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Lendo: Julgamento contra o “terrorismo anarquista”

Julgamento contra o “terrorismo anarquista”

Julgamento contra o “terrorismo anarquista”


Sem imagens nem testemunhos do autor da explosão na Basílica de El Pilar, a única prova contra Mónica e Francisco são imagens dum restaurante nas imediações e da estação de autocarros de Zaragoza nas quais não é possível identifica-los comparadas através de técnicas biométricas com fotos descarregadas da internet pela polícia.

 

Autor: Ter García. Traduzido do Jornal Diagonal [diagonalperiodico.net]

Versão original em castelhano disponível em https://goo.gl/j9mTWe

“Os andares e a roupa” de Mónica e Francisco que se vêm nas imagens das câmaras de segurança dum restaurante perto da Basílica El Pilar de Zaragoza, da estação de autocarro desta cidade e do metro de Madrid, comparadas com técnicas biométricas com fotografias descarregadas da internet, são as principais provas mostradas hoje, primeiro dia de Audiência, contra estes dois jovens, acusados da explosão que teve lugar no templo de Zaragoza.

O Ministério Público, a cargo de Teresa Sandoval, pede 44 anos de prisão para cada um deles pelos delitos de danos – pelos bancos partidos pela explosão no templo zaragozano – lesões e conspiração – por supostamente planearem a colocação de outro artefacto explosivo na Basílica de Montserrat , em Barcelona. A autarquia de Zaragoza pede 185.000 euros relativa à responsabilidade civil pelos danos causados no templo e a acusação particular de uma pessoa que sofreu um traumatismo leve num ouvido, supostamente à conta da explosão, pede 100.000 euros mais.

O advogado de defesa pediu, no início da Audiência, a recusa dos três magistrados que formam a sala encarregue de julgar Mónica e Francisco, já que os mesmos praticaram diligências na instrução e assinaram o auto pelo qual se manteve, uma vez passados dois anos do seu ingresso, a prisão preventiva dos dois acusados durante mais vários meses. Também pediu a impugnação das provas periciais trazidas pela Brigada de Inteligência, a que denominou de parcial e à qual atribuiu falta de rigor. A presidente da sala, Ángela Murillo, ignorou as duas petições e ordenou o início da Audiência. Ángela Murillo, presidente da Secção Quarta da Sala do Tribunal Penal tem entre as causas mais polémicas da sua carreira a condenação de Arnaldo Otegi a dois anos de prisão por enaltecimento ao terrorismo em 2010. O Tribunal Supremo anulou, um ano depois, a condenação imposta por Murillo e obrigou a repetir o julgamento por considerar que a magistrada tinha “preconceitos acerca da sua culpabilidade” e que fez perguntas que iam dirigidas a “complementar as da acusação”.

“Terrorismo anarquista”, mas…

Quando chegou a Espanha? Quem conhecia? Que actividade desenvolvia? Onde vivia e com quem? Qual é a sua relação com o anarquismo insurreccionalista? Qual é a sua relação com a FAI/FRI? E com os GAC? Faz parte do Comando Mateo Morral? Defende o uso da violência com fins políticos? Teve relação com anarquistas condenados e na prisão? Tem uma brochura intitulada “Prazer Armado”? É seu o pedaço de petardo confiscado no seu domicilio? Usa a página web contrainfo.espiv.net? Usa o correio electrónico Riseup? Estas são as perguntas lançadas a Mónica e a Francisco pela fiscal da Audiência Nacional Teresa Sandoval, que tem no seu percurso profissional o caso “Aturem el Parlament” no qual pediu cinco anos e meio de prisão para cada um dos vinte acusados. Tanto Mónica como Francisco responderam somente às perguntas dos seus advogados, sendo que algumas delas coincidiam com as da acusação.

Porque veio para Espanha? “Depois do caso Bombas fui alvo de assédio policial e mediático”. Francisco explicou durante o julgamento que no seu país natal, o Chile, estudou Antropologia. Depois de ser acusado no caso Bombas, pelo qual passou nove meses em prisão preventiva e outros três em domiciliária até que foi absolvido após um julgamento que durou 10 meses e cuja absolvição foi rectificada pela Corte Suprema do Chile. Chegou a Espanha em Agosto de 2012 e matriculou-se na Universidade de Barcelona, num mestrado sobre identidades culturais o qual terminou com uma nota de 8,5. “Pensava seguir com o doutoramento” acrescenta Francisco perante a sala, após explicar que tinha um visto de estudante e que se mantinha em Espanha com ajuda económica da sua família.

Após explicar a sua situação pessoal, as perguntas da defesa foram dirigidas à ideologia anarquista de Francisco. “Sou anarquista porque creio que é em liberdade que as pessoas podem desenvolver o seu potencial…”, afirmou o acusado antes de ser cortado pela juíza Murillo com a frase “não nos interessa”. O advogado continuou, perguntando-lhe sobre o que entende por ser anarquista, mas de novo a juíza impediu a resposta espetando um “comícios aqui não”.

Francisco explicou que entre as actividades relacionadas com o anarquismo nas quais participou em Barcelona contam-se manifestações, conversas, debates. “Todas actividades públicas”. “Não tenho nada a ver com a colocação do artefacto” na Basílica de El Pilar. Sobre a visita à basílica de Montserrat em Barcelona onde, segundo a polícia, os dois acusados estavam a planear um atentado, Francisco afirmou que foi por interesse cultural. “Não é o primeiro templo católico que visito na minha vida. Não levava câmara fotográfica, não fiz planos, nem fui com a intenção de colocar um artefacto explosivo.”

“Pertencia a alguma organização criminal?” Não, a nenhum tipo de organização porque creio que limita a liberdade individual…”. A juíza volta a cortar: “Não nos conte o seu conceito de organização porque não nos interessa”

Chega a vez de Mónica. Quando foi detida tinha 25 anos. Também foi anteriormente processada no caso Bombas, no Chile, também absolvida, após passar nove meses em prisão preventiva. “Acusaram-me de pertencer a uma organização terrorista, de ter colocado artefactos explosivos nas portas de uma igreja. Um caso muito parecido a este.” Depois de ser absolvida no caso Bombas partiu do Chile, onde estudava Artes Visuais, devido ao assédio policial e mediático. A minha ideia era trabalhar em Barcelona”. Entrou em Espanha com visto de turista e trabalhou vendendo pastelaria a restaurantes chilenos. Desde que chegou a Barcelona começou a participar em rádios livres em Nou Barris e em vários ateneus. Afirma que a única vez que saiu da Catalunha desde a sua chegada a Espanha foi para visitar o País Basco. “Nunca estive em Zaragoza”

És anarquista? “Sou anarquista, entendo que a hierarquia é incompatível com a minha forma de pensar. Qualquer forma de comando, cúpula ou poder é prejudicial…” A juíza corta de novo: “Já entendemos”.

Durante a sua estadia na prisão escreveu algum texto? “Sim, sempre manifestei a minha posição ideológica, muitas vezes em apoio a outros presos. A solidariedade com os meus companheiros sempre foi mostrada de forma pública e aberta”.

A 12 de Novembro, a polícia chegou a sua casa, na que vivia com Francisco, em Barcelona com uma ordem de entrada e registo. Durante quatro horas procuraram todo o tipo de material, sem que houvesse nenhum advogado oficioso que os representasse, segundo confirmaram todos os testemunhos policiais que apareceram para testemunhar no julgamento.

Os acontecimentos segundo a polícia e outros testemunhos da acusação

“Às 15h chamaram-nos para nos avisar que um centro de estética perto da basílica tinha recebido uma chamada às 13.30 avisando da detonação. Era uma voz de homem” . A chamada foi realizada desde uma cabine a uns 300 ou 400 metros de distância da Basílica. Depois, através de redes sociais, tivemos conhecimento que um grupo que se denominava Mateo Morral reivindicava a acção”, explica o polícia, responsável do atestado redigido após a detonação. “Há uma redes sociais, contrainfo, que utilizam os colectivos anarquistas para reivindicar os seus atentados”, afirmou outro dos polícias que apareceram como testemunhas da acusação.

A explosão teve lugar às 13.50 no altar maior do templo, a uma hora em que este espaço estava fechado ao público, segundo os horários expostos na basílica. Cinco minutos antes, o pessoal da segurança da basílica tinha começado a fazer a ronda para esvaziar o espaço, onde ainda permaneciam um grupo de turistas americanos que, após a explosão, saíram a correr juntamente com a sua guia Karen, e algumas pessoas mais, entre elas uma mulher que sofreu um traumatismo leve num ouvido, segundo defende o relatório forense, e consequências psicológicas pelo “susto de morte” que teve, segundo explicou no julgamento. Como consequência da explosão, vários polícias explicaram durante o julgamento, o banco onde se tinha colocado o artefacto explosivo ficou a arder, partiram-se outros bancos e o templo encheu-se de fumo e pó. Afirmaram que não lhes constava que houvesse feridos por causa da explosão.

A polícia deu ordem de rastreio nas câmaras de segurança de edifícios oficiais e privados. A câmara de um restaurante nas imediações mostrou um casal que levava uma bolsa-geleira muito chamativa, explica o polícia. O casal que levava essa bolsa-geleira: uma mulher com um chapéu de palha e uma mochila, e um homem que tampouco se lhe distinguia o rosto e excessivamente abrigado. A mulher, segundo a polícia, “saiu da casa de banho dum restaurante depois de onze minutos, onde, se me permite elaborar, estava a preparar um artefacto explosivo”. Esta bolsa-geleira tornou-se no objecto central da investigação.

“Visionaram-se as imagens das câmaras do templo?” perguntou a defesa de Francisco. “Havia apenas uma e focava apenas uma das torres”, respondeu um dos polícias que testemunhou. E o pessoal do templo viu alguém suspeito? “Viram uma mulher que ia entrar com um chapéu, mas disseram-lhe que não podia entrar no templo e ela foi-se”. A principal prova apresentada pela Polícia Nacional, com a colaboração das brigadas de Zaragoza e Barcelona e sob a coordenação de Madrid, são fotos de biometria, uma técnica de reconhecimento de traços a partir de estatística e operações matemáticas tomando como fotos de amostra as imagens das câmaras de vigilância do restaurante, da estação de autocarros e do metro de Barcelona, nas quais não se distinguem caras. Perante perguntas da defesa, os polícias afirmaram não saber como era o funcionamento desta técnica de reconhecimento. Nem Francisco nem Mónica se reconhecem nas imagens biométricas apresentadas como provas contra eles.

Como apareceram os nomes de Mónica e Francisco na investigação?

“Na origem da investigação sobre grupos anarquistas em Barcelona e depois pelas imagens. Fizemos uma comparação com imagens de simpatizantes e anarquistas”, responde um dos polícias que testemunharam no julgamento.
Quem enviou essas imagens? “Estavam publicadas na internet” E sabe a sua procedência? “Algumas são de aquando o julgamento no Chile”.
Sabe se alguma destas fotos foram manipuladas antes de serem subidas na rede? “Não posso assegurar”.
E a partir daí manteve-se aberta outra linha de investigação? “Sim , para saber se podiam haver mais colaboradores”.
Porque foram usadas fotos destas pessoas e não de outras? “Pela sua relação com grupos anarquistas.

Seguiram-se mais linhas de investigação sobre outros suspeitos? Houve várias linhas de investigação sobre outras pessoas que iam no mesmo autocarro de Barcelona-Zaragoza? Seguiram a pista italiana? – continua o advogado de defesa – “A pista italiana no caso do anarquismo a polícia tem aberta desde…há muitos italianos com processos que têm relação com anarquistas espanhóis. Temos relação com polícias de vários países, mas não trabalhámos com eles para esta investigação” explicou durante o julgamento outro dos polícias, chefe da Brigada e responsável pela detenção de Mónica e Francisco. Minutos depois outro polícia explicava que as autoridades chilenas lhes haviam mandado um relatório sobre Mónica e Francisco, enquanto envolvidos no Caso Bombas, apesar de estarem já absolvidos. Segundo assinalou a advogada de Mónica, o comunicado de imprensa do Ministério do Interior, publicado na página web da instituição aquando da detenção de Mónica e Francisco assinalava que a investigação que havia provocado a operação Columna tinha-se realizado com colaboração com a polícia chilena. A juíza Murillo desestimou a apresentação deste comunicado como prova.


Written by

Cláudio Duque

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