Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Flauta de Luz
A revista Flauta de Luz é um atestado de quem sofreu ao longo dos anos uma tamanha indigestão com essa “regra segundo a qual a História produzida para consumo dos dominados de hoje deve ser cozinhada pelos vencedores de ontem”… Por via desse diagnóstico – exposto no seu último número por Jorge Valadas – não cessou Júlio Henriques ao longo dos anos a sua veia de escritor, tradutor e editor. Flauta de Luz é a sua mais recente aventura editorial num mapa que percorre a partir de Portalegre, auxiliado agora por este “Boletim de Topografia”, lançado em 2013 e disposto a coligir “textos de vária procedência que tendem para um diálogo subversor dos fundamentos do presente sistema imperial”.
A revista que em Março passado lançou o seu segundo número, contém textos de análise da situação actual portuguesa vistas a partir das topografias lusas e da reflexão de cronistas (Júlio Henriques, Jorge Valadas ou Miguel Teotónio Pereira) que não se detêm na data redonda dos 40 anos de democracia que viram surgir de forma directa, e muito mesmo nas ladainhas típicas de mitificação dos abris por cumprir. Olham antes para a forma como se deu o desenvolvimento do capitalismo e esta análise faz ponte para aquela que é uma linha mestra da revista: o desmontar peça a peça dessa Máquina, ou antes dessa sociedade “megamáquina em que todas as máquinas se interligam e deixam de ter autonomia”, numa crítica ao incessante desenvolvimento técnico, que outra coisa não é senão a forma como a “complexificação da «sociedade moderna» tem sido a resposta das classes dominantes às tentativas populares para pôr em causa o seu domínio e criar qualquer coisa de decente”. Nesse âmbito encontramos textos de Jacques Ellul (“Autonomização da Técnica”); Christian Ferrer (“In memoriam: os ludditas”) ou dos Amigos de Ludd (“George Orwell, critico da Máquina”) que prosseguem neste nº 2 a selecção iniciada no n.º 1 com Günther Anders, David Watson ou Dieter Sedlmyr. A partir dessa crítica prossegue a Flauta de Luz em demonstrar essa “qualquer coisa de decente” que o homem tem capacidade de criar. A qual surge, uma vez posta de lado a conceção de poder antropocêntrica, através do olhar indígena. Nesse ponto, a revista orienta a bússola à ameríndia e vai-lhe compilando uma antologia poética contemporânea, complemento essencial para entender as propostas de “Indigenismo e comunalidade” (Georges Lapierre e Quim Sirera) que desmistificam essa impossibilidade da recusa da Máquina. Na busca quiçá de idênticos desejos nestas latitudes de quem perdeu o Norte, a leitura desta revista é de todo aconselhável.
Filipe Nunes
Flauta de Luz – Boletim de Topografia: Painel da Antiqueira, 39
Vargem; 7300-430 Portalegre
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