Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Argentina: líder mapuche é acusado pelos poemas que escreveu na prisão
texto e imagem de Silvia Beatriz Adoue
11 de junho de 2025. Tem militantes que são poetas e poetas que são militantes. Muitos deles são perseguidos e o Estado mete-os na prisão. Este é um caso excepcional em que as provas de acusação são os poemas e suas falas no lançamento do livro “Entre rejas: antipoesía incendiaria”. Ao frio e névoa da noite de 8 de junho, foi detido o lonko (autoridade política e social mapuche) Facundo Jones Huala, na rodoviária da localidade de El Bolson, pela Polícia Federal Argentina, sem ordem judicial, apresentada aos advogados do lonko 40 horas depois.
Facundo Jones Huala, o mais velho de 6 irmãos, nasceu há 38 anos em Furiloche (conhecida como Bariloche), localidade do Puelmapu, território mapuche ao Leste da cordilheira dos Andes. Como weichafe (combatente), participou nas lutas pela recuperação de terras ancestrais de um lado e de outro da cordilheira dos Andes. No Ngulumapu, território mapuche ao Oeste da cordilheira, participou na luta contra a instalação de uma hidro-elétrica no rio Pilmaiken, no setor do Wenuleufu (literalmente Rio do Céu, que os colonizadores batizaram como Río Bueno), por uma empresa escandinava. Foi preso junto com a machi (autoridade espiritual mapuche) Millaray Huichalaf, que cumpriu a sua pena em liberdade. Durante o julgamento, Facundo deslocou-se a Puelmapu e foi condenado in absentia. Como lonko e membro da Resistência Ancestral Mapuche (RAM), recuperou terras usurpadas pelo Estado argentino, já ocupadas pela transnacional Benetton, que, apenas na região do rio Chubut, se apropriou de 356 mil hectares, explora gado ovino, planta pinho e tem concessões mineiras. Foi preso pelo Estado argentino e deportado para o Chile, onde foi julgado e onde cumpriu parte da pena. Fugiu novamente para o Puelmapu, onde foi preso mais uma vez e deportado. Foi mantido preso para além do tempo de pena que lhe tinha sido imposta, realizando diversas greves de fome, tanto sozinho como com outros presos políticos mapuche, na prisão de Temuco. Durante esse último período, o seu irmão Fausto, também combatente, tirou a própria vida. Fora da prisão e expulso pelo governo do Chile, voltou a Puelmapu, onde, no dia 2 de fevereiro deste ano, lançou “Entre rejas: aintipoesia incendiaria”, em grande parte escrito na prisão.

Durante o lançamento, na pequena Biblioteca Aimé Paine, em Furiloche, província de Rio Negro, o lonko fez uma exposição sobre o seu livro e respondeu a perguntas sobre a cultura e a luta mapuche. Alguns dos temas abordados durante o encontro, que foi filmado, foram o colonialismo; as coincidências com o militante e escritor martinicano Frantz Fanon; o autonomismo mapuche; a usurpação das terras pelos Estados argentino e chileno, e a entrega dessas terras a latifundiários e empresas transnacionais; as sabotagens à infraestrutura do capital, e as formas de luta anticolonial.

O lançamento do livro coincidiu com episódios de grandes queimadas em todo o Puelmapu, resultantes da mudança climática e de ação criminosa para favorecer o negócio imobiliário, florestal e mineiro, que pretende mudar o uso da terra. As políticas de ajuste, com a consequente retirada de recursos públicos para a prevenção e combate a incêndios, também contribuiu para a expansão de fogos incontroláveis. As comunidades mapuche e os demais habitantes da região auto-organizaram-se em brigadas para apagar os incêndios. A ministra de Segurança, Patricia Bullrich, responsável pela prevenção e combate às queimadas, assim como o governador da província patagónica de Chubut, Ignacio Torres, apressaram-se a apontar mapuches e brigadistas em geral como incendiários. Justamente aqueles que estavam a apagar os fogos!
A ocasião bastou para o oportunismo da ministra Patricia Bullrich e do governador Ignacio Torres, que acusaram o lonko de apologia do delito, sem qualquer denúncia formal, ao mesmo tempo que o governador fazia batidas barbarizando lof mapuches (unidades territoriais habitadas por famílias ampliadas) em Chubut. Seis dias depois do lançamento do livro, o porta-voz presidencial, hoje presidente de câmara eleito da Cidade Autónoma de Buenos Aires, Manuel Adorni, deu a conhecer a inclusão da RAM na lista das organizações terroristas como uma decisão do poder executivo, quando o procedimento legal exige uma posição do poder legislativo. No entanto, nenhum processo judicial foi aberto contra o seu militante mais público, Facundo Jones Huala. Perante a preocupação manifestada pelos seus advogados, o governo confirmou que não havia qualquer processo aberto contra ele. Porém, um mês antes, o lonko tinha sido convocado para uma audiência judicial onde tinha sido informado que estava a ser investigado no seguimento de uma acusação feita em abril, que haveria sigilo enquanto durasse a investigação, e que haveria uma nova audiência no dia 12 de junho. Também sua mãe foi objeto de trabalho de inteligência, quando, recentemente, foi seguida pela inteligência do Estado. Na noite do dia 8, sem acusação formal, quatro dias antes da anunciada audiência, Facundo Jones Huala foi detido, para sua surpresa, quando se estava a preparar para voltar ao campo, onde está o seu domicílio. Foi levado para Furiloche, para uma sede policial cercada com tapumes de ferro, à frente dos quais se pôs sua mãe.

No dia 11 foi realizada a audiência, que deveria ter sido pública e não foi. Nela foram expostas as acusações de “intimidação pública, incitação à violência coletiva, apologia do crime e associação criminosa”, segundo a denúncia da ministra Patricia Bullrich. O juiz de Bariloche, Ezequiel Andreani, ditou 90 dias de prisão preventiva na prisão de Rawson, a mais de mil quilómetros da sua família. Mas a condenação, no dia anterior, da ex-presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, a 6 anos de prisão, eclipsou o processo irregular de Facundo. Durante uma mobilização em Furiloche contra a condenação de Kirchner, uma senhora idosa entrevistada na rua disse: «a situação é muito grave, prenderam o lonko Facundo Jones Huala, daqui, e sabe por quê?». Não esperou pela resposta da entrevistadora. «Ele escreveu um livro». Essa senhora entendeu o tamanho da barbárie do Estado argentino. As poesias não foram apenas tratadas como prova, elas foram, em si mesmas, o crime perpetrado por Facundo.
Sabemos que o Estado argentino, assim como o chileno, usurpou o território mapuche, para colocá-lo à disposição para extração de matérias-primas de exportação. Entregou essas terras para latifundiários e empresas transnacionais. Para isso, exterminou e escravizou as gentes da terra. Mapuches como Facundo Jones Huala, conscientes da sua responsabilidade com essa terra, combatem contra os que a destroem, com todos os meios de que dispõem… inclusive com poemas.
Longa vida ao povo mapuche!
Liberdade ao lonko Facundo Jones Huala!
Longa vida à poesia revolucionária!
[a filmagem do encontro de lançamento do livro “Entre rejas: aintipoesia incendiaria”, em Furiloche, pode ser vista aqui]
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