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Lendo: Barrancos

Barrancos

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Pelos montes da raia no concelho de Barrancos sugerimos a descoberta do Parque de Natureza de Noudar. Por entre as ribeiras do Múrtega e do Ardila, que emprestam vida nestas terras de sol abrasador, descobrimos recônditos lugares onde gentes do Sul escolheram viver no azinhal, vestígio da vegetação natural que ocuparia esta região noutros tempos, e que cercava o Castelo de Noudar. Majestosa imposição humana da história portuguesa sobre um território, sem porém nunca lhe ter conseguido estabelecer quaisquer fronteiras culturais entre as suas comunidades, como o dialecto barranquenho nos recorda ainda aos ouvidos.

Para além do legado natural dos ecossistemas mediterrânicos, desfrutamos do património geológico-mineiro em vestígios de mineração pré-histórica ou no encaixe da ribeira de Múrtega. Mas esses são apenas alguns dos testemunhos da mão da natureza ou da passagem dos povos por estas terras de fronteira.

No ponto de partida de 5 percursos pedestres sinalizados no Monte da Coitadinha (www.parquenoudar.com), a memória do lugar leva-nos ao ano de 1936 – no início desse mundo em transformação que foi a Guerra Civil de Espanha – e a um dos mais marcantes testemunhos de solidariedade entre povos. Veja-se o documentário “Los Refugiados de Barrancos” de Ángel Hernández (2008) e acompanhe-se os percursos com a leitura de Dulce Simões (Barrancos. Na encruzilhada da Guerra Civil de Espanha. Memórias e testemunhos, 1936, Colibri, 2007).

 

Rio Ardila

 

Nas margens do Ardila – em 1936 “a linha divisória entre a vida e a morte” – desenrola-se uma verdadeira crise humanitária, com a perseguição dos vermelhos, republicanos e anarquistas, para serem fuzilados pelas hordas nacionalistas de Franco. “Na manhã de 21 de Setembro, aumentou a concentração de refugiados junto ao rio Ardila (do lado espanhol), frente às herdades da Coitadinha e das Russianas”. Estas tornam-se campos de refugiados improvisados, sem que aí tenha existido “um espaço demarcado de detenção com um policiamento rigoroso, permitindo aos refugiados transitarem entre os dois campos e compartilhando comida e informações” perante “o terror que trespassava a fronteira portuguesa, através de relatos de fuzilamentos de parentes e amigos, contribuindo para que portugueses e espanhóis partilhassem da emoção colectiva do conflito.” Em Barrancos, apesar do anti-comunismo do Estado português, “as estratégias de resistência das populações opuseram-se ao poder dominante, escondendo familiares e amigos conotados como “rojos” durante e após a guerra”

Os cerca de 1.020 refugiados de Barrancos embarcam de Lisboa para Tarragona em Outubro de 36, escapando à repressão nacionalista. Crucial foi a acção individual do Tenente Seixas, da Guarda Fiscal de Safara, que torneou o exército e a PVDE de Salazar instalados em Barrancos “para impedir a entrada de comunistas”, ao providenciar o transporte de todos os refugiados, cujo número exacto havia ocultado. Após o embarque, a Rádio República de Barcelona agradece a sua acção, afirmando: “El teniente Seixas aún era el único oficial portugués que los tenia en el lugar debido”. Acaba condenado por Salazar e reformado compulsivamente.

 Filipe Nunes
filipenunes@dev.jornalmapa.pt

 

 


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