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Lendo: Demorou, mas o olival intensivo foi arrancado

Demorou, mas o olival intensivo foi arrancado

Demorou, mas o olival intensivo foi arrancado


O ano era de 2018, dois anos após a conclusão da obra de infra-estruturação dos 120 mil hectares de área de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) e um ano após a decisão de, afinal, juntar mais 50 mil e umas centenas de milhões de euros de investimento público aos mais de 2 mil milhões de euros já despendidos.

O olival intensivo já era «a» cultura do Alqueva – quase 60% do total da área irrigada. Mas a mancha de monocultura vertia cada vez mais para fora do perímetro de rega, com quase um quarto do olival a ser regado fora dos blocos inicialmente previstos, de forma não autorizada. Sem avaliação de impacte ambiental, as conversões para monoculturas de regadio ultrapassavam já os 20 mil hectares (agora 30 mil), atropelando planos de ordenamento sob o silêncio cúmplice da entidade gestora (EDIA, Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva).

Em junho desse ano, o olival veio desaguar à porta da casa da Catarina, nos limites do perímetro urbano de Nossa Senhora das Neves, uma aldeia do concelho de Beja.

Antes ainda da instalação da monocultura, a Catarina notificou o Presidente da Junta de Freguesia e fez uma exposição aos serviços técnicos da Câmara Municipal (CM) de Beja, alertando que poderiam haver intenções de se fazer ali uma plantação. O parecer técnico dos serviços veio a propor o embargo imediato dos trabalhos que se iniciavam para a instalação do olival, por violação ao Plano Diretor Municipal (PDM). Este plano territorial de 2ª geração, em vigor desde 2014, estabelece, lucidamente, faixas de proteção sanitária e paisagística na periferia das localidades, que condicionam a intensificação do uso do solo à aprovação de um projeto prévio com avaliação das implicações na saúde pública. O parecer propondo o embargo seguiu para o executivo, e… ficou na gaveta. À insistência da Catarina, a CM de Beja alega não poder fazer nada – apesar de, na alínea b) do ponto 1 do artigo 3.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, estar bem explícito que «pode ser determinado o embargo de trabalhos ou a demolição de obras» pelo «presidente da câmara municipal, quando violem plano intermunicipal ou plano municipal».

Em agosto, a Unidade de Saúde Pública (USP) de Beja apela à CM que «diligencie junto do promotor daquela cultura intensiva, através dos meios técnicos e legais necessários, a fim de avaliar e atuar sobre a respetiva instalação, nomeadamente a implementação das medidas» apontadas no parecer técnico. A USP pede também uma reunião com a CM, que só acontecerá 10 meses depois.

No dia 27 de outubro de 2018 o olival é plantado a cerca de 10 metros da casa de Catarina – começa a saga! Em março de 2019 dão-se as primeiras aplicações de pesticidas, situação que se repete periodicamente. A cada ocorrência Catarina contacta a Câmara e o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA). A CM de Beja faz contactos com entidades e desenvolve algumas reuniões, sempre inconsequentes.

Catarina funda, em conjunto com outros cidadãos e com a ZERO (organização não governamental de ambiente), o Movimento Alentejo VIVO – um movimento de cidadãos em defesa do território, com um manifesto assinado por mais de 400 residentes. Pede também assistência à Provedoria de Justiça, que inicia contactos com a CM de Beja a fim de mediar uma solução.

Só em julho de 2020 é que a Câmara reúne oficialmente com o promotor do olival, conseguindo um acordo de reversão do olival intensivo para extensivo. Fica acordada a remoção do olival numa faixa de 100 metros em redor da habitação e a 25 metros do caminho público que delimita a aldeia até o final de fevereiro de 2021. O promotor concorda ainda em avisar com antecedência quaisquer aplicações de pesticidas na área. Será desta? Resolvido? Não.

Em março de 2021 o olival ainda lá está e voltam a ser aplicados pesticidas sem o conhecimento prévio da Catarina. O ano passa e só em 2022 a CM de Beja estabelece um novo acordo com o promotor, desta vez de conversão do olival intensivo em alfarrobeiral extensivo, mas só em março de 2023 o olival começa realmente a ser arrancado. Uma a uma, duas a duas, a «fábrica de azeite» começa a ser desmantelada, quase cinco anos depois.

Catarina e a sua família chegaram a ponderar sair da sua habitação. Foram forçados a fazer valer o direito, constitucionalmente estabelecido, a um ambiente sadio na sua própria casa, a lutar por um ambiente sadio. A coragem, a persistência e o apoio de outros fez a diferença.

 


Texto de  Movimento Alentejo Vivo [movimentoalentejovivo@gmail.com]
Fotografia [em destaque] de  André Paxiuta, “Quintos, Beja”, do ensaio fotográfico Oil Dorado


Artigo publicado no JornalMapa, edição #38, Junho|Setembro 2023.


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