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Lendo: Salvar o Jamor e a Serra de Carnaxide

Salvar o Jamor e a Serra de Carnaxide

Salvar o Jamor e a Serra de Carnaxide


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Contíguo à capital e com uma ampla frente ribeirinha, o concelho de Oeiras, já com uma densidade populacional estimada de 3 820 hab/km2 em 2018 e com localidades em que essa densidade é superior a 10 000 hab/km2, tem sido palco, desde há várias décadas, de intensa especulação imobiliária. Após um período em que esses interesses estiveram mais adormecidos com a crise económica, havia já, no fim de 2018, em Oeiras, cerca de 400 novos projetos imobiliários em marcha ou à espera de licenciamento. Vários megaempreendimentos são anunciados ou estão já em obra um pouco por todo o concelho, geralmente comercializados por imobiliárias estrangeiras a preços que nada têm que ver com as necessidades habitacionais da grande maioria da população.

Apoiados por uma estratégia camarária que vê neste tipo de empreendimentos a concretização de «um novo ciclo» de inovação e crescimento – o Oeiras Valley – estes investimentos ameaçam fortemente duas das maiores manchas verdes do concelho: o parque do Jamor e a Serra de Carnaxide, estruturas verdes cujo papel como espaços de lazer e de beneficiação dos ecossistemas têm largo impacto nas áreas urbanas circundantes. Estas duas estruturas verdes têm histórias e classificações territoriais distintas, bem como projetos invasivos em diferentes estádios de preparação, mas são ameaças com uma génese comum e uma atualidade evidente.

Construir um mundo mais sustentável? Comecemos pela Serra de Carnaxide

serra_de_carnaxideA Serra de Carnaxide, com 600 hectares, é uma das escassas manchas verdes da área metropolitana de Lisboa (AML) que pode contribuir para a melhoria da qualidade do ar e da saúde pública, promovendo a adaptação às alterações climáticas. Situa-se entre a Serra de Sintra e Monsanto, abrangendo maioritariamente o concelho de Oeiras, mas também território dos concelhos da Amadora e de Sintra. Localiza-se na bacia hidrográfica do rio Jamor, o qual desagua no rio Tejo, junto a uma linha de praias com elevada pressão de utilização, tanto por residentes como turistas.

Existem intenções de urbanização que ameaçam a Serra de Carnaxide, estando algumas em curso e outras em fase de plano ou projecto. A sua implementação iria destruir a Serra, causando impactos significativos a curto, médio e longo prazo, tanto para as populações como para o ambiente, o qual integra interessantes dimensões a nível de solos, água, flora e fauna, além de património arquitectónico classificado.

A preservação da Serra promoverá a sustentabilidade do meio hídrico (rios e águas subterrâneas) e dos ecossistemas que lhes estão associados. Note-se que a sua riqueza em águas subterrâneas se encontra evidenciada numa utilização passada, materializada no património arquitectónico classificado constituído pelo aqueduto de Carnaxide e pelo aqueduto das Francesas (ambos subsidiários do aqueduto das Águas Livres) e as suas clarabóias, estruturas circulares e mãe-de-água.

A Agenda 2030 constitui uma das mais relevantes directrizes actuais na tomada de decisões a nível internacional. Esta resolução da ONU intitula-se «Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável» e entrou em vigor a 1 de janeiro de 2016. Apresenta 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). De entre eles, destacam-se quatro objetivos e 15 medidas que têm uma pertinência directa e relevante para a fundamentação da urgência da protecção da Serra de Carnaxide como área verde natural com um valor intrínseco ligado ao solos, recursos hídricos e ecossistemas, e ainda no seu papel funcional como promotor de saúde e qualidade de vida das populações, mitigação e adaptação às alterações climáticas, incluindo o aumento da resiliência a ondas de calor e redução de riscos causados pelas flash floods.

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Será ainda de realçar que várias destas medidas deverão ser atingidas com carácter de urgência até 2020. Ou seja, o ano presente… A título de exemplo, citam-se três metas para 2020 que explicitamente defendem a preservação da Serra de Carnaxide:

Assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interior e os seus serviços, em especial florestas, zonas húmidas, montanhas e terras áridas, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais.

Promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a desflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente os esforços de florestação e reflorestação, a nível global.

Aumentar substancialmente o número de cidades e assentamentos humanos que adotaram e implementaram políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, resiliência a desastres; e desenvolver e implementar, de acordo com o Enquadramento para a Redução do Risco de Desastres de Sendai 2015-2030, a gestão holística do risco de desastres, a todos os níveis.

É possível e é premente encontrarem-se soluções inovadoras para uma gestão integrada e sustentável do património natural e arquitectónico da Serra de Carnaxide, reconhecendo e tirando partido do seu imenso valor ambiental e socio-económico, além de turístico e de lazer, para as populações e municípios que integram a AML.

Existindo vários instrumentos de ordenamento do território (p. ex.: o Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território e os Planos Directores Municipais), são demasiado evidentes e impactantes as disfunções na governança e tomada de decisão a diversos níveis. Serão potenciadores destas disfunções culturas organizativas mais fechadas, a falta de diálogo com outras instituições/organizações e, ainda, a menor facilidade para gerar visões e soluções integradoras, multidisciplinares e com recurso aos melhores conhecimentos técnicos e científicos.Por exemplo, a economia desenvolveu ferramentas metodológicas e abordagens, como a Economia do Ambiente e dos Recursos Naturais e a Economia Ecológica, que devem ser integradas em análises económicas de custo-benefício na tomada de decisão e na gestão e planeamento do território.

serra_de_carnaxideEspecificamente no que respeita aos Serviços de Ecossistemas, a Comissão Europeia divulgou, em 2010, a directriz: «A Humanidade necessita dos bens e serviços de ecossistemas». Peritos identificaram quatro tipos diferentes de serviços de ecossistemas, todos eles fundamentais para a saúde e para o bem-estar humano. E, note-se, em 2010, ainda não se estava perante a actual grave situação de emergência climática e ambiental.

A «Adaptação às Alterações Climáticas e a Mudança da Sociedade» foi um dos temas debatidos no encontro European Research and Innovation Days, que teve lugar em Bruxelas, em Setembro de 2019. Algumas das questões identificadas como críticas, a nível Europeu, foram a necessidade de educar os cidadãos em geral, de integrar os resultados da investigação na atividade dos stakeholders e, ainda, a falta de capacidade de cidades e regiões dialogarem e se alinharem em planos e projetos. Parece corresponder ao tema aqui abordado…

É preciso que esta consciência seja assimilada pela sociedade portuguesa e pelos decisores, e que despolete acções correctivas conformes – agora e já! Sendo relevante e um galardão de mérito que prestigia o país, não basta que o município com maior peso na AML, Lisboa, seja a Capital Verde Europeia em 2020. É necessário que os restantes, imbuídos do mesmo sentido de responsabilidade e compromisso, acompanhem, e assim se possa construir uma AML resiliente e sustentável, que ofereça qualidade de vida aos seus habitantes.

Um grupo de cidadãos defendendo a necessidade duma reflexão ativa, consciente e integrada que origine um projeto de preservação e usufruto da Serra de Carnaxide criou, com este intuito, uma Petição Pública no site da Assembleia da República. A motivação desta Petição, lançada no final de 2019 (https://participacao.parlamento.pt/initiatives/967), é acreditar que a cidadania responsável, protegendo o ambiente e exigindo justiça social, é um direito que a todos assiste. Este direito é também a oportunidade de co-criarmos o país em que queremos viver.

Acredita-se que ser partícipes na construção dum mundo melhor é a escolha de todos! E é indispensável que esta escolha seja materializada em acções.

 

O Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor

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O Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor (PP), aprovado pela Câmara Municipal de Oeiras (CMO) em 2014, enquadra-se num modelo de desenvolvimento urbanístico anacrónico assente no betão e no alcatrão, no imobiliário e no automóvel, que não tem em conta os impactos ambientais e, nomeadamente, as alterações climáticas. Quando o Estádio Nacional foi construído, Duarte Pacheco pensou prolongá-lo até ao rio Tejo e instalar nesses terrenos infraestruturas de apoio a desportos náuticos. O projeto não se concretizou porque os terrenos estavam ocupados pelas fábricas dos Fermentos Holandeses, desde 1931, e da Lusalite, desde 1934.

A Lusalite fechou definitivamente em 2000, e os Fermentos Holandeses em 1999. Os terrenos ocupados por essas fábricas foram vendidos à Silcoge (empresa do Grupo SIL). A partir de 2001, a proprietária dos terrenos, sempre em estreita articulação com a CMO, desenvolveu diligências no sentido de «valorizar» os terrenos, com um primeiro pedido de informação prévia em 2001. Em junho de 2004, a CMO aprovou novos «Termos de Referência».

Em abril de 2008, foi aprovada uma deliberação sobre o «Projeto Estratégico do Porto Cruz – Candidatura à Obtenção de um PIN+», uma iniciativa da CMO para ajudar os proprietários dos terrenos a candidatarem-se ao PIN+, um expediente da autoria de Miguel Pinho, então Ministro da Economia, que permitia aos ditos projetos violar a legislação em matéria de ambiente e ordenamento do território.

Em janeiro de 2010, foram aprovados novos «Termos de Referência» para a elaboração do PP, cuja execução foi contratada com a Silcoge. A sua elaboração foi muito atribulada, com várias entidades a darem parecer negativo ou nenhum parecer. No Verão de 2013, o PP foi posto a consulta pública, aproveitando o facto de parte da população estar de férias. Em 15 de abril de 2014, foi aprovado pela Assembleia Municipal de Oeiras.

No PDM de Oeiras de 1994, a opção de planeamento estratégico do município foi classificar os terrenos da foz do rio Jamor como espaço natural e espaço de equilíbrio ambiental, definindo assim os usos permitidos quando as fábricas encerrassem, como veio a suceder poucos anos depois.

Segundo o Regulamento do PDM de 1994, essa classificação dos terrenos não admitia construção. Por isso, a Silcoge adquiriu (entre 1998 e 2001) terrenos sem aptidão construtiva. Ao aprovar o PP em 2013, a CMO deu a mão ao dono dos terrenos, validando e promovendo uma série de ilegalidades, todas com um único fim em vista – a transformação de terrenos de tostões (sem aptidão construtiva) em terrenos de milhões (terrenos urbanos).

Para além de violar o PDM de 1994 (em vigor na data em que o PP foi aprovado), o PP apresenta ainda outras ilegalidades: permite a construção em leito de cheias; permite a impermeabilização de quase 100% dos terrenos, já que será construída uma laje contínua de cerca de 9,5ha, que servirá de soleira a um «caixote» gigante, em cima do qual os prédios serão construídos em bunker, para ficarem a salvo do risco de cheia; promove a destruição da praia da Cruz Quebrada (CQ); o índice de construção permitido é de 3, claramente superior ao permitido na zona da CQ-Dafundo (0,72); não respeita o afastamento obrigatório de 50m face às margens do Tejo, nem de 30m face às margens do Jamor, já que a construção irá intervir diretamente dentro de ambas essas zonas de proteção; promove a construção de edifícios para uso de habitação e escritórios numa zona em que os níveis de ruído já são superiores aos permitidos por lei; promove a destruição de zonas de nidificação de espécies protegidas.

O PDM aprovado em 2014 serviu para branquear parte das ilegalidades do PP, infelizmente com o beneplácito da CCDR-LVT (parecer não vinculativo) e da Associação Portuguesa do Ambiente (APA), entre outras entidades.

O PP prevê cinco torres de habitação, comércio e serviços implantadas em cima da foz do rio Jamor, a escassos metros do rio Tejo, em zona de elevadíssimos riscos naturais, vulnerável aos riscos de cheia (fluvial), inundação (marinha), erosão costeira, carsificação, movimentos de massa, sísmico, liquefação e tsunami.

Apesar de o novo empreendimento imobiliário ficar alegadamente a salvo do risco de cheias – porque será construído em cima de um bunker de betão – o mesmo não se pode dizer das populações das zonas baixas da CQ e do Dafundo. Na margem esquerda, o risco de inundações será agravado por este projeto, que virá aumentar ainda mais as diferenças de cota entre a margem direita (onde se situa o projeto) e a margem esquerda do Jamor (onde vivem as populações das zonas baixas da CQ e Dafundo).

O projeto imobiliário propõe também a construção de uma estrutura de contenção, um muro em betão armado que une a ponte da Av. Pierre de Coubertin com o pontão da ponte da Av. Marginal com cota do topo superior a 4,5m, para mitigar o risco de cheias, emparedando assim os moradores da rua Conselheiro Dias e Sousa.

Ao exposto, há a acrescentar a negligência da CMO em matéria de remoção do amianto, no qual devia ter tido um papel mais ativo em matéria de descontaminação, não cumprindo assim a sua obrigação de zelar pela saúde pública e bem-estar dos cidadãos.

As razões por que não se aceita este megaprojeto são múltiplas. De forma sintética: vai constituir um corpo estranho na malha económica, urbana e social de uma vasta zona ribeirinha com implicações muito negativas para o equilíbrio, quer ecológico e ambiental, quer económico e social das comunidades que neste momento estão fixadas na zona em causa; cria uma barreira de betão aos fluxos hídricos a que a área está sujeita; vai desfigurar e destruir em grande parte o equilíbrio com que o Complexo do Jamor foi concebido e construído e que hoje faz com que seja utilizado por milhares de pessoas; agrava os problemas de mobilidade na Marginal.

Apesar dos esforços do Executivo Camarário para beneficiar o promotor e facilitar a emissão das necessárias licenças e autorizações, a construção deste megaprojeto contraria claramente as normas e dispositivos legais em matéria de ambiente e ordenamento do território.

Associação Salvar o Jamor [facebook: Vamos Salvar o Jamor] | Movimento Preservar a Serra de Carnaxide [facebook: Preservar a Serra de Carnaxide

 

A Rede para o Decrescimento (núcleo de Lisboa), o Movimento Preservar a Serra de Carnaxide
(MPSC) e a Sociedade Filarmónica e Fraternidade de Carnaxide (SFFC) convidam para uma caminhada
na Serra de Carnaxide, seguida de almoço-convívio partilhado, a ter lugar no próximo dia 15 de
Março.

O evento é gratuito e tem como objectivos:
– proporcionar um conhecimento directo do património natural e cultural da Serra de Carnaxide, que
importa defender e preservar;
– propiciar momentos prazerosos de convivialidade e contacto com um espaço natural;
– dar a conhecer pessoas e colectivos que defendem modelos de gestão urbana, ambiental e/ou
sócio-económica mais sustentáveis;
– divulgar a Petição Preservar a Serra de Carnaxide e as próximas iniciativas do movimento
proponente (MPSC).

A proposta de programa é apresentada abaixo. Quem quiser almoçar, deverá trazer comida e bebida
para partilhar (para além de prato, copo e talheres). Solicitamos que nos comuniquem se tencionam
almoçar (para termos uma ideia do número de pessoas) para o seguinte endereço:
nucleo.lisboa@decrescimento.pt

Temos confirmada a presença de Teresa Marat-Mendes*, professora e investigadora de urbanismo
sustentável no ISCTE-IUL e subscritora da petição.

Este evento conta com o apoio dos seguintes colectivos, que estão sediados e agem no mesmo
território: Associação Vamos Salvar o Jamor, Centro Comunitário de Linda-a-Velha, Fábrica de
Alternativas, e Iniciativa de Transição de Linda-a-Velha.

Proposta de programa:
10:00 Ponto de encontro (Junto à Igreja de São Romão / Carnaxide)
10:30 Início do passeio pelo aqueduto, saída pela mãe de água e continuidade do passeio pela Serra
de Carnaxide.
12:30 Almoço partilhado (SFFC)
14:00 Tertúlia (SFFC) – Espaço aberto às entidades envolvidas no evento
15:00 Encerramento


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Jornal Mapa

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