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Lendo: Pacto sobre Migração e Asilo: o acordo cada vez mais próximo

Pacto sobre Migração e Asilo: o acordo cada vez mais próximo

Pacto sobre Migração e Asilo: o acordo cada vez mais próximo


A 20 de Dezembro, Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e a Presidência espanhola do Conselho regozijavam-se com o acordo que finalmente põe em prática o Novo Pacto sobre Migração e Asilo. Um Pacto sinistro, digno de ter sido parido pela mais extrema das direitas.

Ao fim de mais de três anos de negociações, «a Presidência espanhola do Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre os principais elementos políticos de cinco regulamentos fundamentais que irão reformular profundamente o quadro jurídico da UE em matéria de asilo e migração», anunciou em comunicado o Conselho da UE, a estrutura que junta os Estados-membros. O que quer dizer que o famoso Pacto sobre Migração e Asilo, de que temos vindo a falar há tanto tempo, conseguiu finalmente impor-se e ultrapassar o crivo moral, democrático e respeitador de direitos e dignidades que as mentes mais ingénuas costumam ver no Parlamento Europeu.

Em concreto, foram acordadas cinco leis «que abrangem a todas as fases da gestão do asilo e da migração, desde o rastreio dos migrantes irregulares quando chegam à UE, à recolha de dados biométricos, os procedimentos para a apresentação e tratamento dos pedidos de asilo, as regras para determinar qual o Estado-membro responsável pelo tratamento de um pedido de asilo e a cooperação e solidariedade entre os países e a forma de lidar com situações de crise, incluindo casos de instrumentalização de migrantes». O acordo ainda preliminar, que deverá ser aprovado nos próximos meses primeiro pelo Parlamento e, mais tarde, pelo Conselho, surge dias depois de a Frontex ter afirmado que o número de «travessias irregulares» para o território europeu foi o mais alto desde 2016. Ultrapassaram os 335 mil incidentes nos primeiros 11 meses do ano, de acordo com a agência fronteiriça.

Um conjunto de leis que a deputada europeia Isabel Santos, do PS e, portanto, uma das responsáveis pelo «sim» do Parlamento Europeu, considera pouco «humanizado». Parvin A., uma mulher que foi espancada, detida e expulsa da Grécia seis vezes, tem outras palavras, numa voz a que a Amnistia Internacional deu eco: «Se realmente avançarem com este Novo Pacto, isso será contra qualquer tipo de direitos humanos ou de refugiados. Estão a brincar com a vida de pessoas vulneráveis e em perigo». Outra voz que se ouve no mesmo artigo é a de Michele LeVoy, directora da Plataforma para a Cooperação Internacional sobre Migrantes Indocumentados (PICUM, na sua sigla em inglês): «O Pacto sobre Migrações, na sua forma actual, abre a porta a abusos, dando o apoio implícito e explícito da UE à privação arbitrária de liberdade e às graves violações dos direitos humanos que se tornaram comuns nas fronteiras da UE ou na sua proximidade».

Numa carta aberta enviada, ainda antes do acordo final, à Comissão Europeia, à Presidência (espanhola) do Conselho e ao Parlamento Europeu, cerca de 50 ONG escreveram: «Se for adoptado no seu formato actual, [o Pacto] normalizará o recurso arbitrário à detenção de migrantes, incluindo crianças e famílias, aumentará a discriminação racial, utilizará procedimentos de “crise” para permitir a expulsão de migrantes e fará com que as pessoas regressem aos chamados “países terceiros seguros”, onde correm o risco de violência, tortura e detenção arbitrária».

Aos Estados mais expostos à pressão migratória, nomeadamente os mediterrânicos, este Pacto permite uma gestão fronteiriça mais elástica, pagando a Estados «seguros», como a Turquia, a Líbia, o Egipto ou a Tunísia para fazerem o trabalho de polícia fronteiriça ainda nos seus territórios, reduzindo as garantias processuais de forma a aumentar as deportações, limitando o acesso à assistência jurídica para os requerentes de asilo, reforçando a legitimidade dos pushbacks 1, aumentando o recurso à detenção. Os grupos de defesa dos direitos humanos que estão a fazer uma última tentativa para travar o Pacto alertaram para o facto de que dar às autoridades o poder de submeter as pessoas que já se encontram na UE ao procedimento de rastreio aumentará «o risco de caracterização racial das pessoas que vivem e vêm para a Europa, independentemente da sua cidadania ou estatuto de residência», uma vez que os funcionários tratarão a cor da pele como um indicador do estatuto de migrante.

Aos Estados que ficam mais longe das fronteiras externas da UE, o Pacto define um mecanismo de «solidariedade obrigatória» que, em teoria, significaria a disponibilidade de todo o território da UE partilhar o abrigo dos refugiados que, dessa forma, deixavam de pressionar o Estado onde tinham chegado. Na prática, como afirmou Sara Prestianni, da EuroMed Rights, «os Estados podem simplesmente esquivar-se às suas responsabilidades pagando armas, muros e campos de detenção em Estados fronteiriços ou em países terceiros com um historial sombrio em matéria de direitos humanos», para além duma coima de 20 mil euros por cada refugiado que um Estado membro recuse receber.


Fotografia [em destaque] de:  Julie Ricard na Unsplash

Notas:

  1. A este respeito, num documento interno da Presidência espanhola que indicava o andamento das negociações com o Parlamento Europeu (PE) e definia algumas linhas vermelhas para chegar a acordo com esse mesmo PE, podia ler-se: «O acordo final garantirá um procedimento fronteiriço obrigatório eficaz e significativo, com plena aplicação da ficção jurídica de não-entrada, que constitui um elemento-chave da reforma». O que isto significa, na prática, é que, apesar de as pessoas estarem fisicamente presentes no território de um Estado-membro da UE, a lei decretará que elas ainda não entraram efetivamente nesse Estado-membro – e, portanto, podem ser sujeitas a detenção e rastreio nas fronteiras, com vista a uma rápida deportação. Para além disso, o Conselho não aceitou o controlo das operações de vigilância das fronteiras – muitas das quais conduzem, obviamente, a expulsões violentas de pessoas que procuram segurança.

Written by

Teófilo Fagundes

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