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Lendo: Os centros de triagem são centros de detenção

Os centros de triagem são centros de detenção

Os centros de triagem são centros de detenção


Será a presidência belga a tomar em mãos a continuação da implementação do Pacto sobre Migrações e Asilo, nomeadamente o regulamento relativo ao rastreio de migrantes, que irá normalizar a perseguição, por todo o território europeu, de comunidades racializadas.

Em Maio de 2023, as Organizações não Governamentais (ONG) Médicos Sem Fronteiras, BXLRefugees, Caritas Internationalis, CIRÉ, Hub Humanitaire, Médicos do Mundo e Vluchtelingenwerk Vlaanderen publicaram um relatório sobre a situação crítica no acolhimento de requerentes de protecção internacional na Bélgica. Aí, indicavam que, desde Outubro de 2021, o governo belga não estava a cumprir a Directiva sobre Condições de Acolhimento, que estipula que os requerentes de asilo têm direito a alojamento, uma vez que, por essa altura, cerca de 2 100 requerentes de asilo não o tinham. Até Maio de 2023, os tribunais belgas tinham proferido 6 761 decisões que condenavam o facto de a Bélgica não conceder alojamento aos requerentes de asilo. Em simultâneo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ordenou 1 656 medidas provisórias a este respeito. É esta Bélgica que ignora direitos humanos, directivas europeias e decisões judiciais que está na presidência da União Europeia (UE) desde 1 de Janeiro de 2024 e que pretende apressar uma possível reforma das políticas de asilo a nível europeu.

Tudo isto se passa numa Europa onde a própria Comissão Europeia (CE) afirma que o contrabando de migrantes nunca foi tão lucrativo nem tão mortífero, apesar de uma década de políticas oficialmente orientadas para o combater. «Nunca antes o negócio do contrabando foi tão lucrativo e tão mortífero», afirmou a presidente da CE, Ursula Von der Leyen, no dia 28 de Novembro. Dias antes, a Finlândia, em resposta a uma alegada «ameaça híbrida» decidira que os requerentes de asilo que chegassem a território finlandês por via terrestre, vindos da Rússia, teriam de apresentar os seus pedidos a cerca de 300 quilómetros a norte do Círculo Polar Ártico – no remoto posto fronteiriço de Raja-Jooseppi. «Estamos no inverno finlandês», disse Annu Lehtinen, directora executiva do Conselho Finlandês para os Refugiados, em declarações ao EUobserver na quinta- -feira, 23 de Novembro. Ainda de acordo com Annu Lehtinen, o encerramento dos pontos de passagem da fronteira terrestre entre a Finlândia e a Rússia «não está em conformidade com os acordos internacionais ou com o direito internacional e da UE».

O assédio policial arbitrário a comunidades racializadas será vertido em letra de lei, instigado e normalizado.

Regulamento para o rastreio

Não será, pois, necessário esperar pela segunda metade de 2024, quando a Hungria assumir a presidência da UE, para que o Pacto sobre Migração e Asilo, que a UE anda a cozinhar há quase quatro anos, aprofunde a lógica militar de gestão de fronteiras e a normalização da discriminação racial. Nos termos do regulamento relativo ao rastreio – um dos principais dossiers do pacto – todos os recém-chegados serão submetidos a um processo de triagem para eliminar os que se considere terem pedidos infundados. Esse processo decorrerá nos chamados Centros Fechados de Acesso Controlado, financiados pela UE, que são tipos de instalações já experimentadas na Grécia com um registo lamentável de repressão e violação de direitos e dignidade.

De acordo com o artigo 5.º deste regulamento, a polícia e as autoridades fronteiriças poderão obrigar as pessoas que não consigam provar uma entrada regular a submeterem-se a um controlo, não só na fronteira, mas em qualquer ponto de um país da UE. Na prática, isto significa a definição maciça de perfis étnicos de pessoas não brancas, e o encorajamento de rusgas e detenções ilegais baseadas numa aleatoriedade policial que faça mira a qualquer pessoa que, nas suas cabeças, «se pareça com um migrante».

Com um sistema deste tipo já implementado, a Grécia é um exemplo perfeito para se perceber o que são, na prática, os procedimentos de controlo no território. Os requerentes de asilo que não possam provar a sua identidade e nacionalidade são levados para Centro de Receção e Identificação, onde podem ficar detidos até 25 dias. Uma investigação recente, publicada em 16 de Novembro pela Mobile Info Team e pela Refugee Legal Support revela detenções ilegais de facto, falta de apoio médico e de avaliações adequadas para os casos mais vulneráveis, bem como atrasos crónicos no tratamento dos pedidos. A lei europeia (a Directiva relativa às condições de acolhimento) afirma que uma pessoa não pode ser detida pelo simples facto de procurar asilo; o Conselho e a Comissão afirmam continuamente que a triagem não equivale à detenção; mas a Grécia demonstra cabalmente que os centros de triagem são centros de detenção onde se vai parar com base na cor da pele. O assédio policial arbitrário a comunidades racializadas, já tão comum, será, desta forma, vertido em letra de lei, e, como tal, instigado e normalizado. Não apenas nas fronteiras, mas em qualquer lugar de qualquer território que seja parte da UE.

 


Ilustração [em destaque] de  Ana Farias


Artigo publicado no JornalMapa, edição #40, Janeiro|Março 2024.


Written by

Teófilo Fagundes

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