Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Circo político madeirense no cabo bambo de um teleférico
No dia 1 de Dezembro, apesar de chuva, vento e frio, realizou-se uma manifestação na Eira do Serrado, um dos icónicos pontos de observação da paisagem madeirense, contra um projecto que promete elevar o investimento turístico na ilha a níveis megalómanos. Promovido na imprensa regional sob o paradoxal título de «teleférico ecológico e “zip line” mais longo da Europa» (1), o projecto «Sistema de Teleféricos e Parque Aventura do Curral das Freiras», cuja implementação rondaria os 47 milhões de euros, inclui uma zona de escalada, pontes suspensas, slides, rapel, um zip line com 2,3 quilómetros de comprimento e duas linhas de teleférico. Um dos teleféricos, que contaria com 15 lugares, ligaria o Montado do Paredão ao Curral das Freiras, enquanto o outro «sobrevoaria» o vale, através de uma cabine de 50 lugares, desde o Montado do Paredão à Boca da Corrida, a mais de 1000 metros de altitude.
Promovido na imprensa regional sob o paradoxal título de «teleférico ecológico e “zip line” mais longo da Europa» (…) inclui uma zona de escalada, pontes suspensas, slides, rapel, um zip line com 2,3 quilómetros de comprimento e duas linhas de teleférico.
O Movimento «É Possível Impedir a Destruição», que já havia lançado uma Petição Pública em defesa do Montado do Paredão – classificado como Zona Especial de Conservação, o que (supostamente) lhe conferia o estatuto de área protegida – e requerido uma providência cautelar para travar o projecto em causa, alega que este, além de implicar a desfiguração de uma paisagem natural única, representa uma ameaça à nidificação da freira da Madeira – espécie endémica em risco de extinção. Não obstante, em finais de 2021, seria adjudicado um Estudo de Impacto Ambiental, que custaria ao erário público mais de 85 000€. Esse período coincide com o início dos protestos contra o projecto, aquando da emissão da declaração de utilidade pública, que permitiria a expropriação dos terrenos necessários à execução da obra por parte do governo regional, que terá reservado 370 mil euros para esse fim ainda antes da realização do Estudo de Impacto Ambiental (2). Esta agitação popular terá dado lugar a um website (3) e a uma conta de Instagram (4) dedicados a divulgar os desenvolvimentos deste projecto e as acções de protesto contra a sua concretização. Para lá de uma perspectiva ambiental, alguns habitantes do Curral das Freiras, freguesia situada num profundo vale rodeado por montanhas, criticam o facto de se priorizar esta obra turística em detrimento da construção de um acesso alternativo à vila, uma promessa reiterada ao longo dos vários governos social-democratas, visto que o único acesso viário actual é através de um túnel de quase 2,5 quilómetros, cuja circulação fica ocasionalmente condicionada devido à queda de rochas.
O promotor do «Sistema de Teleféricos e Parque Aventura» é o próprio governo regional, ironicamente, por via do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN). Este projecto de iniciativa privada fora classificado como «bem de utilidade pública» sob os previsíveis pretextos de valorização (mercantil) da paisagem, de crescimento económico e de criação de postos de trabalho, ao incorporar uma nova atracção turística desse grande parque de diversões em que o governo visa tornar a ilha da Madeira. Argumentos mais cómicos incluem a alusão a «uma gestão sustentável do espaço natural… que assegure às gerações vindouras um património natural biologicamente equilibrado», como se tamanha construção pudesse ser benéfica para o ecossistema; permitir, «quer à população da Região Autónoma da Madeira (RAM), quer a todos quantos a visitam, usufruir de um dos espaços naturais privilegiados da Região, desfrutando momentos aprazíveis de elevada qualidade cénica, de contacto direto com a cultura, com a natureza e com a riqueza florística, faunística e geológica característica daquela zona», enquanto se corrompe esse mesmo cenário com longos cabos e gigantes estruturas de betão; contribuir «para a diminuição de congestionamento automóvel e para uma verdadeira sustentabilidade ambiental» (5), como se se pretendesse fazer dos teleféricos um novo meio de transporte público, à semelhança do que acontece (e bem) na capital boliviana.
A respectiva consulta pública, aberta entre 28 de Fevereiro e 8 de Abril de 2022, contou com 402 participações individuais, nenhuma das quais positiva (6). Como evidência de que tais consultas públicas servem apenas para forjar uma ilusão democrática, no seu relatório interno todas as participações aparecem classificadas como «não tratadas». Demonstrando um completo desprezo pela opinião popular, a autorização da adjudicação é emitida no dia 20 de Setembro, quatro dias antes das eleições regionais. Na sequência da vitória da coligação PSD-CDS, o contrato de concessão é assinado, a 16 de Outubro, com a Inspira Capital Atlantic, Sociedade de Investimento e Consultoria, LDA. O contrato, que obriga ao pagamento de uma renda mensal de 2 000€ por parte da empresa ao governo regional, tem a duração de 50 anos a contar da data de início de exploração, com possibilidade de renovação por período adicional de dez anos.
Demonstrando um completo desprezo pela opinião popular [402 pareceres negativos em consulta pública], a autorização da adjudicação é emitida no dia 20 de Setembro, quatro dias antes das eleições regionais.
Este projecto megalómano segue a linha de sacrifício dos ecossistemas endémicos sob o pretexto da captação turística – ainda que grande parte dos turistas sejam atraídos precisamente pela beleza natural da Madeira. O mesmo sucedeu com a polémica proposta de alcatroar o caminho florestal das Ginjas, em plena Laurissilva (floresta nativa). No entanto, o mais recente artigo do Diário de Notícias sobre o projecto negligencia por completo o seu impacto ambiental, resumindo-se a puro cálculo económico baseado em previsões de lucro. Por outro lado, a oposição a tais atentados ambientais torna-se cada vez mais ténue no seguimento do acordo de incidência parlamentar entre a coligação PSD-CDS e o PAN, após o primeiro não ter conseguido obter maioria absoluta nas eleições regionais (ainda que Miguel Albuquerque, actual presidente da região autónoma, tenha prometido demissão caso não alcançasse maioria absoluta). O PAN, que antes se opunha veementemente à construção dos teleféricos, agora afirma não ter uma posição assumida, passando a liderar o «processo de acompanhamento e avaliação» do projecto. Ou seja, tudo indica que o Partido dos Animais e da Natureza, após ter garantido assento na maioria parlamentar, está preparado para estrear o complexo teleférico do Curral das Freiras. Os madeirenses, por sua vez, estão cada vez mais cientes de que as suas reivindicações ecológicas não podem ser delegadas em representantes partidários.
Texto e Imagens: Filipe Olival, filipeolival@jornalmapa.pt
Notícia publicada no Jornal Mapa, edição #40, Janeiro/Março 2024.
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