Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Cantina Solidária do Regueirão dos Anjos: não é caridade, mas sim amizade e interajuda
O estado de emergência acentuou a importância dos espaços autónomos, como assinala o RDA em Lisboa, cuja Cantina Solidária serve diariamente refeições gratuitas.
O número 69 da rua do Regueirão dos Anjos tem sido, nos últimos 10 anos, local de encontros para quem procura desenhar alternativas, práticas de autonomia e de resistência na cidade de Lisboa. Esses encontros são feitos sobretudo à mesa, à volta de uma cantina que cresceu numa garagem e onde nos podemos cruzar com passagens de filmes, debates ou – indo até ao número 49 da mesma rua – com leituras na Biblioteca da Associação Recreativa dos Anjos (RDA) que gere de forma assembleária estes espaços.
Perante o estado de emergência e a situação social que se agrava, o RDA passou a disponibilizar refeições gratuitamente todos os dias (incluindo sábado e domingo) entre as 13 e as 15 horas. Uma Cantina Solidária que à data disponibiliza mais de uma centena de refeições, já não apenas aos associados e habituais frequentadores deste espaço autónomo, mas igualmente à população carenciada de Arroios e Anjos.
Ao jornal MAPA deixaram o testemunho do desafio que agora vivem de forma colectiva com o seu bairro.
Quando foram anunciadas e implementadas as primeiras medidas de combate à proliferação de casos em Portugal, o RDA viu-se obrigado a rever os seus moldes de funcionamento. Sabendo da importância da cantina social na vida dos nossos sócios começámos por oferecer um serviço de almoços e jantares em regime de take-away com a possibilidade de entrega ao domicílio assegurada por voluntários e dirigida a quem não pudesse sair de casa (por isolamento preventivo ou profilático).
No entanto, se por um lado os resultados não estavam a ser suficientemente animadores, por outro rapidamente compreendemos que uma crise maior se estava a instalar e que a nossa resposta carecia de uma adequação e transformação ainda mais profundas. A decisão de transitar para um serviço de refeições gratuitas e para uma Cantina Solidária acabaria por ser impulsionada pelo prolongamento do estado de emergência e pelo agravar da situação social e económica que tem atingido com maior evidência as pessoas cujas vidas precárias estão a ser prorrogadas e acentuadas por estes tempos de indefinição e de quarentena, sobretudo perante a suspensão ou encerramento temporário de grupos e serviços que tradicionalmente providenciavam comida gratuitamente.
Há um grupo de pessoas que vive agora na incerteza e na impotência, sem respostas governamentais às primeiras e mais elementares necessidades e que vêm as suas condições de vida inesperadamente alteradas devido à actual crise de saúde pública. É essencialmente devido à deficiência dos apoios a essas pessoas que a cantina social sentiu a necessidade de reformular a sua actividade transformando-se em Cantina Solidária. No entanto, a cantina é para toda a gente e assumimos que não nos cabe a nós definir uma hierarquia baseada nas necessidades de cada um. Daí termos mantido a opção de donativo livre: para que quem tenha condições possa contribuir ajudando, assim, a diminuir as muitas despesas associadas a este novo formato.
O anúncio público de que passaríamos a distribuir refeições gratuitas foi muito bem acolhido desde o primeiro momento. No entanto, sabíamos que essa reacção entusiasta, em particular nas redes sociais (com centenas de partilhas no facebook, por exemplo), não significava que a mensagem estivesse a chegar às pessoas que a Cantina Solidária pretendia alcançar e para quem as refeições gratuitas seriam mais fundamentais.
Assim, para além de contactos desenvolvidos com a Junta de Freguesia de Arroios procedemos à colagem de cartazes na zona envolvente ao RDA, sobretudo aquelas de maior indigência, com simultânea comunicação verbal e esclarecimentos às pessoas com quem nos íamos cruzando. Esta divulgação, à qual se tem somado o boca-a-boca, acabaria por se revelar muito eficaz e tem-se traduzido num aumento crescente da procura. Se nos primeiros dias não passámos da meia centena de refeições, rapidamente esse valor atingiu a centena e, neste momento, apenas 2 semanas depois, estamos muito próximos de servir 150 refeições diárias.
A Cantina Solidária do RDA está a servir refeições todos os dias. Todos os dias há uma equipa de quatro pessoas, três que cozinham mais uma que vem reforçar a equipa nas horas de serviço take-away (das 13h às 15h). Desde o início que este esquema tem sido actualizado quase todas as semanas, respondendo à procura e às necessidades que nos aparecem.
Tem sido complicado gerir um projecto tão transmutável, também pelos obstáculos que a distância social nos impõe. As formas que tínhamos para reunir, discutir e tomar decisões mudaram e ainda estamos a adaptar-nos a elas.
Felizmente não, para além dos muitos problemas inerentes à existência de um estado de emergência mas que são transversais a todos, não se somaram ainda quaisquer dissabores particulares devido a essa declaração. Os contactos dirigidos à Junta de Freguesia de Arroios, para além da perspectiva de apoio e divulgação, contemplaram também aspectos mais institucionais relacionados com a legitimação do funcionamento de uma Cantina Solidária capaz de dar respostas adequadas a esta fase de pandemia, do reconhecimento das administrações governamentais locais quanto ao seu valor e consequente protecção perante as actuais restrições. De certo modo, podemos considerar que o estado de emergência acabou por acentuar ainda mais a importância da manutenção da nossa actividade.
Vale a pena acrescentar que a Cantina Solidária tem cumprido com rigor os protocolos de higiene, segurança e protecção oficialmente definidos para a prevenção do contágio viral (utilização de máscaras, luvas, viseiras, desinfecção constante das superfícies e equipamentos, etc).
Desde a divulgação da Cantina Solidária que o RDA tem recebido donativos que têm ajudado a continuação desta actividade e do projecto. A finitude deste recurso é algo que nos preocupa e que nos pede uma reflexão e tomada de decisão sobre o futuro iminente.
É no entendimento de que a condição de desigualdade e injustiça é criada a partir de uma estrutura viciosa que define e pratica posições e relações de poder que assenta a ideia de solidariedade. Nesta situação actual, em que essa mesma estrutura está em colapso e que há uma nítida compartilha das dificuldades presentes e futuras, a cantina do RDA não podia deixar que fazer aquilo que, no fundo, sempre fez: disponibilizar refeições de qualidade a um valor que nos parece certo, obedecendo a pressupostos de interajuda, cooperação, justiça e igualdade – o actual valor gratuito pretende responder a este contexto específico, e aquilo que normalmente poderia ser visto como um gesto de caridade passar a ser um gesto de amizade. Como diria o Zé Mário Branco, “fazer de cada perda uma raiz e improvavelmente ser feliz”.
Como se pode apoiar?
Para apoiarem a Cantina Solidária do RDA são muito bem vindos todos e quaisquer donativos em dinheiro, bens alimentares ou outros consumíveis e materiais comummente utilizados nesta actividade (como guardanapos, recipientes de take-away, talheres descartáveis, máscaras, luvas, desinfectantes, etc.). A entrega de bens pode ser efectuada na nossa morada (Rua Regueirão dos Anjos n.º 69, Lisboa), sem necessidade de marcação prévia e todos os dias entre as 10h e as 15h. Para contribuições monetárias devem utilizar o NIB 0035 0100 0003 1497 5304 1. Para qualquer esclarecimento prévio poderão contactar-nos pelo e-mail rda@rda69.net, os sítios online facebook.com/rda6949 e rda69.net ou o n.º de telemóvel 965115933.
Este artigo faz parte da série #PandemiaSolidária.
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