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Lendo: Mexeu com uma, mexeu com todas

Mexeu com uma, mexeu com todas

Mexeu com uma, mexeu com todas


Uma decisão do magistrado Neto de Moura, que desculpou uma agressão bárbara a uma mulher com considerações morais e religiosas sobre o adultério, provocou uma reacção que levou milhares de pessoas para a rua em pelo menos quatro cidades: Porto, Coimbra, Lisboa e Évora. Uma reacção que só tem um aspecto normal graças ao trabalho quase silencioso que o movimento feminista tem vindo a fazer nos últimos anos. Na realidade, este mesmo juiz já antes tinha tomado uma posição semelhante sem que, nessa altura,
tivesse havido resposta visível. Não foi, então, o juiz que mudou. Foram os tempos.

O pensamento feminista tem-se aprofundado, descobrindo novos recantos da discriminação e desbravando cada vez mais caminhos para a superar. Nesta busca de profundidade, discursos que antes soavam radicais são hoje uma base que já nem se discute. Por outro lado, é verdade que este protesto em particular, do passado dia 27 de Outubro, esteve longe de ter um foco estrutural. A demissão do juiz era a reivindicação
mais presente. Uma quase invisibilidade da crítica radical do capitalismo enquanto sistema necessariamente patriarcal será o preço a pagar por se conseguir tocar gente que habitualmente não se mobiliza nem tem por hábito frequentar espaços e ambientes que têm as questões de género como preocupação mais ou menos presente.

Não nos enganemos. Os tempos mudaram, a luta pela igualdade efectiva está mais próxima da superfície, a ideia do mexeu com uma, mexeu com todas já não se limita a nichos, mas o país continua predominantemente machista, em negação e autista em relação a muitos dos problemas que persistem. De acordo com dados da Associação Portuguesa de Apoio a Vítima (APAV), mais de 450 mulheres foram assassinadas pelos seus companheiros ou ex-companheiros nos últimos 12 anos e, em 2016, pelo menos
5200 mulheres foram agredidas, uma média de cerca de 14 por dia. Uma equipa que comparou 500 decisões judiciais relacionadas com crimes de violência doméstica reparou que apenas em 20% dos processos houve sentença e que das 70 condenações só sete corresponderam a prisão efectiva. E coisas como o piropo não são pensadas enquanto manifestações de poder e superioridade, mesmo em circuitos mais atentos ao tema.

De qualquer forma, a rapidez e o volume da reacção só foram possíveis pela rede de contactos permitida por vários anos de trabalho subterrâneo. Uma rede que se alarga nestes momentos de rua. E que se consolida e abre noutras alturas de aparição pública, como acontece no impressionante Festival Feminista do Porto, cuja terceira edição está já em fase de preparação. Também em Lisboa está em andamento o processo para um
primeiro Festival Feminista.


Written by

Teófilo Fagundes

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