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Lendo: Lisboa quente pela Palestina – um relato sobre a mobilização popular da semana passada

Lisboa quente pela Palestina – um relato sobre a mobilização popular da semana passada

(este é um relato individual e anónimo de uma manifestante e não pretende ser uma descrição imparcial dos eventos)

Quinta-feira, dia 2 de outubro. Milhares de manifestantes estão reunidos frente à embaixada de Israel, em Lisboa. Como noutros protestos, ao microfone anuncia-se aquilo que já sabemos: o genocídio em Gaza. Ocasionalmente, erguem-se gritos coletivos que abafam os discursos que saem das colunas – “greve geral, parar o capital”, ou “agora que estamos juntas, e agora que sim nos veem, abaixo o sionismo que vai cair, que vai cair! E viva a Palestina a resistir, a resistir!”

Torna-se claro que muitas de nós ali presentes queremos tornar aquele momento mais produtivo, mas não há nada (de muito) organizado. Quando a noite cai, um grupo começa a elevar a energia com tambores, faixas e gritos. Pergunto a uma das pessoas ali se o plano é seguir para fora dali e bloquear uma estrada mais movimentada, ela responde-me que sim e eu sinto-me aliviada pela primeira vez desde que ali cheguei (até porque sabemos que há já meses que a embaixada de Israel está vazia e sem funcionários, e localizada numa rua cuja paralisação não faz grande mossa ao trânsito da cidade).

A multidão começa a avançar e desce até ao Saldanha, somos facilmente milhares de pessoas num protesto que é, a partir daqui, espontâneo. Quando chegamos ao Marquês de Pombal, parece-me que muitas outras pessoas se juntaram pelo caminho. Não há trajeto definido, mas algumas pessoas vão tentando comunicar umas com as outras, decidir, reagir a novas informações. Descemos a avenida da Liberdade e viramos em direção ao Rato, no que parece ser uma tentativa de chegar ao Parlamento, mas o cimo da rua já está fechado pela polícia. A multidão vira duas vezes à esquerda e desce novamente até à avenida da Liberdade, passando em frente à Cinemateca – parecia mover-se como água.

A inteligentsia coletiva levou o protesto até ao Museu do Design (MUDE), na baixa de Lisboa, onde decorria o debate entre os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. No MUDE, a multidão circulou o edifício, bloqueou as três entradas e gritou de forma a perturbar o debate. O barulho ouviu-se bem nos microfones e forçou o jornalista a explicar o que estava a acontecer às pessoas lá em casa. Por essa altura, já seriamos menos de 1000 pessoas. A polícia não carregou sobre a multidão e já o tem feito por muito menos. A multidão segurou-se ali por umas horas, ainda diversas e organizadas, e os autarcas tiveram de esperar mais de uma hora para sair do edifício. Foi muito bonito, foi organização popular.

Sábado, dia 4. O protesto começa no Martim Moniz. Desta vez estão muitos milhares de pessoas e uma multidão ainda mais diversa, recheada de famílias e crianças. A multidão atravessa o Rossio, caminha ao longo de três ruas da baixa e regressa ao Rossio. À nossa espera estão, novamente, microfones. Depois dos discursos, chega a mensagem – “o pessoal vai entrar na estação de comboios do Rossio”. Um grupo começa a levantar a energia com tambores e gritos – “ocupa, bloqueia, pela Palestina!”. O objetivo fica claro e alto, e avançamos: centenas de pessoas entram na estação. Somos muitas, e bloquear a estação durante umas horas parece possível. Mas assim que começamos a chegar à plataforma entre os comboios, ouve-se um estrondo gigante: uma pessoa jovem foi eletrocutada depois de subir para cima de um comboio. Depois de uns minutos indescritíveis de pânico e desorientação, ficamos a saber que aquela pessoa companheira está viva e a ser assistida pelo INEM. Não sabemos ainda o que pode acontecer, está em estado grave no hospital: o meu coração pesa e ainda está contigo. 🖤

Na estação, a multidão tensa e preocupada tenta segurar o chão durante um bocado, cercada por polícia de intervenção, mas chega a informação que a nossa companheira ferida está a passar mal com o barulho, e pesa ainda o facto de termos de garantir corredores abertos por onde consiga passar uma maca. Foi demasiada tensão para gerir e acabámos por sair. Foi uma tarde bonita e terrível ao mesmo tempo e só espero que com ela possamos viver, ficar mais atentas, mais calmas, mais bem organizadas. Depois de um pequeno ajuntamento no Rossio, somos avisadas que a polícia anda a identificar pessoas e seguimos para casa. Continuemos a espalhar mensagens importantes, falando umas com as outras, organizando-nos ali mesmo. Não posso deixar de notar a presença de malta muito jovem nestas ações espontâneas. Isso deve deixar-nos orgulhosas e descansadas de que nem toda a juventude está a ser manipulada pelo Chega. Esta é a juventude que não se confundiu quanto aos seus valores e que está a precisar de uma sociedade aliada, que esteja à altura dos seus discursos. Aqui e em todo o lado, parar tudo pela Palestina, e por todos os outros povos que serão dizimados no futuro se o fascismo por aqui continuar.

PS: Fico feliz por saber que as 4 pessoas portuguesas detidas em Israel já estão em Lisboa. Falta libertar muitas outras. Não esqueçamos que para além das cerca de 70.000 mortes em Gaza (número conservador), entre as quais dezenas de milhar de crianças, jornalistas e pessoal médico, há também milhares de pessoas palestinianas ainda detidas pelo estado israelita, entre elas crianças!, e cerca de meio milhão de sobreviventes a precisar urgentemente de ajuda. O que queremos é a libertação de todas as pessoas presas e oprimidas por Israel, já! Encontramo-nos nas ruas!


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Jornal Mapa

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