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Lendo: Doze mortos…

Doze mortos...

Doze mortos…


texto enviado por email dia 15-01-2015


 

Doze mortos. Doze corpos sem vida em poucos minutos. Sabemos que nas
guerras morrem muitíssimas mais pessoas em muito menos tempo, devido a uma
bomba lançada de um avião, devido a gases letais, devido a uma mina
antipessoal. Mas não estamos em guerra. Estamos em democracia. O mundo
livre ambicionado. A imagem que todo o mundo deseja: a grande Europa, a
civilização exemplar.

Doze mortos, assassinados a tiro por uns tipos que estão em guerra, que
estão treinados para matar.

Não se confundam. Não é a imagem plenamente explorada da morte de uns
desenhadores e de outros membros de uma revista satírica parisiense há
poucos dias que nos vem à mente, mas a memória dos doze corpos desses
migrantes subsarianos atacados e afogados pela Guardia Civil há quase um
ano, a 6 de Fevereiro de 2014, quando esta polícia militar os obrigou a
retroceder para mar alto. Foram mais os assassinados, mas só se encontraram
12 corpos. Os restantes foram engolidos pelo mar.

Não se fizeram grandes manifestações de repúdio e ninguém pensou na frase
“todas e todos somos migrantes a morrer às portas da Europa”. Claro, não
eram brancos nem vinham de países ricos, mas foram assassinados de uma
forma cruel e terrível. Não em defesa de uma qualquer religião nem por
fundamentalismo, aparentemente, mas em defesa da sagrada fronteira e do
Estado. Para demarcar mais uma vez a sangue e fogo a sua fronteira. Não
havia intenção de matar os migrantes que ousavam entrar em território
espanhol, assegurava o ministro de Interior, Jorge Fernandez, e a sua
Guardia Civil, mas sim “traçar uma espécie de fronteira aquática através do
impacto das balas na água.” Não há aqui nenhuma brincadeira. Falam a sério.

Em 2014, só no mar Mediterrâneo, a fronteira marítima da Europa, mais de
3 200 migrantes que tentavam entrar no continente europeu morreram afogados
em menos de 12 meses, sem contar com todos os mortos pelas diferentes
polícias fronteiriças nas diferentes fronteiras e nos desertos onde são
deixados sem água e sem alimentação e com aqueles que morrem assim que
chegam ao paraíso europeu em Centros de Internamento para Estrangeiros ou
nas ruas às mãos da polícia e de agressores fascistas, já que ao chegarem
ao território europeu as boas-vindas não são muito diferentes do tratamento
que recebem na suas portas de entrada. A perseguição policial contra
populações inteiras (principalmente aquelas que trazem marcada na sua pele
a sua procedência), a crescente xenofobia, o racismo fomentado pelos meios
de comunicação e pelos políticos, as campanhas contra quem não seja
identificável como “europeu”, será isto Charlie?

Charlie é europeu e por isso nem todos somos Charlie. Existem valores,
costumes, até mesmo piadas (algumas um pouco irritantes) que identificam
bastante bem esse ente abstracto que tem a pretensão de se chamar
“europeu”. Mas o que é certo é que há muitíssima gente, principalmente a
que não se pode identificar com os valores dominantes, aquela a partir da
qual se define o que “é” e o que “não é” europeu, que não se pode
identificar com Charlie nem com os seus valores, e muito menos com o seu
sentido de humor.

Esse “Eu Sou Charlie” tenta traçar uma linha bastante precisa: quem não
está connosco, está contra nós. Milhares de pessoas marcharam em Paris sob
esse lema. À marcha não faltou Rajoy que, entre outras façanhas, também
aterroriza os migrantes nas fronteiras e nos calabouços espanhóis, nem
Netanyahu que, com o seu exército, ataca centenas de palestinos na sua
Terra Sanctae e prende ano após ano israelitas que se negam a participar na
sua forma particular de aterrorizar, e muito menos Erdogan que espalha o
terror sobre o povo curdo. Também não faltaram os chefes das principais
potências capitalistas. Todos os chefes de Estado, guardiões do império e
da civilização, marcharam contra a barbárie. Conjuntamente, milhares de
fascistas de todo o continente aproveitaram o impulso de Charlie para sair
e semear num terreno mais fértil a sua merda que em breve começará a dar
frutos mais ácidos.

E as ruas de Paris e Barcelona, assim como as de muitas outras cidades,
estão cada vez mais militarizadas em defesa desses valores europeus.
Pode-se ver o mercenários do Estado preparados com caçadeiras e
metralhadoras, demarcando a tiro, como fizeram nas águas de Ceuta, uma
fronteira: com os impactos das balas assinalar-se-ão os limites que
separarão o dentro e o fora, o que é e o que não é Charlie.

Que diz o Charlie desse terrorismo? Também fará ilustrações engraçadas e
divertidas dele? Porque para nós o mundo de merda em que vivemos não tem
piada. Isso significa “apoiar” o fundamentalismo? De nenhuma forma. Não
queremos que nenhum fundamentalismo nos assuste e oprima. É-nos indiferente
que na sua epígrafe se leia “Estado islâmico”, “Estado Laico”, “Estado
Charlie” ou só “Estado”. Falar-nos-ão de liberdade de expressão, como
sempre. Mas quem conhece a “liberdade de expressão” do Estado sabe a
relação que tem com o terror: a sua existência está fundamentada no medo. A
“liberdade” de que o Estado fala é a expressão do monopólio da violência.

Por isso, estes acontecimentos demonstram, uma vez mais, que todo o
Estado é terrorista.

Algumas anarquistas,

Barcelona, 14 de Janeiro de 2015

 

 


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Jornal Mapa

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