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Lendo: Crise Climática – Transição Energética?

Crise Climática - Transição Energética?

Crise Climática – Transição Energética?


Na cimeira do clima das Nações Unidas realizada no Dubai, em Dezembro passado, os 133 países reunidos fixaram objectivos: triplicar a capacidade de renováveis, duplicar a eficácia energética. Discutiram ainda a «transição justa» e afirmaram a urgência em pôr em prática a «transição energética». Prontamente, o crescimento será sustentável ou mesmo verde. As energias fósseis tão sujas vão dar lugar às energias renováveis tão limpas.

Infelizmente não é caso para ficarmos satisfeitos. Uma vez que este tipo de ecologia está muito longe de ser fundamental, vital e indispensável para antecipar os choques sistemáticos que aí vêm e ultrapassar o enorme desafio do nosso tempo. É uma ecologia superficial, banal, que chegou ao Poder, impedindo toda a reflexão sobre as causas do desastre e, assim, de toda a possibilidade de saída.

Os seus defensores são obstinados climáticos, estão encadeados pelo aquecimento e anestesiados pelo «conforto» artificial em que sobrevivemos. Ingenuamente, muitos pensam mudar o actual sistema dominante prometendo falsas soluções e negligenciando os perigos inegáveis, os riscos permanentes claramente ligados à desconjuntura da nossa civilização tecno-industrial.

No decorrer da nossa história da energia, directamente ligada à história da concentração do Poder, constatamos que as energias fósseis não foram substituídas mas, isso sim, adicionadas umas às outras. Tal como a energia nuclear foi adicionada. Mas é de realçar que reduzir toda a questão do mal e das dores do mundo à exclusividade da energia é, pese a sua importância, limitativo. As pessoas, particularmente os eco-betinhos, podem ser seduzidos por estas propostas que aparentam ir na direcção certa, sem todavia colocarem em questão o seu modo de vida. Incentivados pela propaganda agressiva dos meios de formação de massas às «boas práticas ambientais», aos eco-gestos, fechar bem as torneiras, desligar fichas eléctricas, etc. e tal, convertem-se em micro-gestores do ambiente por via da transferência da responsabilidade e da culpabilidade do desastre para os indivíduos. Toda a acção um pouco mais audaciosa e radical (por exemplo renegarem a «carreira» em empresas responsáveis por actos claramente nocivos e produtores de estragos: química industrial, energia fóssil, extractivismo, destruição de eco-sistemas, armamento, produção de gadgets, …) parece-lhes irrealista e mesmo bastante arriscado. Preferem trabalhar nessas áreas para acumular dinheiro e atingir a reforma, estado que consideram o momento da «libertação» e de uma «nova vida».

A emergência não é climática: é ecológica, entre o ser humano e a tecno-indústria, e é sistémica

Não, o clima não é o combate certo. Longe de ser a causa principal da grave alteração do nosso planeta, é o sintoma do trabalho de destruição massiva do vivente. De facto, o produtivismo capitalista implica a destruição sistemática das formas de vida e da relação com a natureza, as quais não são úteis ao seu funcionamento, não dão lucros e entravam a sua expansão. Nenhum lugar do mundo está protegido do sistema tecno-industrial e mercantil. A nossa situação actual não necessita, pois, do clima para ser catastrófica. Não, a emergência não é climática: é ecológica, entre o ser humano e a tecno-indústria, e é sistémica.

As condições de habitabilidade do planeta estão ameaçadas e a vida sobre a Terra em perigo. Há já 50 anos que a nossa pegada ecológica ultrapassou todos os limites de sustentabilidade da nossa Gaia e, em lugar de abrandar para amortecer o choque previsível, aceleramos para uma situação caótica irrevogável. A nossa civilização não precisa, de todo, do clima para viver uma ruína dramática. Não, a «transição energética», ou «transição justa» (toda a transição requer uma «novilíngua»), não é solução. Na realidade, ela nunca existiu, uma vez que as energias nunca se substituíram umas às outras, as energias adicionam-se.

A transição requer tempo. Ora tempo é o que nos falta. A tomada de consciência dos mecanismos de exploração e de opressão, de pilhagem e de destruição essenciais para manter a nossa definição de conforto, abre a possibilidade de iniciar a recusa, a desobediência, a sabotagem, a deserção, a insurgência. Necessitamos hoje de uma revolução audaciosa e não de uma piedosa transição puramente energética.

É também impossível 100% de energias renováveis em 2035/2040. Impossível e insustentável. Impossível, uma vez que é necessário petróleo, gás para produzir viaturas eléctricas, eólicas, painéis solares e poluir as águas e os solos para extrair os minerais indispensáveis à sua produção. E o petróleo vai acabar em breve (segundo a Agência Internacional de Energia, o pico do petróleo – convencional e não convencional – será atingido em 2050. O pico é o momento onde o débito de extracção atinge o cimo antes de descer inexoravelmente). Não é sustentável, uma vez que não existe nenhuma energia limpa.

Enfim, o crescimento dito verde é uma fantochada. Todo o crescimento é por essência extractivista, produtivista, consumista, dissipador e, logo, profundamente destruidor dos eco-sistemas.

 


Ilustração [em destaque] de  Ana Farias


Artigo publicado no JornalMapa, edição #41, Abril|Junho 2024.


Written by

Gastão Lis

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