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Lendo: 25 de Abril: há quarenta anos a liberdade passava por aqui

25 de Abril: há quarenta anos a liberdade passava por aqui

25 de Abril: há quarenta anos a liberdade passava por aqui


Pide em cuecas (a partir de foto de Eduardo Gageiro)

Pide em cuecas
(a partir de foto de eduardo Gageiro)

Nas ruas, casas, locais de trabalho e de estudo, enfim, por todo o lado, as pessoas viviam o sentimento de serem protagonistas de algo que superava a sua própria existência. A “Situação”, designação que tinha servido para nomear o regime ditatorial, finalizara com um golpe de Estado de tipo novo. Pela primeira vez na História, quadros intermédios de um exército, sem o conluio de civis, planificavam, preparavam e executavam o derrube de um regime político. Por todo o país, tão depressa como se foi sabendo do golpe do Movimento das Forças Armada (MFA), a população, desrespeitando as ordens de ficar em casa, saiu para as ruas apoiando o gesto dos militares, misturando-se com eles, passando a condicionar todos os planos previamente definidos, conferindo ao golpe militar um contorno revolucionário.

A “Situação” tinha feito crer que seria eterna, instalara na sociedade a sensação de presente perpétuo, que, por exemplo, levava os rapazes a pensar nos anos que lhes faltavam até irem para a tropa ou para o exílio no estrangeiro (uma minoria), fugindo assim à incorporação militar obrigatória. Entretanto, estes jovens viam regressar às suas terras irmãos, vizinhos ou conhecidos, uns ligeiramente feridos ou “apanhados do clima”, outros severamente amputados ou mortos no Ultramar “ao serviço da Pátria”.

A Guerra Colonial, para aqueles que estavam contra ela, a Guerra do Ultramar, para os que a defendiam, consumia quarenta por cento do Orçamento Geral do Estado, estava dada por perdida  por muitos dos que a faziam nas três frentes de batalha e constituiria a principal causa do golpe militar. Apesar da luta contra a ditadura, levada a cabo ao longo de quase meio século por milhares de homens e mulheres, animados e animadas pelas mais diversas ideologias, que conheceriam nesse trajecto a prisão, a tortura e nalguns casos a morte, a mudança não se enxergava. De súbito, da noite para o dia, essa ideia da eternidade do poder instituído revelou-se falsa. As imagens de agentes da PIDE em cuecas, rodeados por militares e civis, confirmavam a queda do regime.

O golpe militar de 25 de Abril, com o apoio popular que o caracterizou desde os primeiros momentos, abriu as portas a um processo revolucionário original. A passagem simbólica do poder, “para que não caísse na rua”, das mãos de Caetano para as mãos de Spínola, não evitaria que a partir de então, em crescendo e durante um ano e meio, fosse na rua, nos locais de trabalho e de estudo, que se decidiriam as grandes questões.

Logo nos dias seguintes ao derrube da ditadura começaram as greves por melhores salários, condições de vida e de trabalho (que  lograriam todos esses direitos que de há uns anos para cá foram sendo paulatinamente retirados). Das manifestações multitudinárias exigindo: “pão, paz, habitação, saúde, educação” ou “nem mais um soldado para as colónias”, passou-se à ocupação pelos trabalhadores de empresas, cujos proprietários tinham abandonado o país; de casas vazias, pelos que não tinham tecto; e dos latifúndios, pelos que trabalhavam a terra.

O sistema, surpreendido pelo fim do regime ditatorial e debilitado pelo fracasso de duas tentativas de golpe militar para repor a ordem, (28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975), estava aturdido pela ausência de um centro de poder. O Governo dizia que as ocupações eram ilegais, o COPCON, estrutura criada pelo MFA que comandava as forças especiais, legalizava-as.

O mundo inteiro, aparentemente colhido de surpresa, observava a explosão de entusiasmo desencadeada após o derrube da ditadura nas gentes deste pequeno país. As atenções de todos os continentes focavam-se aqui. Uns pela ilusão do exemplo, outros receosos desta novidade, todos expectantes com a  “revolução em Portugal”. Dos que têm por função perpetuar o sistema de dominação, alguns foram encarregados do problema, como a seguir se verá.

Estava muita coisa em causa. Aqui ao lado, em Espanha, Franco estava com os pés para a cova. Tanto ou mais que Portugal, o que os preocupava eram as consequência do processo revolucionário português no país vizinho e, por contágio, no resto da Europa. Expertos em contra-revoluções, agentes de vários serviços secretos, alguns dos quais se deram a conhecer nos últimos dias, passaram a “monitorizar” Portugal, intervindo com os meios necessários para pôr termo ao processo revolucionário em curso. Da Alemanha choveram milhões de marcos canalizados pelas fundações do SPD e da CDU, directa e respectivamente para os partidos irmãos: PS e PPD/ PSD, a acompanhar o dinheiro viajaram “assessores” políticos. Dos EUA, para além dos dólares destinados aos mesmos actores, vieram agentes da CIA que orientariam a acção dessas forças contra-revolucionárias e apoiariam tecnicamente as organizações de extrema-direita que puseram o país a ferro e fogo com uma campanha de atentados, ao mesmo tempo que preparavam o golpe militar de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim à “revolução dos cravos”. O campo revolucionário, apesar da correlação de forças lhe ser claramente favorável, “não foi à luta”, dizem alguns, “para evitar a guerra civil”. Os protagonistas do lado vencedor, hoje tão críticos com a situação a que chegámos, não tiveram essa preocupação, justificando-se no perigo de instauração de uma ditadura comunista. A ditadura financeira de cariz democrático que hoje envolve o planeta muito lhes deve.

Portugal foi um laboratório de como evitar ou combater processos revolucionários. Estes ensinamentos foram imediatamente postos em prática em Espanha, seguir-se-iam nos países do Leste europeu e, mais recentemente, nas “primaveras árabes”.

delfimcadenas@dev.jornalmapa.pt

 


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Delfim Cadenas

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