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Lendo: Corrida para Marte?

Corrida para Marte?

Corrida para Marte?


O clima terrestre está a mudar e, a cada minuto que passa, estamos mais próximos do ponto de não retorno. Isto significa que o conceito de «planeta habitável» está a ser alterado. Cada vez mais assistimos a desastres a nível global que já não alcançam apenas os países ditos «subdesenvolvidos», mas também os que se dizem «desenvolvidos». É perante todo este cenário que surge uma forte aposta num planeta B, Marte. Desde o fim do século XX, várias agências espaciais uniram-se em busca de vida no planeta vermelho. Haverá ou houve vida em Marte? Como aquecer esse planeta e torná-lo habitável? Estas são perguntas que se colocam e sobre as quais poderemos refletir, mas outras serão adicionadas ao longo deste ensaio.

Marte, tal como a Terra, é um planeta telúrico, sendo o quarto planeta do sistema solar (contando a partir do Sol). A crosta de Marte é constituída essencialmente por ferro, sendo que a reação deste átomo com o oxigénio, aquando da formação do planeta, deu origem a óxido de ferro, que conferiu a cor visível (cor vermelha). A maior parte da sua superfície é formada por rochas e poeiras 1. É de notar que o planeta retratado tem cerca de metade do diâmetro da Terra, 6778 km, o que corresponde mais ou menos ao comprimento do continente Africano, daí talvez, a nossa obsessão pela sua colonização 2.

Os maiores obstáculos verificados por cientistas para o encontro de vida em Marte e a sua exploração foram: a temperatura, que é extremamente fria, e a presença de um campo magnético fraco, que não protege a vida dos intensos raios UV. Atualmente as temperaturas de Marte variam bastante (desde -143ºC a 27ºC), sendo a sua temperatura média cerca de -55ºC. Contudo, pensa-se que, há cerca de 3,5 mil milhões de anos, Marte deveria ser bem mais quente e ter um comportamento geológico bem mais ativo (contando com a presença de vulcões), daí supor-se que já tenha apresentado água no estado líquido e, possivelmente, vida 3.

E porque será que a existência de água no estado líquido revela quase automaticamente a existência de vida? A água é um poderoso solvente, dissolvendo todas as moléculas hidrofílicas, isto é, as substâncias polares, ou com carga, e repelindo todas as moléculas apolares (hidrofóbicas). Além disso, as moléculas de água têm importantes propriedades, como a coesão e a adesão, possibilitando uma forte interação entre moléculas de água e entre água e outras moléculas. Estas propriedades permitem uma forte e rápida reorganização molecular, aquando da presença de H2O no meio 4.

Desde 1960 até aos dias de hoje, a humanidade terá, entre ensaios fracassados (29) e bem sucedidos (27), realizado cerca de 56 missões espaciais a Marte 5, sendo a antiga União Soviética a pioneira nesta atividade com a tentativa de lançamento da sonda espacial Marte 1960 A, seguindo-se os Estados Unidos da América (em 1964), Rússia (1966), o Japão (em 1998), Inglaterra (em 2003), China (em 2011), India (em 2013). Sendo que, em 2021, se geraram 3 missões espaciais a Marte: Hope (pelos Emirados Árabes Unidos), Tianwen-1 (pela China) e a maior e mais complicada Perseverance (pelos Estados Unidos da América), que pousou em Marte a 18 de Fevereiro desse mesmo ano 6. A missão Rover Mars 2020 Perseverance abre um grande e perigoso caminho na exploração humana de Marte, sendo das missões que mais entrará em choque com questões éticas, sociais, ambientais… e cujo rumo é bastante importante de definir, redefinir e questionar. A Perseverance tem um forte apoio da astrobiologia, sendo que o principal objetivo deste lançamento é ir ao encontro de sinais de vida em Marte, mais precisamente na cratera de Jezero (onde terá havido um lago há cerca de 3,5 mil milhões de anos e, portanto, possivelmente vida). Aqui, amostras de rochas e rególitos vão ser extraídas, para que possam ser analisadas em Terra 7 8 9. As observações de paisagens geológicas e a análise de sedimentos permitem aferir alguns dados sobre o clima passado de um determinado local. No caso, a cratera de Jezero é formada por minerais argilosos, nomeadamente argilas de esmectite. A forma como se depositaram (em forma de leque) e a sua composição e textura levam a crer que estes minerais se terão formado devido à presença de um curso de água  10.

Note-se igualmente que esta investigação tem revelado alguns dados que entusiasmam todos os investigadores e cidadãos que pensam habitar Marte. É exemplo disso o facto de que um instrumento do robô Perseverance, designado MOXIE, com auxílio de altas temperaturas, conseguiu quebrar as ligações do dióxido de carbono (CO2), gás mais abundante da inóspita atmosfera marciana, transformando-o em oxigénio (O), mas também em monóxido de carbono (CO), que foi libertado para a atmosfera.

O próximo objetivo será combinar o oxigénio com hidrogénio, para formar água 11. Um dos grandes obstáculos à investigação científica no ramo espacial é a ideia de que poderá haver, ainda que tendo todo o tipo de cuidados, contaminação do planeta por seres microbianos da terra. Isto é, as máquinas e robôs que se leva para Marte podem estar contaminados. Assim, as conclusões retiradas da análise das amostras provenientes do espaço devem ser muito bem refletidas e analisadas, de modo a evitar equívocos. Todas as máquinas levadas até a Marte têm de ser profundamente esterilizadas, limitando assim a quantidade de bactérias, vírus, fungos ou esporos nos equipamentos. Contudo, é quase impossível chegar a 0% de contaminação, uma vez que o ambiente terrestre está repleto de biomassa. Por outro lado, existem seres vivos extremamente resistentes, pelo que nem a radiação a que são sujeitos durante a viagem da Terra para Marte poderá provocar a sua morte. É importante conhecer todo o tipo de microrganismos existentes no planeta Terra para, assim, se poder interpretar de forma mais verdadeira possível os dados que temos em mãos 12. Por outro lado, é também importante evitar a contaminação retroativa, isto é, limitar o risco de transmissão de substâncias provenientes de Marte para a Terra.

Posto isto, tendo resumido rapidamente alguns dos factos sobre as missões espaciais a Marte, importa questionarmo-nos sobre todos estes processos e tudo o que a aposta neste planeta e as suas consequências podem provocar num planeta que, por enquanto, é realmente habitável, a Terra.

É importante notar que todo o tipo de exploração espacial que está a ser realizada espalha lixo em órbita, e não é pouco. Atualmente há milhares de foguetões, satélites, fragmentos de metal, ferramentas, luvas… no espaço. Traduzido em números, são 8000 toneladas de lixo espacial em órbita, isto é, cerca de 29000 objetos de relativamente grandes dimensões e cerca de 1 milhão de pequenos materiais 13. Este fenómeno pode trazer grandes perigos, nomeadamente para os astronautas que viajam para o espaço, mas também para os seres vivos que vivem no planeta Terra. E, para além do lixo libertado no espaço e em Terra, há também o problema de gasto de recursos que são esgotáveis no planeta em que vivemos 14. Não se trata de repudiar a investigação espacial, trata-se antes de pensar que esta deve ser analisada de forma crítica, tendo sempre presente o sentido ético nas questões abordadas e analisando sempre as consequências, com base num mundo real e não fictício.

É ético recrutar astronautas para uma viagem unidirecional? A quem pertence Marte? É ético explorar Marte assim como fizemos com todo o planeta Terra? É lógico apostar tudo num planeta ainda não habitável, implicando uma forte exploração dos recursos do planeta em que habitamos? Faz sentido estarmos preocupados com a possibilidade de habitar Marte, enquanto destruímos o planeta em que vivemos? Explorar a fundo Marte não tem implicações no planeta em que realmente nos encontramos? E tem implicações para quem? Será a colonização de Marte o segredo para a sobrevivência da humanidade? O mundo natural tem valor intrínseco? Queremos nós repetir os erros provocados num passado colonial? Serão o progresso tecnológico e um desenvolvimento desmedido equivalentes a um progresso moral? Será a visão de Elon Musk, de querer ter, até 2050, meio milhão de pessoas em Marte, como resposta à catástrofe no planeta terrestre, algo racional?

O questionamento não deve parar e talvez a melhor forma de responder a estas questões seja formular outras.

 


Texto de Gabriela Xavier Quintais [gabrielaxquintais@gmail.com]
Fotografia [em destaque] de Ralf Lotys. Legenda: “There is no planet B”, manifestação Fridays For Future.


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Jornal Mapa

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