
Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Contra a territorialidade do domínio e o ecocídio
Desde Fevereiro de 2016 o estado Venezuelano está a levar a cabo a construção de um mega-projecto de exploração mineira sem precedentes na história da Venezuela. A realização do projecto «Arco Mineiro do Orinoco» trará consequências sócio-ambientais, económicas e políticas e também um enorme impacto no ordenamento territorial. Como resposta a este conflito têm-se vindo organizando, a escala nacional e internacional; manifestações, comunicados, recursos jurídicos, debates, propostas narrativas e artísticas, desde diversos colectivos comprometidos com a resistência contra a execução deste ecocídio.
Redesenhando a geografia do continente Sul-Americano.
Em 2011, o governo Venezuelano já anunciava o avanço de um enorme projecto mineiro que
consistiria numa longa cintura de minerais ao sul do rio Orinoco (debaixo de uma bandeira “eco-socialista”) que, vinculado com os projectos do Cinto Petrolífero do Orinoco (Faja Petrolífera del Orinoco), o Porto de águas profundas em Araya, a expansão da extracção carbonífera a norte do estado Zulia e os projectos viários para o Brasil e Colômbia, formam parte do desenvolvimento económico-social do país. Tudo isto completamente de acordo com o projecto de Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).
O IIRSA pretende facilitar, intensificar, agilizar e conectar a extracção dos recursos naturais, e já está planeado e traçado desde o centro do continente até às costas e aos rios que se dirigem para o mar. Garantindo novos níveis de subordinação, de acordo com as novas fronteiras que o mundo das multinacionais assegura. O Projecto é composto por 10 eixos para a exploração de campos/ reservatórios hidro-carburíferos, minerais, de recursos genéticos, aquáticos e agro-pecuários. A Venezuela faz parte de um deles, o «Eixo Escudo Guayanés», que é também a porta de saída para o Atlântico de recursos naturais e produtos industriais da bacia amazónica. Estamos em presença de um redesenhar da geografia do continente em que aprofunda ainda mais a imposição duma
territorialidade 1 neoliberal, a territorialidade da dominação e do ecocídio.
O Arco Mineiro do Orinoco
Em Fevereiro de 2016, no meio duma severa crise social, política e económica no país, o presidente
da Venezuela (N. Maduro) oficializava a criação da «Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional
» Arco Mineiro do Orinoco (A.M.O.), como parte da chamada Agenda Económica Bolivariana, e a activação dos «Motores Produtivos» (dá-se este nome às cadeias económicas produtivas identificadas como estratégias para o desenvolvimento económico-financeiro, no plano de governo). Este decreto passa com ausência total de debate público, num país cujo Governo defende uma Constituição, que define a sua sociedade como «democrática, participativa e protagónica, multi étnica e pluri cultural». O mesmo Governo que, com um discurso revolucionário e anti-imperialista, decretou a subordinação do país aos interesses das grandes multinacionais que nutrem o sistema capitalista.
As zonas de exploração do Arco Mineiro do Orinoco incluem selvas tropicais húmidas, grandes extensões de savanas de solos frágeis, uma extraordinária biodiversidade, fontes de água grandes e fundamentais
O Arco Mineiro do Orinoco tem uma extensão de 11843,70 Km2, designados para a extracção de mais de 40 minerais diferentes, com destaque para o ouro, o diamante, o coltan, o ferro e a bauxita.
Para isso, prevêem-se negociações com mais de 150 empresas de 35 países, com mecanismos de
financiamento preferenciais que flexibilizam o negócio para a exploração mineira no país.
Este decreto é uma expressão nítida de uma reorganização completa do território nacional à volta do extractivismo, agora numa bio-região delicada que inclui selvas tropicais e savanas com grande biodiversidade e fragilidade ecológica, onde estão as principais fontes de água, para além de ser oterritório onde povos indígenas fazem vida.
Nesta zona planeia-se o maior ecocídio de toda a América Latina. Ainda que a história da exploração
mineira na Venezuela nãoseja nova, o projecto de mega-mineração não tem qualquer tipo de precedentes. Apesar das inúmeras críticas, o Governo continua em frente com o projecto.
As mobilizações contra o projecto cresceram e mantêm-se constantes, num contexto de crise económica e política severa.
Principais detonadoresdo conflito
«Mineração Ecológica»,eufemismo para ecocídio:
Não existe mineração limpa, o termo «Mineração Ecológica» é tão absurdo como o de «militar pacifista», «polícia anti-autoritário » ou «padre ateu». Se formos sensatos percebemos que, num
plano congruente, não existem». Não há nenhuma tecnologia mineira de grande escala que seja compatível com a preservação ambiental. As experiências internacionais neste sentido são contundentes: a mineração em grande escala produz necessariamente processos massivos e irreversíveis de desflorestação.
As zonas de exploração do Arco Mineiro do Orinoco incluem selvas tropicais húmidas, grandes extensões de savanas de solos frágeis, uma extraordinária biodiversidade, fontes de água grandes
e fundamentais. Tudo isto ameaça ser destruído se se levar a cabo o que este projecto de “desenvolvimento” contempla. A imensa biodiversidade da zona sofrerá um forte impacto; a destruição da capa vegetal e a desflorestação dois bosques amazónicos terá repercussões que transcendem o país; uma mera redução da capacidade dos ditos bosques absorverem/reterem gases de efeito estufaaceleraria significativamente as alterações climáticas.
O mineral a explorar que o governo mais enfatizou foi o ouro. Estima-se que as reservas auríferas
da zona ultrapassem as 7 mil toneladas. A exploração de ouroa céu aberto exige escavar imensos
volumes de terreno por cadaunidade de ouro extraída. Para extrair durante os próximos 70 anos as 7 mil toneladas de ouro que foram anunciadas será necessário remover cerca de 7 mil milhões de toneladas de material, produzindo imensos aterros de resíduos, muitos deles contaminados com arsénico e outros tóxicos, que alterariam irreversivelmente todo o ambiente da zona.
Ainda que o território a explorar inclua Áreas sob Regime de Administração Especial. Parques
Nacionais, Reservas Florestais, Monumentos Nacionais e lugares sagrados dos povos indígenas, as
decisões sobre a abertura da mineraçãoem larga escala e o convite a empresas mineiras multinacionais aconteceram antes darealização de estudos de impacto ambiental. Este decreto constitui uma sentença de ecocídio.
A acentuação da crise hídrica-energética:
A mineração é altamente contaminante das águas, as principais bacias desta zona têm sido
afectadas pela actividade mineira desde há décadas. O incremento exponencial desta actividade económica mortal culminaria colocando em perigo todas as formas de vida dos ecossistemas fluviais.
O Arco Mineiro do Orinoco tem uma extensão de 11843,70 Km2, designados para a extracção de mais de 40 minerais diferentes, com destaque para o ouro, o diamante, o coltan, o ferro e a bauxita. Para isso, prevêem-se negociações com mais de 150 empresas de 35 países, com mecanismos de financiamento preferenciais que flexibilizam o negócio para a exploração mineira no país.
A água é um assunto cada vez mais crítico para o presente e o futuro da vida no planeta. A sua disponibilidade está a reduzir-se não só por causa da contaminação mas também pela aceleração das alterações climáticas que modifica os padrões de chuva e seca. Toda a zona a sul do Orinoco constitui a maior fonte de água doce do país. Os processos de desflorestação, previsíveis com a actividade mineira em grande escala, conduzirão inevitavelmente a uma redução dos volumes deágua na zona.
Do mesmo modo, as actividades mineiras nos rios desta região (Orinoco, Caroní, Caura) e as alterações gerais nos seus caudais contribuiriam directamente para a redução da capacidade de geração de electricidade. As represas hidroeléctricas, onde se gera 70% da energia do país, encontram-se dentro da área de afectação do Arco Mineiro.
O desconhecimento dos povos originários:
O decreto de exploração implica desconhecimento da existência dos Povos Indígenas e declara a morte do sonho duma sociedade multi étnica e pluri cultural; colocando o país sob uma única
racionalidade, uma única cultura: a ocidental capitalista, onde a única coisa racional que se pode
fazer é converter tudo e todos em mercadoria.
Na franja que denominam Arco Mineiro habitam vários Povos Indígenas, como: Warao, E´Ñepa, Hoti, Pumé, Mapoyo, Kariña, Piaroa, Pemón, Ye´kwana e Sanem. Estas terras que ancestral e tradicionalmente ocupam sofrerão uma intervenção pesada, pondo em risco o desenvolvimento e a garantia da forma de vida destas comunidades; a sua organização social, cultural, costumes e idiomas.
O Executivo Nacional violou os principais instrumento legais venezuelanos e internacionais ao não realizar uma consulta prévia aos Povos Originários que, para além de serem afectados directamente
pelos impactos ambientais, se veriam oprimidos em largaescala com o aumento da violência e da repressão policial-militar.
O aprofundamento da militarização na estrutura de governo:
O Arco Mineiro traz consigo não apenas impactos no ambiental e no económico mas tambémno político, ao manifestar-se também como uma estratégia na estrutura de governança , com a aliança entre o sector militar e as corporações transnacionais.
As possibilidades de oposição aos impactos negativos do projecto de Mega-mineração estão proibidas pelas normativas do decreto, mediante a criação de uma Zona de Desenvolvimento Estratégico sob a responsabilidade da Força Armada Nacional Bolivariana, que terá a «responsabilidade de salvaguardar, proteger e manter a continuidade harmoniosa das operações e actividades das Indústrias Estratégicas» ali instaladas.
O decreto estabelece expressamente a suspensão dos direitos civis e políticos em todo o território do Arco Mineiro, indicando que «nenhum interesse particular, gremial, sindical, de associações ou grupos, ou as suas normativas, prevalecerá sobre o interesse geral no cumprimento do objectivo contido dentro do decreto de exploração». De forma que, que «executar ou promover actuações materiais ou tendentes à obstaculização das operações totais ou parciais das actividades produzidas da Zona» será sancionado de acordo com o ordenamento jurídico aplicável.
As forças armadas, longe de representar a defesa dum hipotético «interesse geral» na zona, terão um interesse económico directo nas actividades mineiras, ao considerar a «conveniente» criação da Companhia AnónimaMilitar de Indústrias Mineiras,Petrolíferas e de Gás (Camimpeg) que tem atribuições para se dedicar «sem qualquer limitação» a qualquer actividade directa ou
indirectamente relacionada com actividades mineiras, petrolíferasou de gás em zonas já identificadas
como de interesse.
Um avanço colonizador
A nova política mineira do governo nacional é uma expressão do domínio do capital transnacional, que pressupõe um novo esquema de poder no país, e uma nova arquitectura geográfica do capitalismo para os próximos 70 anos, que consolida, mais uma vez, a economia do saque.
Estamos perante um processo de flexibilização económico que concedeu taxas de câmbio preferenciais às multinacionais (dentro dum sistema económico onde o dólar tem um controlo cambial apertado), cedências parciais de participação accionista nas empresas mistas a favor de empresas estrangeiras e mesmo a criação de «zonas económicas especiais» nas jazidas de interesse enquanto durar o desenvolvimento do projecto.
Dentro das estratégias, destaca-se a flexibilização das normas legais, a simplificação e a celeridade de trâmites administrativos previstos na legislação venezuelana, a geração de «mecanismos de financiamento preferenciais» com condições especiais em questões tributárias, aduaneiras, financeiras e relacionadas com a importação.
A expansão do sistema capitalista vê-se fortalecida com este decreto, que declara o país eterno provedor de matérias primas, perpetuando a dependência em relação ao mundo globalizado dominado pelas multinacionais imperialistas.
Resistência Anti-Mineira
Este decreto de mega-exploração mineira não deu espaço a nenhum tipo de diálogo e estabelece de antemão a criminalização das resistências e lutas anti-mineração.
Convertendo os obstáculos em motivos para acentuar a firmeza das nossas convicções, têm vindo a desenvolver-se, numa escala nacional e internacional: protestos de rua, comunicados, recursos jurídicos, fóruns-oficinas, propostas narrativas e artísticas, a partir de diferentes colectivos como: comunidades e organizações indígenas, ambientalistas e agro-ecologistas… alianças amplas pela nulidade do decreto do Arco Mineiro do Orinoco… académicos, investigadores científicos, organizações e partidos políticos, artistas e colectivos libertários.
Lutas e mobilizações contra o Arco Mineiro do Orinoco:
As mobilizações iniciaram-se a partir dos primeiros anúncios, realizados em 2011. Num primeiro momento, produziram-se declarações de várias organizações indígenas que, logo nessa altura, assinalavam as ameaças que este projecto representa para a reprodução da vida nos territórios onde se planeia a extracção mineira.
Com o anúncio da criação da Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional «Arco Mineiro do
Orinoco», em Fevereiro de 2016, começam a surgir numerosas declarações e vão-se desenvolvendo
várias mobilizações de protesto. No imediato, há organizações e individualidades constitucionalistas que se agrupam para criar uma Plataforma pela Nulidade do decreto que, uns meses mais tarde, mete um Recurso pela sua anulação, onde expõe todas as leis desrespeitadas. A Assembleia Nacional junta se a esta postura eacordou rejeitar o decreto ditado pelo presidente. Ambas as estratégias falharam redondamente. Entretanto, o governo inicia o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley, que não é mais do que um regime de controlo das exportações e das importações de diamantes em bruto.
A água é um assunto cada vez mais crítico para o presente e o futuro da vida no planeta.
A sua disponibilidade está a reduzir-se não só por causa da contaminação mas também pela aceleração das alterações climáticas que modifica os padrões de chuva e seca. Toda a zona a sul do Orinoco constitui
a maior fonte de água doce do país.
A luta continua com a abertura de espaços de formação e investigação alternativa sobre extractivismo e mineração. Como resultado disso, criam-se relatórios e propostas alternativas às contempladas no projecto. O movimento ecologista fortalece-se, denunciando todas as consequências graves associadas à mineração e exige estudos de impacto ambiental que determinem com precisão os enormes danos que o projecto causaria.
Consolida-se uma rede de acção colectiva que põe em marcha uma recolha de assinaturas contra o projecto e a campanha pública contra o Arco Mineiro estende-se. Surgem cada vez mais declarações e comunicados de importantes plataformas e organizações indígenas locais e amazónicas que expressam o seu desacordo e denunciam mais uma vez os efeitos devastadores provocados pelo avanço da mineração em várias das principais bacias de água dos estados Bolívar e Amazonas.
Aumentam as reclamações pela ausência de consulta prévia aos povos indígenas.
O governo anuncia a criação do Ministério do Poder Popular para o Desenvolvimento «Mineiro
Ecológico» e, pouco depois, começas as assinaturas de acordos de exploração do Arco Mineiro.
As críticas e petições formuladas pelos grupos mobilizados não foram ouvidas nem atendidas. A resistência continua et ransforma-se em concentrações, protestos de rua e marchas, como as ocorridas na sede do Ministério do Petróleo e Minas, no Tribunal Supremo de Justiça e no Ministério
das Finanças, como parte das mobilizações do dia mundial contra a Mega-Mineração.
A seis meses de distância do decreto, já grande parte da zona de interesse está comprometida por mais de 40 anos. Pouco depois, inicia-se a etapa de exploração no Arco Mineiro do Orinoco.
O activismo baseado em meios alternativos e acções artísticas e criativas expande-se. A luta contra o ecocídio perante a expansão do extractivismo também começa a aparecer na forma de teatro de guerrilha, murais, jornadas de cinema anti-mineração e outras expressões artísticas.
Em reacção a isto, o governo prestou declarações oficiais que criminalizam perigosamente os protestos, ao mesmo tempo que a mineração continua a avançar nos territórios da região Guayana,
deixando consequências terríveis nos ecossistemas e nos povos indígenas.
Lamentavelmente, dentro desta luta, disfarçados de ambientalistas, humanistas e combatentes
contra a mineração, há muitos grupos com interesses tão «especiais e particulares» como os do governo, cujo interesse é apoiar qualquer causa que lhes permita fazer cair o actual governo para ocupar as cadeiras que tirarão benefícios desta «mina de ouro»
Não podemos esquecer que a resistência surge da implicação directa e sincera das pessoas. As nossa acções e estratégias para a visibilização, difusão e contra-informação do conflito procuram agitar a resistência dos povos a partir de uma perspectiva anti capitalista e anti autoritária. Épreciso conservar a capacidade de indignação e actuação, conhecendo e apoiando formas de resistência já existentes e inclusivamente procurando e criando novas formas de resistência.
Para acabar, é importante afirmar que «Todos os governos têm um propósito duplo. O propósito principal e reconhecido é o de conservar e fortalecer o Estado, a civilização e a ordem civil, ou seja, a dominação sistemática e legalizada da classe governante sobre o povo explorado. O outro propósito, igualmente importante aos olhos do governo ainda que não reconhecido de bom grado nem abertamente, é a conservação das vantagens governamentais exclusivas do seu pessoal. O primeiro diz respeito aos interesses gerais das classes governantes; o segundo à vaidade e às vantagens excepcionais de que gozam os indivíduos no governo». M Bakunin.
Texto de Maviakalves [maviakalves@gmail.com]
Fotografias de Silvit
Artigo publicado no Jornal MAPA, edição #17, Julho | Setembro 2017.
Notas:
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