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Lendo: Caracóis guardiões e peregrinações interditas, relatos da Arrábida a partir de pequenos encantos e novas ameaças

Caracóis guardiões e peregrinações interditas, relatos da Arrábida a partir de pequenos encantos e novas ameaças

Caracóis guardiões e peregrinações interditas, relatos da Arrábida a partir de pequenos encantos e novas ameaças


Tivemos a sorte e o engenho de encontrar uma casa a preço acessível, apesar da crise de habitação em que estamos mergulhadas e que nos afeta a nós, famílias monoparentais, de um modo particularmente angustiante. Ainda para mais, uma casinha na Serra de São Luís, Arrábida – sítio de escarpas e montes, vistas para o mar, com a proximidade de Setúbal ou de Palmela oculta pela imersão na vegetação cerrada da reserva natural. Viver dentro do Parque Natural da Arrábida renovou a minha sensação de reverência por este ecossistema. Sinto-o como um espaço sagrado, réstia de algo puro e equilibrado que deve ser mantido – contra todas as ofensivas. Isso leva-me a dedicar um pouco mais do meu tempo ao estudo dessas duas entidades, «Fauna» e «Flora», cruzando-as com leituras sobre mitos e tradições populares. Fico sob o efeito de uma espécie de encantamento com os novos detalhes que descubro a ler ou a passear. E, para cada novo encanto, descubro também a presença de uma ameaça de extinção, pairando como uma maldição.

A Arrábida, enquanto ecossistema mediterrânico de estrutura complexa e alta diversidade onde a vegetação se observa nos seus vários estágios, conserva ainda, segundo o botânico suíço Chodat, um dos últimos (senão o último) vestígios de floresta pré-glaciar sul-europeia. Encontram-se assim, nas zonas abrigadas da cordilheira da Arrábida, carvalhais dominados pelo carvalho-cerquinho e um maquis 1 de carrascos, adernos, medronheiros, aroeiras e urzes arbóreas, autênticas relíquias de outros tempos geológicos.

A «Fauna» da Arrábida também impressiona, falando-se muito das espécies raras de aves e dos famosos cetáceos, mas ao longo destas linhas irei falar-vos de uns humildes seres, pequenos guardiões, (bio)indicadores de um tempo antigo, testemunhas de silêncio e lentidão. Não sei se é possível transmitir a beleza destes pequenos seres da terra, nem sei se conseguirei explicar porque é que eles me levaram numa peregrinação à capela de S. Luís, um outro encanto da região. Mas sei que quero falar tanto de encantos como de ameaças.

A mais recente investida da velha e colossal ameaça

No início do mês de março de 2023 foi dada a conhecer a intenção da SECIL, empresa produtora de cimento, de aumentar a área de exploração das suas já enormes pedreiras dentro do Parque Natural da Arrábida. Através daquilo que avançaram vários meios de comunicação, foi possível saber que a proposta consiste num aumento de 18,5 hectares de zona protegida, a ser esburacada para unir duas pedreiras independentes da SECIL. Surpreendentemente (ou não), a proposta da cimenteira é feita em nome da sustentabilidade e da eficiência energética. Para conhecer os pormenores do greenwashing desta empresa, basta ler no jornal local, O Setubalense, as inúmeras «vantagens ambientais» do projeto de expansão da SECIL, descrito como uma iniciativa «inovadora e mais sustentável, com um menor impacto na paisagem e no ambiente», ao alargar as pedreiras (de marga e calcário) que têm já 98,7 hectares de terra destruída dentro de uma reserva natural.

Pedreiras da Arrábida, imagem aérea de 2013 / Fotografia de Luiz Carvalho.

Ficámos também a saber que o processo iria passar por uma consulta pública, aberta de 16 a 29 de março de 2023, o que deu exatamente 13 dias para todas as partes interessadas se pronunciarem 2. O plano da SECIL não é, aliás, novo. Já em 2020 a Zero se pronunciara contra um anunciado plano de expansão, que agora parece ter sido recuperado. Em declarações recentes à Lusa, Francisco Ferreira, presidente da Zero, declara que «não compreendemos como é que a Agência Portuguesa do Ambiente e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) conseguem pôr em consulta pública algo que, à partida, a legislação é clara a dizer que não é possível. É como querer construir um empreendimento em cima de uma zona de praia, onde tal não é viável, mas, apesar disso, promover uma consulta pública».

Por agora, parece que o projeto não receberá luz verde: o Ministério do Ambiente, envolvido na Avaliação de Impacte Ambiental através do ICNF, declarou na pessoa do Ministro «que a pretensão do promotor do projeto não está conforme o plano de ordenamento do Parque Natural da Arrábida e, portanto, não terá a concordância». A Câmara Municipal de Setúbal também se manifestou contra a alteração os planos de organização territorial para permitir esta expansão das pedreiras, «evidenciando a presença de importantes valores ecológicos e paisagísticos e a existência de conflitos diretos muito significativos do projecto com os valores florísticos e de habitat prioritários para a conservação da natureza». Mas os impedimentos na lei ou as avaliações negativas não travaram a SECIL no passado. Conseguiram aprovar a coincineração e têm conseguido estender o seu tempo de vida, pesem embora as oposições públicas. Em declarações ao Diário de Notícias, Paulo Martins, um outro membro da Zero, descredibiliza toda a retórica de sustentabilidade e melhoria da produção da SECIL e avisa que «o facto de as reservas de calcário das pedreiras estarem a acabar, restando apenas margas, o que impede a resposta às necessidades do mercado», é o que está por detrás deste pedido de expansão. Nesse caso, «pode-se estar perante uma falta de transparência», pois «há vinte anos, quando foi elaborado o Plano de Reestruturação e Exploração da SECIL, isso podia ter sido previsto». Assim, apesar de a SECIL afirmar nos documentos da consulta pública que prevê que a sua atividade em modo clean cement line dure «apenas» 37 anos, «quem garante que não surgirá outra questão idêntica e será necessário mais e mais para explorar pedreiras na Arrábida?».

Fábrica da Secil no Outão (2013).

Depois da ameaça, o encanto

Nas leituras sobre a Arrábida e aquilo que a torna única, deparei-me com a seguinte informação num livro já antigo sobre o património natural da zona: «Candidula Setubalensis, caracol único endémico da Arrábida». As formas da sua concha fascinaram-me e fui perseguindo o rasto de informação que o caracol deixa. Descubro que não há só um, mas dois caracóis únicos aqui na Arrábida e que muita gente se tem dedicado a estudá-los e a preservá-los.

Por arte e magia da «coincidência», tinha lido há pouco tempo um artigo na maravilhosa Gods and Radicals sobre os caracóis das árvores de Guam, espécie em vias de extinção ou já extinta, escrito num tom de reverência por esses seres pequeninos que agora entendo bem:

«No Hawaii, os povos indígenas chamam aos caracóis das árvores “a voz da floresta”. Na verdade, os caracóis não fazem barulho, mas, como explica a bióloga evolutiva Rebecca Rundell, “estas espécies são uma parte importante da vida na Terra e, quando começam a extinguir-se, significa que algo está muito errado com o ambiente que nos sustenta”.»* (John Halstead, «Who are the watchers? Sightseers, Snails, and Spirits of Guam»).

Neste artigo, John Halstead fala-nos de como ele próprio, ao perseguir o rasto dos frágeis gastrópodes, encontra um ensaio único, escrito em 2019, por um professor de biologia marinha, Dr. Michael Hadfield, e pela reconhecida Donna Haraway: «The tree snail manifesto». Não tenho aqui espaço para resumir tudo o que gostaria sobre este texto, mas digamos que o encantamento pelos caracóis encontra aqui um expoente de reflexão, num manifesto que consiste em autobiografia, ciência, política e filosofia. A primeira parte é escrita pelo cientista que mudou a sua vida para passar a dedicar-se à investigação sobre os caracóis das árvores, contando-nos como os pequenos seres influenciaram tantas vezes as vidas dos investigadores e obrigaram políticas nacionais a serem alteradas; numa segunda parte, escrita no tom algo complexo de Haraway, somos confrontadas com aquilo que a distingue e lhe dá notoriedade: as suas noções de afeto, cuidado e «entaglement» na própria produção de conhecimento científico:

«O meu argumento é óbvio: o amor e o conhecimento coproduzem uma biologia consequente. O trabalho cognitivo é afetivo e vice-versa, senão ficamos com um problema fatal. O amor e o conhecimento da diversidade exuberante geram biólogos cuidadosos e responsivos através da atração e do apego ao que não é si mesmo (ou mesmo como si mesmo), mas que é intrínseco a um codevir em mundos Eco-Evo-Devo contínuos.»* (Donna Haraway, «The Tree Snail Manifesto»).

Descubro que não há só um, mas dois caracóis únicos  aqui na Arrábida.

Naturalmente, estas leituras determinaram o modo como olhei para o frágil e mágico caracol branco da Arrábida, que também se encontra na lista vermelha de espécies em perigo da International Union for the Conservation of Nature. Parecia que vários grandes pensadores já tinham descoberto que estes pequenos e silenciosos observadores são uma chave para experienciar o entanglement.

John Halstead consegue resumir as interrogações principais que surgem quando não queremos escapar ao nosso entrelaçamento mútuo. Pássaros e cobras. Caracóis e espíritos. Cientistas e turistas. Humanos e não humanos. Mortos e vivos. Nós humanos temos de fazer mais do que só observar. Temos a capacidade de proteger e tomar por sagrado este entrelaçamento, a teia da vida, de modo a evitar uma grande catástrofe.

Candidula Setubalensis

Candidula Setubalensis

Ultima orexana – Own work, CC BY-SA 4.0.

Agora ainda mais motivada em conhecer este pequeno caracol, prossigo com as investigações: a espécie Candidula Setubalensis foi redescrita em 2014 por David Holyoak e Geraldine Holyoak no trabalho «A review of the genus Candidula in Portugal with notes on other populations in Western Europe (gastropoda, pulmonata: hygromiidae)» 3. O casal, além de propor a alteração da classificação da espécie, passando a pertencer ao género Xeroplexa e não Candidula, também encontrou um outro caracol exclusivo à Arrábida, o Candidula Arrabidensis. Descubro também que existe uma subespécie chamada Xeroplexa Setubalensis Amanda (Bourguignat, 1864) que ocorre apenas em Oran, Argélia. (Este facto faz-me cócegas à mente. Porque é que existe uma única sub-espécie irmã, apenas na Argélia?)

Descubro ainda umas folhas de campo de uma equipa de biólogas com datas de avistamento da espécie X. Setubalensis, indicando as coordenadas dos locais e as descrições dos indivíduos encontrados. Isso acende uma ideia: ir em peregrinação para avistar os caracóis – num ato de desafio insurgente contra os ritmos do dia-a-dia, encontrando tempo no tempo para me dedicar a esta (lenta e silenciosa) aventura.

Alto do Jaspe

Vista do Alto do Jaspe: a Arrábida é a única cadeia na fachada atlântica que testemunha a propagação para oeste do fecho progressivo do oceano de Tétis e consequente formação do Mar Mediterrâneo, devido à colisão entre as placas de África e da Eurásia.

Escolhemos o alto do Jaspe, local de vistas imponentes, que fora outrora uma pedreira da cobiçada Brecha da Arrábida 4. Escolhemos um dia enublado e húmido, ideal para avistar os pequenos vigilantes, o que dá um ar místico e ancestral a toda a paisagem que nos circunda. Não é fácil descrever a sensação de conexão e abrandamento do tempo quando te encontras num lugar bonito, com o único propósito de focares a atenção no detalhe e de procurares seres pequeninos. Duas horas passaram a voar. Encontrámos oito cascas já secas e nenhum vivo. São caracóis muito pequenos mas cujos detalhes nas cascas impressionam. Senti-me como que a descobrir micro tesouros, embora nenhum estivesse vivo.

A reverência e o entusiasmo provocados pelo achado das bonitas conchas dos caracóis levam-me a relembrar leituras dos tempos em que estudei antropologia, que sei que encontram aqui relação. O caracol que nos mostra toda a vida em risco, a sagrada interdepedência de tudo, o sanador que é para o ego reverenciar algo que aparenta ser menor que nós.

Alto do Jaspe

Antiga pedreira de Brecha d’Arrábida (perceção ritual).

David Kopenawa, líder e xamã Yanomami, fala-nos de modo inigualável sobre a reverência por algo eterno assim. No seu caso, fala dos espíritos da Amazónia. No meu caso, acho que as suas palavras são as que melhor descrevem as imagens que me evocam os pequenos caracóis brancos:

«Os espíritos xapiripë 5 dançam para os xamãs desde o primeiro tempo e assim continuam até hoje. Eles parecem seres humanos mas são tão minúsculos quanto partículas de poeira cintilantes. (…) Dá alegria de ver como são bonitos! Os espíritos são assim tão numerosos porque eles são as imagens dos animais da floresta. Todos na floresta têm uma imagem: quem anda no chão, quem anda nas árvores, quem tem asas, quem mora na água… São estas imagens que os xamãs chamam e fazem descer para virar espíritos xapiripë. Estas imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não podem vê-los, só os xamãs. Mas não são imagens dos animais que conhecemos agora. São imagens dos pais destes animais, são imagens dos nossos antepassados. No primeiro tempo, quando a floresta ainda era jovem, nossos antepassados eram humanos com nomes de animais e acabaram virando caça. São eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram e são elas que agora dançam para nós como espíritos xapiripë. Estes antepassados são verdadeiros antigos. Viraram caça há muito tempo mas seus fantasmas permanecem aqui. Têm nomes de animais mas são seres invisíveis que nunca morrem. A epidemia dos Brancos pode tentar queimá-los e devorá-los, mas eles nunca desaparecerão. Seus espelhos brotam sempre de novo.» 6

Penso que esta descrição trata de um tipo de animismo difícil de compreender para as mentes ocidentais, uma noção de espírito que desafia a categorização dualista de natureza vs cultura. Para vários povos indígenas, os espíritos são tanto espíritos da natureza como espíritos ancestrais. Esta «viragem ontológica» é interessante para um ocidental tanto quanto nos motiva a reparar na separação entre nós e o que nos rodeia. Como respondeu Lévi-Strauss quando lhe perguntaram o que é um mito, «se você interrogar um índio americano, seriam muitas as chances de que a resposta fosse: uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram diferentes.»

Estarei a sentir que os caracóis são espelhos vivos (ou já inanimados, como os ecos que encontrei) de espíritos ancestrais? Ficou aberta a possibilidade de ler os relatos de Kopenawa de um modo diferente e de entender que estes pequenos seres antigos são veículos de compreensão para um animismo comprometido; e que também podem ser os guardiões da justiça climática multiespécie, que defenda os direitos de moluscos, pessoas e espíritos, como propõe Donna Haraway.

Registo

REGISTO DE COLHEITA: X. setubalensis, Data- 26/05/2023, Coordenadas- 38º 27′ 28” N 09º 00′ 36” W, 8 indivíduos mortos.

A Lenda da capela de São Luís da Serra da Arrábida

«Em plena serra de S. Luís, que é parte integrante da cordilheira da Serra da Arrábida, e do parque natural, existe uma pequena capela dedicada a São Luís. Conta-se que esta capela, que pertenceu à ordem de Santiago, foi mandada edificar no seguimento de um milagre. Corriam então tempos de grandes desgraças na região, uma delas era uma estranha peste que afetava os animais. A população resolveu então organizar uma grande e penosa procissão, serra adentro, para pedir a Deus e a São Luís que livrasse os animais da peste. A procissão durou um dia e quase uma noite, mas quando os habitantes da região voltaram a casa viram que tinha valido a pena fazer a penosa procissão serra acima, porque todos os animais tinham sido curados. Em agradecimento, ergueu-se então em plena Serra uma Capelinha dedicada a São Luís. São histórias assim mesmo.» 7

Agora que moro na serra de S. Luís e que pesquiso sobre as suas tradições e lendas locais, descobrir a estória reproduzida acima, diretamente ligada à construção da capela de S. Luís, fez-me querer percorrer a minha própria «penosa procissão serra acima» até à capela. Tal como tinha feito na busca pelo caracol, quis passar a experiência pelo corpo, desta vez «reanimando» uma antiga peregrinação, pedindo também eu pela saúde dos animais – não o gado afetado pela peste, mas sim toda a «Fauna» e «Flora» da Arrábida, afetadas pela peste extrativista moderna.

As leitoras do Mapa mais atentas recordar-se-ão de várias lutas ambientais e sociais nesta região, uma delas a revolta contra a privatização da Herdade da Comenda. Da Estrada Nacional 10 é possível ver o antigo acesso à Capela de S. Luís da Serra também fechado ao público, tal como várias zonas da Comenda, com um grande cartaz que diz «Interdita a passagem, Propriedade Privada».

As várias peregrinações e festividades da zona, muitas delas remanescentes de tradições pagãs, encontram na propriedade privada um impedimento à sua realização – templos, caminhos e parques que antes eram de todas, estão agora fechados e condenados ao turismo, à agricultura intensiva ou ao abandono.

Trilho para Capela de S. Luís

Trilho para Capela de S. Luís, Arrábida.

Por isso mesmo, escolhemos um pequeno trilho na serra que parte da minha casa e vai dar às traseiras da igreja. O caminho é bonito e esguio, não muito penoso, levando-nos por dentro da vegetação até à zona que pertence agora aos novos donos da Comenda, a Seven Properties.

Está também vedado, com rede e arame farpado. Não percebemos se a passagem que foi aberta na vedação foi deixada por descuido ou se já alguém rebentou a rede, mas pudemos avançar e seguir o trilho até à capela. Toda a zona é muito bonita e o pequeno edifício encontra-se preservado, embora, para nossa surpresa, a porta principal da igreja esteja fechada com chapas soldadas que não se podem abrir. Parece que se pretende que seja um espaço esvaziado. A vista permite ver as grandes crateras da SECIL, a extensão da Serra até Sesimbra, o rio e o mar, os gigantes barcos que podem livremente passar, agora que o rio foi dragado

 

Capela de S. Luís

Capela de S. Luís (perceção ritual).

A pequena peregrinação a S. Luís confronta-nos com o conjunto de ameaças que já sabíamos pairar sobre a região, mas mostra-nos ainda uma outra: o afastamento das populações locais dos seus espaços naturais ajuda a insensibilizar para o esventramento. Longe da vista, longe do coração. Se por um lado não nos permitem ver o cancro a crescer, por outro, ao vedar o acesso aos espaços de lazer, desligam-nos da Natureza e dos seus ritmos…. Sobram os lazeres artificiais, os ritmos acelerados, o cimento e o alcatrão. Dificulta-se a sobrevivência dos círios e das procissões que, segundo o que eu própria estou a experienciar, podem ser momentos de reflexão sobre a interdependência de tudo e espaços simbólicos de ritualização da vida, ou seja, alívios contra as dores de viver num mundo encantado e amaldiçoado.

Sonhos de travar o grande desenvolvimento em nome de espíritos, caracóis e procissões. É assim tão absurdo querer tapar os gigantes buracos das cimenteiras para salvar frágeis caracóis? Impedir que os espaços comuns possam ser privatizados porque queremos peregrinar até eles e «pedir» pelas espécies em vias de extinção?

 


Fotografias de Outros Ângulos

* Tradução própria.


Artigo publicado no JornalMapa, edição #38, Junho|Setembro 2023.

Notas:

  1. Cobertura arbórea que ao longo do tempo deu lugar a uma forma estrutural transitória denominada maquis, nome proveniente do sul de França e biótopo dos mais característicos da Europa do sul (também dos mais degradados), preservado aqui na Arrábida, núcleo português mais importante.
  2. A consulta pública no Portal Participa contou com 812 participações e pode ser consultada em https://participa.pt/pt/consulta/novo-plano-de-pedreira-vale-de-mos-a.
  3. Journal of Conchology, Vol. 41, N.º6.
  4. “Do ponto de vista geológico, a Brecha da Arrábida é uma brecha conglomerática intraformacional do Jurássico Superior (com cerca de 160 milhões de anos)”. Excerto retirado da página que anuncia a Brecha da Arrábida como uma das 32 Heritage Stones classificadas a nível mundial. Poderá esta recente classificação ajudar a parar o extrativismo?
  5. Ancestrais animais ou espíritos xamânicos que interagem com os xamãs do seu povo.
  6. Este relato pode ser encontrado no texto de Viveiros de Castro, “A Floresta de Cristal: notas sobre a ontologia dos espíritos amazônicos”.
  7. Transcrição do podcast “São histórias assim mesmo”, Antena 1.

Written by

M. Lima

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