
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: No Chile, o futebol não é o ópio do povo
Desde o dia 18 de Outubro que o Chile é sacudido por uma inédita explosão social. As autoridades apostaram no futebol para acalmar os manifestantes, mas os jogadores e os clubes prolongaram as reivindicações populares. E os adeptos estiveram na linha da frente das manifestações.
«Eles venderam ao sector privado a nossa água, a nossa luz, o nosso gás, a nossa educação, a nossa saúde, as nossas reformas, os nossos caminhos, as nossas florestas, o salar de Atacama 1, os glaciares, os meios de transporte. O que mais haveria? O Chile pertence ao seu povo, não a um punhado de indivíduos», escreveu Claudio Bravo a 19 de Outubro nas redes sociais. No dia seguinte às primeiras manifestações de massas contra o presidente Sebastián Piñera 2, o guarda-redes do Manchester City e antigo capitão da selecção chilena de futebol fez-se porta-voz dos manifestantes apontando o dedo a três décadas de neoliberalismo selvagem.
Conhecido pelas suas tomadas de posição de carácter social, o actual capitão da equipa nacional chilena, Gary Medel, publica no mesmo dia a seguinte reivindicação: «Ouçam o povo e parem de brincar com ele». Um panfleto que lista as reivindicações dos manifestantes (pela melhoria dos sistemas de reforma, de saúde, de educação, etc.) é apresentado junto à mensagem.
Os jogadores do campeonato chileno também exprimiram a sua solidariedade com o movimento. Jean Beausejour, médio do clube Universidad de Chile, criticou da seguinte forma a instauração do estado de emergência 3 aos microfones da Rádio ADN: «Eu associo o Exército ao período mais sombrio da história do Chile; vê-los na rua mete-me medo, como a muita gente». Já Marcelo Barticciotto, antigo lendário jogador argentino da equipa Colo-Colo, que mais tarde se naturalizou chileno, declarou a 1 de Novembro: «Muita gente me diz que não é nada comigo. Como se o que se passasse no Chile se limitasse a ser uma questão do país. Estamos a falar de pessoas que precisam de dignidade, mas também falamos de injustiça, de desigualdade e de luta para terem mais direitos do que deveres».
Das assembleias ao estádio
Desde o início da contestação, inúmeras assembleias participativas, designadas cabildos, cobrem o país. Promovidas nos bairros, elas permitem aos chilenos apresentar as suas queixas – uma espécie de prelúdio à futura assembleia constituinte a que muitos dos contestatários apelam. O clube mais popular do país (cujo nome faz referência a uma figura da resistência autóctone mapuche contra a colonização espanhola), o Colo-Colo, instaurou no seu estádio os seus próprios cabildos. A 31 de Outubro passado, a primeira assembleia juntou 1500 pessoas para falarem de saúde, reformas e educação.
Tal como os adeptos do Colo-Colo, os apoiantes das outras duas grandes equipas de Santiago (Universidad de Chile e Universidad Católica) apelaram a que as pessoas saíssem à rua e puseram a sua rivalidade desportiva de lado para se oporem ao governo. «Não trabalhes ou, se trabalhas, fá-lo mal (…). Ergue uma barricada e defende-a. Rouba os ricos e organiza-te com os pobres», podia ler-se num comunicado de um grupo de adeptos do Colo-Colo, a Garra Blanca Antifascista 4.
Adeptos – 1
Federação – 0
Esta mobilização do mundo do futebol teve impacto nas competições oficiais. A 19 de Novembro, os jogadores da selecção chilena recusaram-se a disputar um jogo amigável com a equipa do Peru. O capitão da equipa, Gary Medel, afirmou: «Hoje, o Chile tem de jogar uma partida mais importante: a da igualdade».
O campeonato chileno ficou suspenso a partir do dia 19 de Outubro. Mas, um mês depois, as autoridades futebolísticas tentaram relançar as partidas. Os adeptos viram nisso uma grosseira tentativa de comprar a paz social e retomar o suculento negócio da bola. Tal como denunciou a Garra Blanca Antifascista: «Eles querem estourar-nos, embrutecer-nos, alienar-nos e que esqueçamos a luta».
O retomar do campeonato, a 22 de Novembro último, saldou-se por um humilhante fracasso. No encontro inaugural, entre a equipa Unión La Calera e a Deportes Iquique, as bancadas estavam vazias. Cumpriu-se um minuto de silêncio pelos manifestantes mortos e os jogadores da Unión La Calera, em homenagem aos mutilados pela polícia, posaram para a fotografia antes do jogo com a mão a tapar o olho esquerdo. Por fim, adeptos do Colo-Colo invadiram o estádio aos 67 minutos de jogo. Em solidariedade, futebolistas de outras equipas da primeira divisão recusaram-se a jogar nesse fim-de-semana.
Sentindo-se despeitada com toda esta afronta, a Federação Chilena de Futebol anunciou a 29 de Novembro a final antecipada da temporada de 2019 5. Uma amarga derrota para a indústria da bola e para o governo, mas uma vitória para os adeptos e para os jogadores que desde o início do movimento clamam: «Sem justiça não há futebol!».
Artigo publicado no número 183 do jornal CQFD
Texto de Mickael Correia
Traduzido por Jornal Mapa
Artigo publicado no JornalMapa, edição #26, Fevereiro|Abril 2020.
Notas:
A story about
Chile, clube, Colo-Colo, CQFD, futebol, Garra Blanca Antifascista, manifestações, manifestantes, Mickaël Correia, numero#26, reivindicações populares
0 People Replies to “No Chile, o futebol não é o ópio do povo”