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Lendo: Barragem do Pisão: últimos meses para salvar o Alentejo de mais um mega-projeto

Barragem do Pisão: últimos meses para salvar o Alentejo de mais um mega-projeto

Barragem do Pisão: últimos meses para salvar o Alentejo de mais um mega-projeto


Em meados de maio, deverá conhecer-se a empresa escolhida pela Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo para a construção da Barragem do Pisão, no Crato, Portalegre. A Ribeira de Seda, que nasce do encontro de vários ribeiros na Serra de São Mamede e serpenteia por freixos e amieiros, represas e pontes de xisto, seria interrompida por um paredão de betão de 54 metros de altura.

Também conhecido como Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, o projeto inclui uma central fotovoltaica, uma mini-hídrica e uma vasta rede de canais de regadio. Nas palavras do governo cessante, é «uma grande oportunidade para o Alto Alentejo, à semelhança do que aconteceu com o Alqueva no Baixo Alentejo.» «Dos 160 mil projetos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência», confessou em janeiro deste ano o então primeiro-ministro António Costa, «nenhum deu mais dores de cabeça, nenhum exigiu maiores discussões e maior ginástica».

E não é fácil perceber que ginástica terá permitido à Barragem do Pisão obter financiamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Estes fundos europeus implicam que os projetos respeitem o princípio de «não prejudicar significativamente» (do no significant harm), quanto a impactos no clima, água, economia circular, poluição e biodiversidade.

O principal argumento é que a barragem servirá para o abastecimento público de água de cerca de 55 mil pessoas, em oito concelhos. Mas a população é abastecida pela barragem de Póvoa e Meadas, que tem capacidade para servir o triplo da população atual.

A ZERO, uma das organizações que, nos últimos anos, procuram denunciar os impactos e os interesses associados ao projeto, revela que o uso previsto de água para abastecimento público seria cerca de 1% do volume de afluências anuais. O uso para rega? 65%. Números que clarificam a natureza do projeto: apoiar a expansão da agro-indústria intensiva e das monoculturas de regadio pelos campos do Alentejo.

«Para quê e para quem?»

Cerca de 40 quilómetros a jusante, esta mesma Ribeira de Seda perde-se já numa enorme barragem: a barragem do Maranhão, construída nos anos 50. Também ela previa o abastecimento de água potável à população, mas nunca tal aconteceu…

Nos últimos anos, as margens da sua albufeira foram cobertas com milhares de hectares de olival intensivo. Na primavera do ano passado, o Maranhão estava nas notícias: manchas de espuma azul, lodo, pasta branca, denunciavam uma perigosa albufeira poluída com cianobactérias. Segundo a autarquia de Avis, isto era resultado da enorme quantidade de agro-químicos, que, com a chuva, acabam na água.

Entretanto, os agricultores que beneficiam deste regadio mais a sul alertam que a barragem do Pisão pode deixar a do Maranhão à míngua de água. Numa região onde já existem 12 grandes barragens, Pedro Horta, da ZERO, deixa a questão: «Para quê e para quem mais uma?»

A consulta pública decorreu no pico do verão. Contou com 181 participações. Quinze dias úteis depois,
a APA emitia declaração ambiental favorável. Para a Quercus, “a decisão final já estava tomada”.

«Por mais que a dúvida seja de alguns, a vontade é de todos», assevera o presidente da Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo, Hugo Hilário, que é autarca de Ponte de Sôr há mais de uma década e antigo quadro da corticeira Amorim. Afirma que a Barragem do Pisão é «uma das mais importantes páginas da história do Alto Alentejo, que transformará o nosso território e lhe garantirá mais sustentabilidade económica e ambiental futura».

Na verdade, 50 anos após o 25 de abril, continua a concretizar-se a visão do regime fascista para o Alentejo: subvenções estatais a apoiar grandes proprietários e empresários agrícolas e disseminação de monoculturas intensivas. A Barragem do Pisão é uma proposta de 1957, do Plano de Rega do Alentejo – o projeto do Estado Novo para suceder à Campanha do Trigo que, nos anos 30 e 40, provocara o desaparecimento quase total das florestas naturais e o esgotamento dos solos alentejanos.

Os fundos europeus do PRR permitiram desenterrar o velho projeto, mas escondem o verdadeiro custo para as contribuintes. «Omitido das notícias empurradas pelo promotor e pelo anterior governo está o facto de os 140 milhões do PRR virem a título de empréstimo», explica ao MAPA Pedro Horta.

E, no entanto, «não conseguem cobrir talvez nem metade dos custos totais.» De facto, se o projeto avançar, os custos poderão superar os 300 milhões de euros.

«Segundo as aferições referidas pelo próprio promotor», revela, «vão ser cerca de 50 grandes proprietários a beneficiar com o investimento público». E interroga-se: «Não existem formas mais sensatas de investir nesta região?»

Monoculturas ou montado

A consulta pública da Barragem do Pisão decorreu em 2022. Como é frequente em projetos polémicos, foi lançada no pico do verão. Contou com 181 participações.
À exceção das autarquias locais e de duas associações de empresários agrícolas, todas as participações, de associações, empresários e cidadãos, declararam e fundamentaram a sua oposição ao projeto. Quinze dias úteis depois, a Agência Portuguesa de Ambiente (liderada por Nuno Lacasta, antes de se tornar arguido na Operação Influencer) emitia declaração ambiental favorável condicionada. Para a Quercus, «a brevidade inédita deste processo mostra que a decisão final já estava tomada». Em setembro, o governo classifica a barragem como «empreendimento de interesse público nacional», para permitir «maior flexibilidade e celeridade ao nível dos procedimentos administrativos», nomeadamente para o abate de espécies protegidas.

A concretizar-se, a nova albufeira implicará o desmatamento de 540 hectares de montado. Este resiliente sistema agro-silvo-pastoril é um aliado na mitigação e adaptação às alterações climáticas e proteção da biodiversidade. Travar o seu declínio e apoiar a sua regeneração permite que o solo retenha grandes quantidades de carbono – e de água.

Os 725 hectares de águas paradas submergiriam ainda a aldeia do Pisão, onde vivem 70 pessoas. Em fevereiro passado, esta população foi convidada a preencher um questionário sobre preferências para a nova aldeia onde seria realojada.

«Há um misto de frustração, já que é um projeto antigo que tem mantido a população na incerteza do futuro há anos, de expectativa, pelas promessas de “desenvolvimento” e “reversão do despovoamento” que tipicamente se vendem nestes mega-projetos, e de resignação».

«Os custos públicos são evidentes: uma povoação inteira desenraizada; mais de 58 mil azinheiras e sobreiros, a maioria saudável e em povoamentos, arrancada; e a previsível artificialização de um território pelas monoculturas da moda. Não se espera emprego digno que justifique o investimento, nem tão pouco um estancamento da compressão demográfica da região», resume Pedro Horta.

Na ausência de crítica e resistência por parte das populações, a ação tem passado pelo foro judicial, «para procurar restabelecer sanidade no investimento público.» Atualmente, decorre um processo de impugnação da Declaração de Impacte Ambiental, iniciado pelo GEOTA, com adesão de outras organizações de ambiente.

Decorre ainda um diferendo entre duas APA. A Associação Portuguesa de Antropologia emitiu três pareceres negativos à Agência Portuguesa do Ambiente, criticando a pobreza do processo de desalojamento da aldeia do Pisão, notando a ausência de um plano de monitorização e de profissionais de antropologia. A associação afirma que continuará «a participar ativamente na defesa do território, da sua população e da sua imensa riqueza cultural e natural contra uma lógica de desenvolvimento puramente extrativista.»

Na edição de dezembro de 2022 do Jornal MAPA, o presidente da Quercus de Portalegre, José Janela, afirmava que, para a obra não avançar, é necessária «uma tomada de consciência do que está em causa» e que esta leve a «ações diretas em defesa das árvores e de todo o ecossistema ameaçado.»

 


Legenda da fotografia [em destaque]: A Ribeira de Seda brota na Serra de São Mamede e está ameaçada por um novo paredão de 54m de altura – Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo.


Artigo publicado no JornalMapa, edição #40, Janeiro|Março 2024.



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