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Lendo: Livraria Aberta

Livraria Aberta

Livraria Aberta


A Livraria Aberta é o mais recente espaço de venda do Jornal MAPA na cidade do Porto. Obra do casal Paulo Brás e Ricardo Braun, situa-se nos números 297 e 299 da Rua do Paraíso e funciona de segunda a sábado, entre as 10h00 e as 13h30 e entre as 14h30 e as 19h00. Afirma-se uma livraria queer e não se limita a vender livros, zines e o Jornal MAPA: desde 2021, quando abriu, a Livraria Aberta acolhe sessões à volta de livros e de outras artes que se deixam contaminar pela literatura.

Tendo em conta o ano em que as portas da livraria se descerraram, o nome «Aberta» é uma vingança contra a Covid-19, um grito de raiva contra eventuais atrasos, um «contra tudo e contra todos» ou uma declaração de princípios?

A ideia nasceu, de facto, durante o primeiro confinamento, na primavera de 2020, quando nos vimos em casa, ainda que a trabalhar, sem grande ideia do que teríamos à nossa espera quando voltássemos. No segundo confinamento, no inverno de 2021, já tínhamos tudo pensado e só tivemos de esperar para poder abrir a empresa, alugar o espaço e começar a trabalhar. Decidimos abrir a 28 de junho, o dia da revolta de Stonewall, em 1969, e abrimos assumidamente em construção, sem festa, com as estantes meio vazias e sem conhecermos uma única das pessoas que hoje ocupam a casa como clientes e amigos.

O nome «Aberta» pode ser lido como entenderem, mas partiu da nossa vontade de criar um catálogo verdadeiramente inclusivo. O nome diz ao que vimos. De todas essas opções, por isso, parece-nos uma declaração de princípios.

A Livraria Aberta, apesar de presente em algumas redes sociais, ainda não tem sequer um site em funcionamento. Percebe-se algum distanciamento em relação ao mundo não palpável da vida electrónica. A prioridade é toda dada, claro, ao livro enquanto objecto físico. Acham importante não se desistir do papel? O livro é mesmo fundamental na era dos e-books?

Apesar de termos pensado em criar um site desde o primeiro dia, não o fizemos ainda, dois anos e meio depois, porque tudo o que criamos tem de servir o trabalho da livraria, tem de nos apoiar, e ainda não descobrimos uma forma de ter uma loja virtual que nos satisfaça. Fazem-nos na mesma encomendas à distância, através das redes sociais e do email, por isso até hoje não sentimos que a nossa menor presença online nos prejudique, muito pelo contrário. De resto, temos até vindo a reduzir essa presença. Em vez de fazer mais, de ter mais redes e mais botões para clicar, temos tentado fazer melhor e, acima de tudo, à nossa maneira. Pensámos em estratégias para que a conversa possa ser o mais profunda possível com quem a quiser ter. O facto de termos uma newsletter semanal, que nem serve propriamente para falar das novidades literárias, serve-nos melhor do que termos uma montra digital. Nelas falamos de livros, de filmes e dos temas em que andamos a pensar semanalmente, muitas vezes fruto dos eventos que acontecem na livraria.

Porque também sabemos como é difícil fazer investigação em Portugal, partilhamos sempre com os nossos amigos as versões digitais dos livros e artigos que já não é possível arranjar. Não estamos aqui a falar de uma economia que já existe, mas de uma forma de suprir lacunas importantes. Por isso, a relação da livraria com esta geração de pessoas que andam a fazer investigação, esta partilha do que se pode e do que já não se pode vender, vê-se já em algumas teses de mestrado e doutoramento defendidas no último ano e meio. As editoras portuguesas ainda não apostaram nos formatos eletrónicos como o fazem outros países, e por isso, felizmente para a livraria, para a grande maioria dos livros que vendemos não há como fugir do papel.

O que é uma livraria queer? Que espaço não ainda ocupado por outras livrarias vem a Livraria Aberta ocupar?

Para nós, em 2021, o termo «queer» fazia mais sentido para o que queríamos: porque é estranho, porque é ambíguo e, consequentemente, mais lato. No norte global, há livrarias como a nossa, no mínimo, desde 1967. Claro que as palavras vão mudando, e já houve quem comunicasse o seu espaço como sendo uma livraria gay ou LGBT, sobretudo nas últimas décadas do século XX. Esses espaços faziam o que o nosso também faz, eram lugares seguros para quem lê e davam destaque a determinados livros, mas cumpriam outras funções que a internet veio, em grande parte, substituir. E, na verdade, para muita gente, a nossa livraria não parece sequer uma livraria. Perguntaram-nos muitas vezes se éramos um projeto temporário, porque não temos a quantidade de livros que outras livrarias têm.

Na prática, quem nos procura, ou nos encontra ao acaso, vai encontrar um catálogo interseccional de autoria ou representação LGBTQIAP+ e racializada, teoria feminista, estudos de género, e histórias de discriminação e resistência. Temos ainda uma grande área cinzenta, feita daqueles livros que permitem ou pedem uma leitura queer, independentemente das intenções de quem os escreveu. Não nos interessa definir ou fechar conceitos e, por isso, organizamos os livros por ordem alfabética de autoria e nunca por tema ou género literário. Temos ainda uma pequena secção infantil e juvenil, com livros que servem para que as crianças e os adultos possam começar a falar destas questões.

É importante salientar ainda que, apesar de sermos a primeira livraria queer a existir no Porto, somos a segunda em Portugal, depois de Jó Bernardo ter gerido a Esquina Cor-de-Rosa, em Lisboa, de setembro de 1999 a fevereiro de 2005.

Quando se criam projectos deste tipo, há sempre objectivos, expectativas, caminhos que se esperam percorrer em direcção a qualquer coisa. Que balanço fazem destes dois anos e meio de abertura?

Enquanto negócio sustentável, por um lado, e enquanto projeto que conseguiu marcar o seu espaço do ponto de vista estético e curatorial, por outro, a livraria tem-se provado a si mesma e não precisa da nossa defesa. Claro que é difícil explicar como é importante que exista uma livraria queer. As pessoas não podem sentir falta de algo que nunca tiveram, e a maior parte do nosso público não chegou a conhecer a Esquina Cor-de-Rosa. Além disso, há ainda a nossa forma de termos uma livraria temática. Outras pessoas fariam algo completamente diferente e que seria igualmente válido. A livraria podia ser mais virada para o público turista, ter mais coisas à venda para além dos livros, estar menos envolvida com as associações ativistas e os espaços comunitários da cidade. Mas esta é a livraria que escolhemos abrir.

Por isso, o nosso balanço nesta fase só pode ser positivo, a vários níveis. Criámo-lo do zero e temos o privilégio de poder dar ao negócio tempo para vê-lo crescer, o que obrigou a sacrifícios da nossa parte, evidentemente. E não podíamos tê-lo feito sem as pessoas que têm decidido ajudar-nos a construir a casa, as pessoas que estão presentes, que participam das nossas conversas, que nos sugerem livros e que partilham connosco o bom e o mau das suas vidas.

Se alguém chegar à Livraria aberta e pedir para ler o MAPA, o que lhe aconselhariam, assim à laia de menu, para acompanhar essa leitura?

Os ensaios de Ailton Krenak (tanto as edições brasileiras como o único título publicado em Portugal, A vida não é útil: ideias para salvar a humanidade, ed. Objetiva) ou Bichxs de merda: Aristóteles, fêmeas e outros monstros de-generativos de P. Feijó (ed. maio maio); as antologias de poesia Queer Nature (ed. Autumn House) ou We Want It All: An Anthology of Radical Trans Poetics (ed. Nightboat Books); os romances A charca de Manuel Bivar (ed. Língua morta) ou As malditas de Camila Sosa Villada (ed. BCF, tradução de Helena Pitta). Aconselharíamos ainda qualquer concerto, exposição, publicação ou performance a que consigam deitar a mão da Odete ou do coletivo The Cursed Assembly.

 


Versão alargada da entrevista publicada no JornalMapa, edição #40, Janeiro|Março 2024.


Written by

Teófilo Fagundes

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