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Lendo: Atenção à direita

Atenção à direita

Atenção à direita


«É uma vergonha!»

No número anterior do MAPA propusemo-nos a dois objectivos ao escrevinhar as linhas que compõem esta coluna: ir registando trimestralmente a actividade das diferentes expressões da extrema-direita portuguesa («lusitana», que é como eles escrevem), da mais ideologizada à mais folclórica (Olá, André Vergonha!); e, sobretudo, ir dando conta dos movimentos das franjas mais radicais, cuja acção é por definição mais subterrânea e está, por isso mesmo, mais longe da atenção mediática ou de análise académica.

Este trimestre foi marcado, como era de prever dado o poleiro-mor que André Ventura tinha conquistado nas Legislativas de 6 de Outubro de 2019, pelos diferentes casos que foram cercando – mas inevitavelmente dando popularidade e notoriedade – aquela agremiação ainda quase unipessoal. As sucessivas intervenções do presidente da Direcção Nacional (que só por acaso é um órgão que também existe na PSP) nos Passos Perdidos foram marcadas pelo uso e abuso do termo «vergonha» e seus derivados, até conseguir fazer o sereno presidente da casa, o dr. Eduardo Ferro Rodrigues, perder a paciência. Adiante, que isto é folclore e gente que quer dar nas vistas exibindo as suas vergonhas.

A coisa pia mais fino dentro da seita, também devido a maior escrutínio mediático – que é o que acontece quando se passa a ter um pouco mais de notoriedade. Foi, assim, com vergonha alheia que se descobriu que o programa eleitoral do Chega, que era evidentemente público mas que ninguém tinha lido com olhos de ler, tinha aspectos tão absurdos que o próprio André Vergonha se sentiu envergonhado e há-de ter pagado a um estagiário para escrever outro. Foi então que o guru da seita anunciou que iria proceder a uma «clarificação em sentido inverso». Não faltaram os chistes e piadolas nas redes sociais, lançados por invertidos de má-língua.

Entretanto, soube-se que o porta-voz da seita, um famoso professor universitário com estórias mal contadas em universidades privadas manhosas que ficou famoso por tentar impedir que um certo livro de José Saramago fosse enviado para um concurso europeu, auferia uma simpática subvenção vitalícia. O «vergonhas» também não sabia de nada, mas o previdente Sousa Lara preferiu manter a subvenção e abandonar o partido que é contra as subvenções, desde que não sejam as deles. (O autor destas linhas sente que o texto roça um tom populista rasca, mas não o consegue evitar.)

E a meio de Janeiro de 2020 descobre-se, por via de uma reportagem da Sábado, aquilo que era evidente: elementos neonazis com e sem processos judiciais e condenações por factos estranhos estão a ocupar cargos dirigentes nas incipientes estruturas locais do Chega. Mais uma vez, André Vergonha não sabia de nada, mas falou alto e falou assim: «Não vou tolerar qualquer presença em órgãos dirigentes de militantes que estejam ou tenham estado ligados quer a actos violentos, ou subversivos, quer ligados a movimentos extremistas, violentos ou racistas». Este tom de «não vou tolerar» mostra também que aquilo é o partido dele e que quem manda é ele. É chato é que há fotos de Ventura a jantar ao lado de antigos dirigente da Nova Ordem Social e do Partido Nacional Renovador e que Mário Machado – quando o número anterior do MAPA já estava a ir para a gráfica – mandou fechar a NOS e apelou a que os seus apaniguados se acercassem do Chega. Passando por entre os pingos da chuva, o bom do André foi tentando cavalgar cada situação que surgia, desde a marcha dos polícias do Movimento Zero em Novembro (com direito a subida ao palanque e microfone) até cada caso de agressão a médicos ou professores.

O facto é que o Chega colonizou também esta coluna e acabámos por não conseguir falar da extrema-direita dura, que deve olhar com vergonha para tudo isto e achar que aquela não é a via para a solução final. Registe-se apenas que o portal Viriato conseguiu ser falado nos media tradicionais quando o seu dono – que até parece já ter cartão de jornalista – tentou de forma provocatória interpelar Mamadou Ba na marcha em memória de Luís Giovani, o jovem cabo-verdiano assassinado à paulada em Bragança. E o facto também é que tínhamos prometido falar sobre uma revista, uma editora e uma agência de notícias que alimentam ideologicamente aquele gente.

Como bons politiqueiros, prometemos e não cumprimos. É uma vergonha, é o que é…

 


Texto de Vladimir


Artigo publicado no JornalMapa, edição #26, Fevereiro|Abril 2020.


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