
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: A agrofloresta cresce e a Caravana passa
«A agroecologia traz uma esperança de corrigir os erros do passado e não só preservar aquilo que ainda há, mas regenerar os sistemas, os solos, a diversidade que foi sendo perdida através de técnicas erradas e dum pensamento a curto prazo», diz Fernando Sousa. O biólogo está de regresso ao FiBL, instituto de pesquisa em agricultura biológica na Suíça onde é investigador em clima e fertilidade do solo. Mas o projeto com que acaba de palmilhar a África Ocidental permanece bem vivo.
Desde a receção a 19 de setembro em Bamako, Mali, pelo leão do reggae Tiken Jah Fakoly, uma visita a agricultores a trabalhar com compostagem e árvores fixadores de azoto com a associação NewTree no norte de Ouagadougou, Burkina Faso, uma aula aberta com mil raparigas da escola secundária de Bolgatanga no Gana, ou a entrevista a uma investigadora em genética e ecologia no Benim… Durante quase dois meses, a Food Systems Caravan fez pontes entre ciência e prática, entre agricultores, cientistas, ONG e estudantes, para «promover a troca de conhecimentos, conectar pessoas, convidá-las a trabalhar em conjunto para os mesmos fins.» «É necessário criar redes, dar visibilidade a projetos, iniciativas e pessoas. Há muita coisa para fazer, e há muita coisa já a ser feita», assevera Fernando, «projetos que trabalham com uma visão ecológica da agricultura, com uma dedicação incrível, e nos dão muita esperança».
Godfrey Nzamujo é o fundador do Centro Songhai no Benim, uma referência de investigação, ensino e prática agroecológica na África Ocidental
Um exemplo singelo é o projeto agrícola de Ousmane, com quem Fernando se achou a conversar em português. Descoberto um dia por um caça talentos, passou nove anos por cá a defender a baliza de modestos clubes de futebol como o Pedras Salgadas ou o Vila Real. Depois de uma lesão o fazer pendurar as chuteiras, voltou ao Mali e reencontrou os pais, agricultores. Comprou duas quintas próximas de Bamako, onde copiava a agricultura convencional que o pai fazia. Descobriu a agricultura biológica pelo YouTube e fez uma formação no Centro Songhai, no Benim – outro projeto de referência visitado pela caravana. Hoje a sua quinta é como uma mini aldeia, onde trabalham vinte pessoas e se produz ovos e vegetais de forma biológica, vendidos nos mercados locais.
Ousmane será um dos muitos intervenientes no documentário sobre a sustentabilidade dos sistemas alimentares na África Ocidental, fruto da Food Systems Caravan que estará pronto para colher em maio.
O todo e as partes
«Será possível fazer algo não para agradar aos financiadores, mas que saia do coração, que me apeteça mesmo fazer com paixão?» Foi a pergunta que germinou em Fernando perante um apelo a projetos. E logo uma resposta: «Andar de um lado para o outro a espalhar ideias que podem mudar o mundo para melhor – e pôr em contacto as pessoas que podem agir sobre elas, e espalhar mensagens vindas da ciência que podem ajudar o processo de transformação dos sistemas alimentares para sistemas mais sustentáveis.»
A caravana foi uma oportunidade para regressar a recantos do ocidente africano que guarda no coração. Depois de ter estudado o impacto das monoculturas de caju para a (in)segurança alimentar das famílias na Guiné-Bissau, integrou projetos do FiBL para o desenvolvimento da fertilidade dos solos no Burkina Faso e no Mali. Ao longo de três anos, foi percorrendo os países de mota, trabalhando com agricultores, testando métodos de compostagem e repelentes biológicos com plantas locais para substituir pesticidas.
«A simplicidade da forma de estar e de viver o tempo» marcou-o para sempre. Com o carinho pela região, veio a repulsa pela degradação ecológica. «Falava com pessoas de 90 anos e todos diziam o mesmo: antes havia muitos mais animais, mais árvores, mais floresta. Falavam-me da rapidez com que as coisas estão a mudar», conta o investigador, natural de Sintra. «Em mais lugar nenhum a população está a crescer tão rápido e há uma degradação dos solos tão severa e generalizada como em África. Com as alterações climáticas, o avanço do deserto, tens uma combinação que é uma tempestade perfeita».
Ação de sensibilização sobre comidas tradicionais com estudantes no Gana
Trabalhar no continente berço traz desafios éticos. O trabalho passa por «desconstruir a ideia do europeu como aquele que sabe mais». Passa também por conhecer a história e reconhecer que foram pessoas de pele branca que deixaram o legado de um continente artificialmente dividido, empobrecido, com dinâmicas de exploração existentes até hoje.
Para o jovem biólogo, «a dinâmica do comércio internacional, do neoliberalismo e da agricultura moderna tem deixado as pessoas muito vulneráveis.» Produtos importados, agronegócio, sementes transgénicas, fertilizantes e pesticidas químicos propagam-se, inferiorizando e ameaçando os sistemas, valores e saberes locais tradicionais. «Há imposições do FMI e do Banco Mundial que fazem com que os agricultores africanos vão à falência. Há uma dinâmica imposta por fundações como Bill & Melinda Gates ou Rockefeller, através da AGRA, a Aliança para uma Revolução Verde em África, com conivência dos governos locais.»
«A agroecologia traz uma forma completamente nova de olhar para a agricultura. Valoriza os saberes e sistemas agrícolas locais, revitalizando-os, trazendo também olhares, dados e descobertas de fora. Junta o melhor de dois mundos», conclui Fernando.
Entretanto, falar de regeneração ecológica é tão urgente e importante na África Ocidental como em Portugal, onde também há um declínio severo da qualidade dos solos – e onde uma outra Caravana Agroecológica está neste momento a ser organizada, para conectar iniciativas e dar a conhecer a importância da agroecologia em Portugal (facebook.com/caravanaagroecologicapt). «Agroecologia é observar os sistemas agrícolas com um olhar ecológico. Olhar para a interconexão entre todos os elementos dum sistema. Quanto mais num ciclo fechado funcionarem, mais próximos da sustentabilidade estamos. É o oposto daquilo que se faz hoje em dia, em que exportas as tuas culturas e importas os teus nutrientes. É o pensamento a longo prazo. E saber que o todo é mais do que a soma das partes – e que é a saúde deste todo que nos dá a saúde também.»
Mais info: foodsystemscaravan.org
Artigo publicado no JornalMapa, edição #26, Fevereiro|Abril 2020.
A story about
África, Agricultura, Agroecologia, caravana, Food Systems Caravan, numero#26, sustentabilidade
0 People Replies to “A agrofloresta cresce e a Caravana passa”