Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Catalunha na Berlinda
A aspiração manifesta dos independentistas a constituir um novo estado na Catalunha não questiona o facto da organização de uma nação em estado beneficiar sobretudo as suas elites, sejam elas económicas, políticas, religiosas ou militares. Para a vida da gente normal, pagar impostos a um estado novo ou a outro já existente, na verdade não faz grande diferença. Contudo, a auto-determinação da Catalunha traria uma grande vantagem para os que sabem que neste sistema, o Estado, seja ele qual for, será sempre dos mesmos: os catalães livrar-se-iam do problema nacional, que lhes enreda a existência, e poderiam canalizar a energia daí resultante para encarar outros aspectos da vida que vai de mal a pior à escala local e planetária. Mas conseguir esse objectivo não lhes será nada fácil.
Dito isto, observemos em retrospectiva a actualidade neste cenário de um conflito com séculos de história que periodicamente ressurge, onde, desde há meia dúzia de anos, literalmente, a independência passou de ter o apoio de um terço para metade da população. Há muitos catalães que defendem a unidade com Espanha e muitos residentes espanhóis ou catalães de ascendência espanhola apoiantes da causa independentista.
A Catalunha concentra as atenções de meio mundo e esta situação provavelmente manter-se-á depois das eleições no final do ano, cujos resultados, tudo indica, confirmarão a divisão da sociedade entre independentistas e unionistas, mantendo-se o imbróglio actual. As acções e reacções verificadas nos últimos dois meses, afastam para um passado quase histórico as memórias do referendo de 1 de Outubro, as cargas policiais contra gente comum ou o momento da declaração de independência.
A decisão do governo de Madrid de intervir a autonomia da Catalunha, na sequência da declaração unilateral de independência, e a erupção da via judicial como solução para o problema político que lhe é inerente, trouxeram para as ruas das vilas e cidades uma parte substancial da população habitualmente arredada da exposição pública. No centro de Barcelona sucedem-se as manifestações com centenas de milhar de pessoas. Umas pela liberdade dos políticos presos e contra a repressão do Estado, outras, menos frequentes, pela unidade de Espanha. A tensão política e social afecta em maior ou menor medida toda a gente. Depois da prisão de mais de metade do governo catalão, nos acontecimentos desportivos ou culturais e nas concentrações diárias de independentistas, o grito “Libertat” substituiu o de “Independencia”.
A semana em que escrevemos este artigo, a segunda deste mês de Novembro, começou com o corte matinal de ruas e estradas, exigindo a libertação dos presos relacionados com o processo, uma acção coordenada dos CDR (Comités de Defesa do Referendo, agora designados “da República”), que foi o balão de ensaio para a greve geral contra a repressão, realizada na quarta-feira, a segunda convocada no espaço de um mês. Esta “paragem do país” convocada por um sindicato minoritário, a Intersindical-CSC, foi apoiada pelas entidades soberanistas da “sociedade civil”, Omnium Cultural e Assembleia Nacional Catalã (ANC), e teve como principais protagonistas os CDR que conseguiram impedir ou dificultar enormemente a mobilidade em todo o território.
As comunicações por estradas nacionais e auto-estradas com Valência e Aragão foram seriamente afectadas e o bloqueio durante todo o dia das vias de fronteira com França e Andorra somou-se ao caos circulatório no interior da Catalunha, onde se produziram muitos mais que os 70 cortes, alguns deles permanentes, das principais artérias da rede viária, reconhecidos pelo ministro do interior espanhol, durante toda a jornada. Na principal estação de autocarros de Barcelona, piquetes e manifestantes impediram a saída de veículos, desde a primeira hora da manhã e ao mesmo tempo, várias das linhas ferroviárias da Catalunha foram cortadas. No desimpedimento de estradas, ruas e avenidas registaram-se os primeiros incidentes entre os “Mossos de Esquadra”, a polícia catalã, e manifestantes, depois da intervenção da autonomia. Ao fim da tarde, as ligações de alta velocidade com Madrid, foram bloqueadas através da invasão das vias por centenas de pessoas na principal estação ferroviária de Barcelona. O mesmo movimento já ocorrera a partir das 8 horas da manhã em Gerona, cortando a ligação do AVE com França. Ao cair da noite, ao mesmo tempo que ainda decorriam grande parte destas e de muitas outras acções, foram feitas concentrações multitudinárias nas principais localidades reivindicando a liberdade dos presos e de rejeição à repressão do estado.
Foi a primeira vez em décadas que uma greve geral na Catalunha foi gerida politicamente pelo governo espanhol, que não conseguiu impedir o êxito relativo alcançado. Esta “paragem de país” não contou com o apoio dos sindicatos estatais, maioritários na Catalunha, com o argumento de que se tratava de “uma mobilização política e não um conflito laboral”, abrindo a porta à justificação de perseguições judiciais futuras, uma vez que a greve política está proibida no estado espanhol. Como era de esperar, não teve o impacto na indústria e no comércio que conseguiu a realizada dois dias depois do referendo. Mais que pelos efeitos sobre a actividade económica, o sucesso da greve geral foi avaliado pela persistência das acções durante a jornada por todo o território catalão, logrando visualizar o clamor pela libertação dos presos. As notícias nos vários meios referiram o papel destacado na organização destas acções dos CDR, um novo vocábulo no léxico do processo a ter em conta na evolução dos acontecimentos.
No fim do dia seguinte à greve geral, as filas soberanistas recebiam com indignação a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de enviar a passar uma noite na prisão a presidente do parlamento catalão, Carme Forcadell, depois de ter tomado declarações aos cinco membros da mesa daquela instituição, pelos mesmos crimes de que estão acusados também os membros do governo catalão presos à ordem da Audiência Nacional. O seu estatuto de deputados em funções obriga a que seja aquele tribunal o competente para os julgar. O juiz titular do processo decretou prisão iludível sob fiança para todos eles, mas enquanto aos outros quatro deu uma semana para pagar a fiança, a Forcadell não lhe deu esse prazo, enviando-a para a prisão até que a tornasse efectiva. Embora a decisão seja mais favorável a estes arguidos que aquela que foi ditada aos processados pela Audiência Nacional (pode constituir um sinal da sua possível libertação em breve se, como vem sendo comentado, todos os processos relacionados com o referendo e a proclamação da república independente acabarem no STJ) foi recebida como “uma ofensa aos catalães” através da presidente do seu parlamento eleito, o único cargo institucional ainda em funções. Uma atitude que certamente terá resposta na afluência à manifestação convocada para sábado sob o lema: “libertação dos presos políticos, somos república”, que se prevê multitudinária, mais uma vez.
Nestes dias ganhou importância também o debate sobre a constituição de uma candidatura única independentista às eleições e, apesar dos prazos curtos de tempo para a concretizar, não está ainda descartada como hipótese. Sobretudo depois de dois colectivos de cidadãos terem decidido somar esforços para pressionar os partidos no sentido de constituir uma lista unitária que candidate os presos do processo, o presidente e os conselheiros no exílio, os querelados até agora pelo referendo e os presidentes de câmara que nele participaram. Este movimento, que tem uma semana para conseguir este objectivo através da fórmula de “agrupação de eleitores”, surgiu como reacção à incapacidade (ou pouca vontade) dos partidos independentistas em se porem de acordo na formação de uma coligação que transforme as eleições num plesbicito. São muitos os observadores que vêem por detrás desta iniciativa a mão do partido da direita PDeCAT, do presidente Puigdemont, que perderá muitos votos se se candidatar sozinho, mas é uma proposta que acolhe muito apoio nos que acreditaram que isto da república independente era a sério. Para já a proposta de lista independentista conjunta às eleições não parece acolher a anuência da Esquerra Republicana e das CUP, que reúnem os seus órgãos máximos no fim de semana para se posicionar .
Nas últimas semanas voltaram a fazer-se ouvir pronunciamentos nas fileiras independentistas no sentido de que se resolva o conflito através de um referendo pactado, colocando a tónica “na falta de democracia do estado espanhol”. Até ao fim do ano, tudo aponta a que o ritmo variará entre momentos de mais crispação e outros de descompressão, marcados pelo jogos partidários e as movimentações de uma campanha eleitoral atípica e inesperada. Deve ter-se presente também o aparecimento de acções da extrema-direita, com incidentes, algo que aqui era apenas esporádico, em datas assinaladas, como no dia de Espanha.
Nesta conjuntura destaca-se a passividade das instituições europeias perante a brutalidade policial no referendo de 1 de Outubro e a judicialização de um problema político, invocando o argumento de que “é um assunto interno de Espanha”. O que parece revelar que esta é a doutrina acordada para os conflitos do mesmo tipo que possam surgir no continente e que a Catalunha é o laboratório de ensaios. Mas a posição da justiça belga, não acedendo, para já, às pretensões espanholas de detenção de Puigdemont e dos quatro ministros que o acompanham em Bruxelas para esquivar uma prisão anunciada em Espanha, pode vir a introduzir algum matiz. Será difícil ignorar a presença na capital da Europa deste cabeça de lista independentista às próximas eleições, que assume o estatuto de presidente legítimo no exílio.
Uma vitória dos partidos unionistas (Ciudadans, PSC e PP) nas eleições de 21 de Dezembro adiaria por tempo indeterminado as aspirações independentistas, mas é dada como improvável. Está por ver também qual será o papel das entidades da “sociedade civil” no período eleitoral, designadamente se os CDR vão manter o protagonismo dos últimos dias na nova fase do conflito, que só com uma repressão generalizada ou com uma negociação política que reencaminhe e esvazie o processo conseguirá suster o impulso soberanista.
Procuraremos manter os leitores informados na edição digital se se produzirem evoluções assinaláveis.
No passado recente
Está bastante estendida a opinião de que se o PP não tivesse recorrido o estatuto de autonomia votado na Catalunha, em 2006, argumentando a inconstitucionalidade de alguns artigos, especialmente aquele que designava a Catalunha como uma nação e os outros que concediam melhorias no financiamento da autonomia, nada do ocorrido nos últimos sete anos tinha sido igual e o apoio à independência não ultrapassaria um terço da população.
Declarações recentes de responsáveis do partido do governo apontam para que o modo como tem sido conduzido o conflito com a Catalunha revela uma estratégia, pensada e posta em prática deliberadamente, de recentralização do Estado espanhol. A tensão mantida estes anos, sem dar nada em troca para contentar os catalães, teria esse objectivo: retirar poder ou acabar com as autonomias. E “se a coisa der para o torto”, o estado espanhol está habituado a lidar com situações extremas, como se viu com a derrota militar dos bascos.
O último capítulo deste processo iniciou-se em 2015, quando as forças independentistas elegeram uma maioria parlamentar que levava no programa o compromisso de convocar um referendo vinculante. Se a maioria expressasse essa vontade seria declarada a independência e proclamada a república. Dois anos e quatro meses depois concretizavam o prometido na campanha eleitoral, um comportamento raro no panorama político institucional, convocando o referendo.
O governo de Rajoy declarou-o ilegal e anunciou que este não se realizaria, afirmação repetida até ser evidente em todo o mundo que estava em marcha, pela divulgação em directo das imagens de grande violência das cargas policiais 1.
Para o impedir pela acção repressiva, o governo central duvidava da obediência dos “mossos de escuadra”, mas confiava na eficácia dos cinco mil polícias nacionais e guarda-civis habitualmente em serviço na região autónoma, reforçados pelos dez mil agentes destas forças policiais deslocados de todo o território. Alguns deles tiveram despedidas televisadas nas suas terras de origem, onde se viam populares enrolados em bandeiras espanholas aplaudindo cortejos de viaturas da guardia civil aos gritos de “A por ellos! A por ellos!”. Um convite a que lhes carregassem, a “Ellos”, os catalães independentistas, naturalmente. A animosidade cultivada e instigada contra os catalães já vem de longe e tem raízes nos episódios históricos referidos no fim do artigo.
Estas encenações não intimidaram os dois milhões e trezentos mil residentes, num censo de cinco milhões e meio de eleitores, que votaram no referendo. Isto apesar do dispositivo policial disposto por todo o território, que incluiu o alojamento de parte dos efectivos em três paquetes de cruzeiro ancorados nos portos de Barcelona e Tarragona com uma semana de antecedência, “onde permanecerão pelo tempo que for preciso”; das buscas realizadas nos dias anteriores em vários edifícios dos departamentos do governo autónomo e da detenção de alguns altos funcionários relacionados com a logística do referendo; das buscas realizadas em tipografias e sedes partidárias; da apreensão de propaganda; do fecho de centenas de páginas web; da censura mediática; da apreensão de boletins de voto.
A reacção do estado espanhol intervindo a autonomia e convocando eleições, contra o que considerou uma decisão ilegal, baseada em leis declaradas inconstitucionais e no mandato dos resultados de um referendo à população não reconhecido como válido, deixou atónitos os independentistas e aqueles que, não o sendo, defendem o direito de quem vive na Catalunha a decidir sobre o seu futuro e sobre as instituições autonómicas.
Este movimento do governo de Madrid foi acompanhado pela acção do aparelho judicial, há muito mobilizado contra o processo independentista, enviando para a prisão a maioria dos membros do governo autónomo, pela convocatória do referendo legitimador da declaração de independência, realizado a 1 de Outubro. Estas detenções vinham juntar-se às verificadas quinze dias antes, prévias à declaração de independência, dos dois presidentes das duas organizações da “sociedade civil” catalã, a Omnium Cultural (uma entidade criada para defender a língua catalã, proibida durante o franquismo) e a ANC (Assembleia Nacional Catalã), acusados de sedição pelo seu papel na organização do referendo.
Omnium Cultural e ANC desempenharam um papel central no processo independentista desde 2012. A Omnium ao convocar a primeira manifestação multitudinária na semana seguinte à declaração de inconstitucionalidade do estatuto catalão, sob o lema: “Som una nació. Nosaltres decidim” (Somos uma nação. Nós decidimos). A ANC, organizada em assembleias territoriais e de sector de actividade, foi quem tutelou o roteiro que orientou o processo até ao actual cenário, cumprindo o programa aprovado quando da sua fundação na Conferência Nacional para o Estado Próprio, realizada naquele ano, onde constavam os pontos seguintes: “a formação de uma maioria no Parlamento de Catalunha, a convocatória dum plebiscito de autodeterminação nacional, a proclamação da independência e a constituição do estado catalão soberano”.
Os partidos independentistas, da direita, da esquerda e da extrema-esquerda, atingem o objectivo da maioria parlamentar nas eleições de Maio de 2015 com aqueles pontos incorporados nos seus programas eleitorais. A transversalidade social da ANC permitiu juntar membros de organizações políticas aparentemente antagónicas, pelos interesses de que se reivindicam. Convergência é um partido da burguesia catalã. As CUP (Candidaturas de Unidade Popular) são uma plataforma de várias organizações da extrema esquerda anti-capitalista, ecologista, feminista e independentista. As CUP desempenhariam um papel fundamental pela mobilização conseguida de parte dos influentes sectores libertários e anarquistas, tradicionalmente arredados do circo eleitoral, mas já fartos da atitude intransigente do governo espanhol de não permitir o referendo sobre “o direito a decidir”. E, finalmente, a Esquerra Republicana, um partido cuja história remonta à segunda república, enraizado na pequena burguesia, independentista e republicana, unanimemente considerado o favorito a ganhar as próximas eleições (o seu presidente Oriol Junqueiras, é um dos membros do governo que se encontra preso).
Foi a ANC através das suas assembleias, que reúnem gente de todas estas proveniências, e os C.D.R, criados em assembleias de vizinhos dos bairros das principais cidades, onde as CUP têm influência, as bases que permitiram a realização material do referendo de 1 de Outubro, com a ocupação de véspera dos edifícios onde funcionaram os colégios eleitorais, a ocultação de urnas e boletins de voto e quem organizou a resistência pacífica à acção das forças repressivas no assalto aos centros de votação.
Evolução na continuidade do franquismo
A natureza do regime espanhol determina em grande medida o modo de actuação do estado no conflito catalão. Em Portugal, no dia em que foi derrubada a ditadura, a primeira lei destituiu o Presidente da República e o Governo, dissolveu a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado, dando por finda a vigência do Estado Novo. Nos dias seguintes, os membros da polícia política que não fugiram foram presos; os Tribunais Plenários foram extintos; e alguns meses depois já pouco restava do regime ditatorial, ao ponto de ninguém se querer identificar publicamente com ele.
Em Espanha não houve corte com o passado, foi o próprio regime franquista que pilotou a “transição” para a “democracia”. À morte do ditador, em Novembro de 1975, seguiu-se-lhe na chefia do Estado o príncipe que ele tinha nomeado “sucessor com título de rei” seis anos antes. Sim, esta monarquia espanhola deve-se a Franco. As forças repressivas, os tribunais, o aparelho de Estado, enfim, a superestrutura estatal continuou no seu funcionamento ordinário, com as ligeiras variações necessárias à lenta mudança.
A chamada “Transición” começou a ser preparada no início dos anos setenta na sequência da visita do director adjunto da CIA, “a fonte inspiradora de uma mudança pacífica” do regime franquista. É o que revela, num livro recente 2, um general da inteligência militar espanhola, integrante do grupo restrito que estabeleceu contactos com os opositores ao regime, redigiu informes e planeou operações que deixaram “atado e bem atado” o futuro de espanhóis, galegos, bascos e catalães, nesse processo que culminou com a aprovação da Constituição “restauradora de la España democrática”, em 1978.
Esta “lei fundamental”, redigida com ruído de sabres como música de fundo, instituiu o Estado das Autonomias, uma forma de equiparar as “nações históricas”, que recuperavam por esta via alguns dos seus direitos ancestrais, às várias regiões que não têm esta característica. Este conceito ficou conhecido com a designação “café para todos”, em suma, uma solução pensada para estorvar no futuro as aspirações de autodeterminação dos bascos, catalães e galegos. As entidades anti-franquistas subscritoras dos pactos que permitiram a transição, designadamente os partidos socialista e comunista, alguns dos partidos nacionalistas e os sindicatos UGT e Comissiones Obreras, todos legalizados no decorrer deste processo, no fundo, partilhavam este conceito. A CNT (Confederacion Nacional del Trabajo), que reunia os sindicatos autónomos de tendência anarco-sindicalista, foi a única das organizações de âmbito estatal a não assinar os famosos Pactos de la Moncloa, nos quais se acordaram os termos da Transición.
Esta obra de engenharia política, concebida para permitir a evolução na continuidade do regime anterior e que serviu os vários interesses instalados durante quatro décadas, teve por autores quatro franquistas das diferentes sensibilidades, um socialista, um comunista e um catalão de direita, os chamados “Siete Padres de la Constituición”. Muitos autores referem que deveria ser acrescentado um mais, o general que escreveu no artigo oitavo: “As Forças Armadas têm como missão garantir a soberania e independência de Espanha, defender a sua integridade territorial e o ordenamento constitucional”. Estava feito o “nó górdio” que faltava para atar a nova realidade política, pois, em última análise, deixava a tutela da Constituição às Forças Armadas. Algo inaudito, mas real. Uma ameaça que não deve ser ignorada nesta crise, caso não seja resolvida com a aplicação recente do famoso artigo 155 da Constituição, que tem suspensa a autonomia desta comunidade pelo menos até depois das eleições convocadas para 21 de Dezembro próximo.
Nestes antecedentes pode encontrar-se, em parte, a explicação dos posicionamentos dos vários partidos da esquerda com vocação estatal espanhola, o PSOE e os descendentes do PCE, onde se inclui Podemos, perante o conflito que alastra na Catalunha.
Proclamações da República
As tentativas da Catalunha de alcançar a independência do reino de Espanha, com as respectivas proclamações de repúblicas, vêm de longe e são recorrentes. O conflito que esteve na origem da primeira delas, a Guerra dos Segadors (ceifeiros), desencadeou-se em Barcelona em Junho de 1640 e jogou a favor da restauração da independência de Portugal em Dezembro do mesmo ano. O exército de 10 mil soldados enviado três anos antes por Filipe IV para reprimir as Alterações de Évora, designadas popularmente como a Revolta do Manuelinho (ver jornal Mapa nº1), foi retirado de Portugal para ir combater a revolta popular que eclodira na Catalunha, facilitando, assim, a acção dos conjurados da nobreza portuguesa. Apesar destes reforços, os exércitos castelhanos ali dispostos não conseguiram evitar que no mês seguinte aos acontecimentos em Portugal fosse proclamada a República Catalã. Durou uma semana. O avanço das tropas borbónicas levou os republicanos a suspender a república e colocar-se debaixo da soberania francesa, situação que se manteve até ao final da Guerra dos Trinta Anos. O hino nacional da Catalunha, “Els Segadors”, reporta a estes acontecimentos históricos.
De então até aos dias de hoje, a república catalã foi proclamada em mais quatro ocasiões. Em 1873, pela Diputación Provincial de Barcelona, como estado catalão federado na 1ª República Espanhola. A proclamação foi revogada dois dias depois de ser prometida a dissolução do exército espanhol na Catalunha pelo presidente republicano Estanislao Figueras. Em 1931, como estado republicano integrante da Federação Ibérica, proclamada por Francesc Macià, também foi curta, durou três dias. Em 1934, por Lluís Companys, durante a greve geral revolucionária de 1934, como estado catalão da República Federal Espanhola, duraria 10 horas. E a última, em 10 de Outubro de 2017, por Carles Puigdemont, foi a mais breve de todas, 8 segundos, o tempo da pausa no discurso entre o anúncio da proclamação da Catalunha como “um estado independente na forma de República” e o anúncio da suspensão dos seus efeitos “para que nas próximas semanas empreendamos um diálogo sem o qual não é possível chegar a uma solução acordada”. A resposta do governo de Madrid foi a aplicação do artigo 155 da Constituição, intervindo a autonomia com a dissolução do parlamento, demissão do governo e convocatória de eleições. Ao mesmo tempo que punha em marcha as medidas que levaram à prisão a maioria dos membros do governo e ao exílio em Bruxelas os restantes e o seu presidente.
Notas:
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