
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: CooperAcção ao Sul de Portugal: Ecos de uma rede de redes em germinação
«Who is in my network,
What links us, to be exact?
Better ask to understand the force
that cuts through rock the water’s course
and binding like to like
makes also opposites attract.»
Susan Saxe – “Ask a stupid question” in Reclaim the earth
«Mobilizar para ver o que acontece», como quem abana uma árvore para ver se a fruta cai – é a imagem que ocorre após ouvir uma breve apresentação da iniciativa CooperAcção ao Sul de Portugal.
Somos dez pessoas sentadas à volta de uma mesa no fresco da Oficina São Luís, em Odemira. Há papéis, canetas, post-its, cartazes, um mapa, melancia e água fresca. Falamos em português, mas metade de nós como língua estrangeira. O espaço comunitário alberga o núcleo regional do Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (GAIA Alentejo), onde o facilitador da sessão, Jose Donado, está a desenvolver o seu Serviço Voluntário Europeu desde Novembro de 2017. Temos pouco mais de duas horas para uma primeira abordagem à análise dos dados de um inquérito que pretendia auscultar «possibilidades de cooperação» e endereçar um «convite ao activismo comunitário» na região.
A iniciativa – «continuamente co-criada por muita e diversa gente» – surge a partir de uma série de visitas que o voluntário galego de 23 anos fez a diversas comunidades da região e onde pode vivenciar e conversar sobre o tanto que está a ser feito pelo Baixo Alentejo: pessoas que cuidam da terra, do espírito e da comunidade – cultivando, curando, alimentando, criando – disseminando ideias e práticas que guiam um estilo de vida mais sustentável. Como potenciá-las em comum?
«Os objectivos principais eram criar pontos de encontro entre as diferentes pessoas com interesses em comum, promovendo a criação de projetos comunitários. E ajudar as pessoas com necessidades a encontrar quem pudesse satisfazer estas necessidades dentro da própria comunidade», fomentando assim a auto-suficiência local, explica Jose sobre o embrião de projecto que pretende reconhecer e aprofundar esse sentido possível de comunidade.
Não é a primeira investida com a intenção de estabelecer ligações entre pessoas e iniciativas da região: a CooperAcção ao Sul constrói-se aliás em diálogo com redes já estabelecidas, como a Rede Cooperar (ReCo), com enfoque na produção e distribuição agro-alimentar (ver Jornal Mapa nº 8, Dezembro de 2014), e a Regional Network e o seu Mapa da Autonomia Regional no Sul de Portugal, iniciado em meados de 2016 num encontro de comunidades em Tamera e que reúne hoje cerca de 130 iniciativas de produtores, fornecedores e espaços comunitários da região (mapa autonomia sul).
Lançado em Junho de 2018 pelo GAIA Alentejo, o inquérito CooperAcção ao Sul de Portugal constrói-se sobre essas e outras iniciativas, actualizando-as e tentando aprofundá-las, em prol de uma «comunidade mais resiliente, sustentável, eficiente, participativa e auto-organizada».
O que está a ser feito? O que falta fazer? Como podem as pessoas com vontade de cooperar estar mais perto umas das outras? Quais os interesses e necessidades comuns? O que dificulta a cooperação? Como contornar as barreiras? O que poderia uma rede de redes, “como organismo maior”, fazer em conjunto?
(In)visibilidades e suas (im)possibilidades
«Reconhecer as possibilidades» passa por mapear as necessidades e recursos existentes da região. Foi esse um dos gatilhos definidos na preparação conjunta do inquérito: «precisamos de dar visibilidade ao que na rede já existe e do que há necessidade, para assim criar domínios de interesse que vão favorecer o bem comum».
Partindo de um conjunto concreto de iniciativas afins, bastante centradas em São Luís, o convite ao activismo comunitário passava então por dar a conhecer parte daquilo que já está em curso. Longe de representar um quadro completo das iniciativas comunitárias existentes na região, a lista partia claramente das afinidades de quem impulsionou a convocatória, deixando embora espaço para que outras pudessem vir a integrar. De fora fica «um número de iniciativas informais não declaradas que não tem contacto ou website», como apontou um dos participantes sobre a necessidade de vivência continuada no território para (re)conhecer (quanto mais compreender) a complexidade do ecossistema.
À sua forma, a CooperAcção ao Sul abre com modéstia um espaço para que este entrosamento possa continuar a ser facilitado – convidando à submissão, actualização e mapeamento colectivo de iniciativas que queiram integrar a rede regional.
Cooperar em quê? Complementos directos para a acção
Apresentada como «instinto humano», nem para todos é imediato o significado de cooperação neste contexto alargado – «participação activa» é outra ideia que à partida levanta dúvidas entre os participantes. Para além de dar visibilidade a uma série de iniciativas abertas à comunidade, desvendando desse modo algumas possibilidades concretas de cooperar e participar, fazem-se também avanços na procura das necessidades individuais no colectivo, sejam elas materiais, sociais ou intelectuais.
Começando pelas coisas simples como os intercâmbios de línguas, a partilha de boleias, as ajudadas no campo, ou a ligação entre potenciais espaços comunitários e dinamizadores de oficinas de diversas artes e ofícios. Ou a feliz coincidência entre quem produz alimentos de proximidade e quem tem cozinhas locais gratas por poder servi-los à sua clientela.
Para identificar os interesses comuns e aqueles em que as pessoas gostariam de participar activamente, foi feito um levantamento a partir de temas genéricos considerados relevantes, desde a água e alimentação, às formas de organização social e governança. O consumo e produção agrícola local foi o tema mais consensual entre os participantes, com potencial para resultar na prática de forma mais imediata (através da integração na base de dados local da ReCo, onde produtores e consumidores já se ligam através das suas ofertas e das suas necessidades). As questões da ecologia e do meio-ambiente também estão visivelmente no centro das preocupações comuns, bem como a arte e a cultura comunitárias. Estes temas que movem a maioria serão os que mais provavelmente poderão resultar em grupos de reflexão-acção. O que fazer então com as minorias que apontam questões gritantes, como a «escravatura», a ameaça do fracking e o uso de glifosato nas estufas no Parque Natural?
O síndrome das capelinhas, o «tabu dos camones» e outras barreiras à cooperação
A extensão do território alentejano, o choque de culturas entre novos e velhos habitantes, e a diversidade linguística que hoje caracterizam o ecossistema local, são factores que podem estar a dificultar a almejada cooperação.
No terreno percebe-se rapidamente a existência de uma certa fragmentação social, marcada por fossos de linguagem (oral ou cultural) que separam comunidades distintas: entre as falantes e não-falantes de português, ou entre os novos rurais e os «indígenas» locais. Abordar as questões da(s) língua(s) e do envolvimento com a comunidade local foi portanto objecto de especial interesse.
Manter a chama acesa
«Cabe a cada um de nós apreciar em que medida – por menor que seja – podemos contribuir para a criação de máquinas revolucionárias capazes de acelerar a cristalização de um modo de organização social menos absurdo que o atual.»
Félix Guattari, Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo
Adoptando a metodologia da sociocracia para a tomada de decisões consensuais, numa sessão dinamizada no mês de Maio no Monte Mimo definiu-se colectivamente o «pensamento base do processo» da CooperAcção ao Sul de Portugal. Um dos pontos assentes foi a percepção da dificuldade em manter vivo este tipo de processos a longo prazo. Falou-se de experiências passadas e em curso, e de «um sentido de distanciamento, que se manifesta na falta de envolvimento nas tarefas de manutenção da rede».
Trata-se do trabalho reprodutivo de cuidar da rede e nutrir a comunidade – muitas vezes invisível e pouco apoiado – mas fundamental para manter oleada a engrenagem de qualquer associação.
Por agora, a activação de diferentes grupos de trabalho para dar continuidade à CooperAcção já está em curso, nomeadamente no que toca a análise de dados, programação web e mapeamento de iniciativas. A comissão de organização do evento de apresentação que deverá acontecer no final de Setembro também já iniciou trabalhos. Neste evento, ainda com local e data a definir, serão apresentados os resultados do inquérito, e pretende-se explorar possibilidades reais de cooperação, ligando pessoas e projectos com interesses comuns – para além de celebrar esse exercício salutar de convocar a comunidade a reflectir sobre ela própria.
Exercício esse que tem despertado o interesse de outras comunidades em outros territórios, com vontade de adaptar o processo às suas realidades locais. Talvez a imagem não fosse do abanão da árvore para ver se a fruta cai, mas sim da pedra rasa lançada sobre a superfície do charco, provocando um movimento de ondas que se propagam concentricamente – como réplicas que abrem a possibilidade de círculos de redes a várias escalas.
A evolução do projecto pode ser acompanhada no blog do GAIA Alentejo e na página de Facebook CooperAcção.
Quadro-resumo dos resultados do inquérito
O inquérito CooperAcção ao Sul de Portugal foi lançado a 7 de Junho de 2018, e em pouco mais de um mês recebeu 99 respostas através da internet ou em papel. A poucos dias do fecho desta edição recebemos os dados em bruto em primeira mão.
Cerca de 60 participantes são residentes em Odemira, o concelho com maior área de Portugal e foco da atenção deste inquérito. Mas também houve várias contribuições de outras zonas do Alentejo e do Algarve. No que toca a representatividade etária e de género, 54 participantes identificaram-se como mulher e 39 como homem; mais de metade das participantes têm entre 31 e 50 anos de idade. Muitos são novos rurais, outros já se sentem locais, alguns voluntários temporários, poucos alentejanos de gema. A comunidade em estudo é fortemente internacional, com cerca de metade dos participantes oriunda de catorze países e quatro continentes – incluindo Alemanha, Israel, Reino Unido, Marrocos, Argentina e Brasil.
[Clique na imagem para ver maior]
[Clique na imagem para ver maior]Sobre as barreiras linguísticas que podem estar a impedir o avanço da cooperação, 75% dos inquiridos que não têm o português como língua materna afirmaram que gostariam de aprendê-la. No sentido inverso, 57% dos falantes de português gostariam de usufruir das possibilidades da rede para aprender novas línguas.
Numa região mal servida de transportes públicos e onde as distâncias entre montes e localidades pesam por vezes nas solas («é já ali!»), a utilidade de uma rede de boleias também se revelou interessante para os inquiridos, com um quarto dos participantes a indicar disponibilidade regular para partilhar transporte, e cerca de 40% com disponibilidade irregular.
Cartaz do próximo evento, no dia 5 de Outubro, em São Luís, Odemira.
Texto por Sara Moreira [saritamoreira@gmail.com]
Fotos por Dora Simay [daqui]
Mapa por Anselmo Canha
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