquadram nos despejos «oficiais».
JM: E em outras cidades este fenómeno também se verifica? Existem outros coletivos semelhantes?
SD: Os processos subjacentes às expulsões são comuns a muitas cidades de todo o mundo e, em quase todo o lado, há experiências de resistência de vários tipos. No nosso país, os centros de todas as principais cidades sofrem as consequências nefastas das políticas neoliberais: o Algarve é um dos casos onde este fenómeno acontece há décadas. Nos últimos anos, o problema tem-se feito sentir principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, mas não dispomos dos recursos para compreender plenamente o resto do país.
Existem coletivos semelhantes na Europa e em quase todo o mundo. Em Portugal, no ano passado, lutámos ao lado do coletivo O Porto não se vende.
Um dos objetivos para o futuro é aprender/conhecer mais sobre as realidades do resto do país, realizar análises comparativas aprofundadas e estabelecer estratégias de luta conjuntas.
JM: Têm surgido relatos de estratégias de pressão, ou bullying, levadas a cabo por proprietários sobre moradores para agilizar os processos de despejo. Que estratégias são estas?
SD: As estratégias utilizadas são a pressão constante para o inquilino sair e um certo tipo de violência.
O despejo, com tudo o que o antecipa e o sucede, já em si é uma situação que as pessoas vivem com altos níveis de stress e que afeta brutalmente o seu quotidiano. As técnicas usadas pelos proprietários para tornar a vida das pessoas impossível e forçá-las a sair das suas casas são várias, desde telefonemas contínuos, até às mentiras persistentes e às falsas promessas. As obras são uma das «técnicas» mais utilizadas: as máquinas são deixadas a trabalhar durante toda a noite nos apartamentos vizinhos que estão vazios, o que provoca barulho, pó, vibrações. Em alguns casos, partem portas e janelas de outros apartamentos, esburacam o chão e causam danos estruturais ao edifício, o que leva as pessoas a não se sentirem em segurança.
As fragilidades das pessoas são aproveitadas para as colocar em apuros. São muitas vezes feitas ameaças, que provocam sentimentos de medo e ansiedade nas pessoas. Há proprietários que impedem o acesso à caixa postal, que adulteram as portas dos prédios e deixam os apartamentos vazios abandonados, tornando a vida dos idosos, e de outros, inseguras. Em alguns casos, surgiram verdadeiros ataques, com o incêndio de edifícios que puseram em risco a vida dos inquilinos.
JM: A presença e a estratégia do coletivo tem colhido frutos? Que vitórias foram alcançadas? Existem colaborações com outros coletivos, associações ou comissões de moradores?
SD: Do nosso ponto de vista, pensamos que nestes dois anos conseguimos construir, em primeiro lugar, uma comunidade de luta, um coletivo de companheiros que conspiram (no sentido de respirar juntxs) e que praticam solidariedade. Pensamos que estamos a iniciar um discurso alternativo de oposição à direcção em que a cidade foi iniciada e a coordenar suficientemente bem (embora seja essencial melhorar) com outras experiências de resistência do território.
Desde o início que a Habita e o Gaia fazem parte do coletivo STOP DESPEJOS. Os principais casos são trazidos à assembleia por aqueles que participam da Habita e se coordenam para alcançar resultados comuns. As vitórias são diversas: ter impedido novas demolições ou o realojamento das famílias do Bairro 6 de Maio na Amadora, a resistência contínua dos moradores do prédio Santos Lima ou das famílias da rua dos Lagares, casos pontuais de famílias dentro do arrendamento privado, em que conseguimos que as pessoas tivessem alternativas adequadas de habitação. Do lado das lutas para defesa do espaço público, participámos no processo de resistência que levou à paragem da «requalificação» da praça Martim Moniz, da manifestação Rock in Riot e de muitos outros momentos, como a grande manifestação Pelas nossas casas pelas nossas vidas, lutamos!
Pode ser considerada uma vitória todo o percurso que nos trouxe a organizar o festival Habitação ao lado de muitos artistas, coletivos e associações, durante o passado mês de setembro: uma maneira para juntar e libertar corpos, ideias e energias, com o objetivo de começar a construir desde baixo a cidade livre, igual e verdadeiramente democrática que queremos desde já para o nosso futuro.
Entrevista por Guilherme Luz e Catarina Leal
Foto por Itmost/Flickr
Artigo publicado no JornalMapa, edição #25, Novembro 2019|Janeiro 2020.
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