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Lendo: A desobediência ou a extinção

A desobediência ou a extinção

A desobediência ou a extinção


Interromper o primeiro-ministro para denunciar os crimes ambientais da expansão do aeroporto de Lisboa leva ativista a julgamento três anos depois.

Na noite de 23 de abril de 2019, a festa de aniversário do Partido Socialista foi brindada com aviões de papel que esvoaçaram pela sala. Lançavam-nos um grupo de jovens que mostravam uma faixa: “Mais aviões? Só a brincar! Precisamos dum plano B, não há planeta B”. Francisco Pedro tenta tomar a palavra no palanque onde discursava António Costa, até ser violentamente retirado pelos atónitos seguranças do primeiro-ministro.

As imagens ficaram e deram visibilidade à denúncia ambientalista da expansão do aeroporto da Portela e do novo aeroporto do Montijo. Como refere em comunicado a ATERRA – Campanha pela redução do tráfego aéreo e por uma mobilidade justa e ecológica, de que Francisco Pedro faz parte: «pela primeira vez, os media ecoaram a contestação ao maior crime atual contra as nossas vidas e o nosso futuro. Vivemos numa crise ecológica, perante a sexta extinção em massa. Nos próximos 10 anos temos de cortar 74% de emissões poluentes. A única forma de continuarmos a conjugar verbos no futuro é reduzir drasticamente a aviação.»

A ação no jantar socialista era o culminar de uma semana internacional de rebelião pela vida e dava a conhecer aos media convencionais o até aí desconhecido movimento internacional Extinction Rebellion (XR). Nessa semana, levou a cabo 10 ações diretas não-violentas que abordaram sete temas (energia; transportes; alimentação; decisões políticas; moda; plástico e resíduos; e greenwashing), dando voz às três reivindicações do XR: que os governos digam a verdade sobre a crise ecológica; a redução drástica das emissões de gases de efeito de estufa através de uma mobilização massiva de emergência climática e de uma transição justa; e a democracia participativa.

Francisco Pedro – que é também colaborador permanente do Jornal MAPA – tem julgamento marcado para o dia 13 de janeiro de 2022, em Lisboa, a Capital Verde Europeia em 2020, sob a acusação de crime de desobediência qualificada, com pena até dois anos de prisão. Acusado de «perturbar a ordem e tranquilidade públicas», uma vez que «não tinha comunicado a realização da manifestação à Câmara Municipal de Lisboa (CML)», o ativista responde que «que eu saiba, a CML nunca me comunicou ou pediu autorização para, na última década, duplicar o número de aviões que passam por cima da minha cabeça, arruinar a saúde das lisboetas, transformar a cidade numa Disneyland insustentável e comprometer a vida das gerações futuras. A VINCI, uma rede mafiosa multinacional, não foi acusada de perturbar a ordem e tranquilidade públicas ao querer destruir um dos mais importantes estuários da Europa e empurrar-nos a todas para o caos climático, para somar mais uns milhões».

Para a ATERRA, «o avião é de longe o mais poluidor e o mais elitista dos transportes – e também o que está mais livre de impostos. Ampliar aeroportos, enquanto se encerram comboios internacionais, é talvez a coisa mais estúpida e irresponsável que um político pode propor no século XXI. A ação de desobediência civil contribuiu para desmascarar o greenwashing da elite política e empresarial, que fala em descarbonização e decide aumentar 50% as emissões da aviação em Portugal.»

Para este grupo, membro da rede Stay Grounded, que agrega mais de 160 coletivos e iniciativas pela redução da avião e os seus impactes negativos, a partir do dia em que António Costa foi interrompido com aviões de papel «ficámos a saber que o contributo da aviação para as alterações climáticas – o maior problema que a humanidade enfrenta – é três vezes maior do que estas admitiam. Milhares de estudantes, pais, sindicalistas e autarcas juntaram-se à denúncia do ecocídio do aeroporto do Montijo. A comunidade científica expôs problema atrás de problema e as associações ambientais colocaram o governo em tribunal. A Agência Portuguesa do Ambiente e o Instituto de Conservação da Natureza estão a ser investigados pela Polícia Judiciária.»

Uma ação de desobediência civil em massa em defesa da vida está anunciada para o próximo dia 22 de maio, em pleno Aeroporto Humberto Delgado. Foi convocada por ativistas de várias organizações no 6º Encontro Nacional pela Justiça Climática, para reivindicar menos aviões, uma transição justa e mais ferrovia. Antes ainda, e já a 19 de abril, o protesto terá lugar em frente à sede do Partido Socialista, no Largo do Rato, em Lisboa.

Francisco Pedro, a propósito da ação que o leva agora a julgamento, comenta que «enquanto os discursos dos políticos ecoarem os interesses das elites, a desobediência seguirá sendo uma arma do povo». E recorda – a quem possa não ter reparado nas «coincidências» desse jantar de aniversário socialista – que «Alberto Martins, que estava a ser homenageado naquela noite, não pediu “autorização prévia” para interromper Américo Tomaz. O 25 de abril não foi comunicado à CML. Aqueles que julgam intimidar-nos não percebem o mundo em que vivem, não percebem que agimos segundo a nossa consciência e o nosso coração. Não estamos preocupadas com anos de prisão. Estamos preocupadas com a vida. É a desobediência às leis da natureza que nos ameaça a todas».


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