Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Puçanga – mel caseiro, dark e bassy
Jornal Mapa – Como defines a tua música?
Puçanga – Puçanga significa remédio caseiro. Uma mezinha electrónica, com tons dark e bassy, com a presença da minha voz potente, frágil e improvisadora. Na Puçanga, sou cantora, song-writer e produtora. As minhas letras exploram questões de justiça social ou derivações emocionais. Também me inspiro na música tradicional e em canções de resistência.
JM – “Música sem Filtros” é uma compilação de músicas de combate, de intervenção, com que nos identificamos enquanto colectivo. Vês a música como ferramenta de luta?
P – Acho que a música, como as outras artes, pode ser revolucionária porque tem a capacidade de transformar a nossa forma de ver – com que parâmetros podemos ver o mundo. Isso acontece pelo imaginário que as letras e a presença de quem faz música despertam em nós. E a música naturalmente carrega em si a história de comunidades, subjectividades de pessoas, mundos por construir… É das formas mais ancestrais, e bem recebidas em geral, de ter coragem para revelar emoções e vontade de nos juntarmos em grupos.
JM – “Cantiga da Ceifa”: porque escolheste esta letra e como foi o processo de adaptação para a música?
P – Tenho muito interesse em encontrar músicas tradicionais que tenham um conteúdo mais político ou que contextualizem socialmente a vida das pessoas, e é um pouco difícil de encontrá-las em Portugal por causa do branqueamento e censura que aconteceu no Estado Novo. Sinto que a letra da Cantiga da Ceifa tem um conteúdo político, numa forma muito poética e provavelmente não intencional, porque fala de uma luta e angústia muito resistentes e antigas, a da terra, a de quem a trabalha, em contraste com os proprietários e os interesses que os protegem. É uma música tradicional da Beira Baixa e foi descoberta nas recolhas que Michel Giacometti fez pelo país todo, na década de 70, cantada pela maravilhosa Ti Chitas – uma senhora trabalhadora do campo com uns melismas fascinantes na voz. No meu arranjo, quis criar uma canção etérea sem ritmo perceptível, que flutuasse no tempo. Também adicionei o som de golpes da ceifa a diluirem-se em sons metálicos, como se fosse uma luta entre o trabalho manual e o trabalho mecânico.
JM – Em que contexto da tua vida surge o teu projecto/ letras/ atitude? Há um tema social/político em que procures ser mais activa?
P – Por acaso o meu projecto surgiu e consolidou-se numa altura dark da minha vida. Parece que as crises geram mudanças. Sempre me interessei muito por pensar e trabalhar colectivamente. Por iniciativas auto-gestivas e de apoio mútuo. Caminhamos para um mundo que deu uma volta muito rápida de um sonho da partilha de recursos entre todes para um individualismo e consumismo e privatização desenfreados. Os valores entre gerações mudam demasiado rápido. Por isso é que me interesso também por projectos de construção de memória histórica, que internalizem na cultura das pessoas o que foi o fascismo, que possamos ver que ele nunca se foi embora. Projectos e iniciativas que tenham na sua atitude o poder da tradição oral. De alguma maneira tento falar sobre isso na minha música. E nos projectos que vou criando, paralelos à música, como o de educação não formal “Histórias Invisíveis”, co-criado com a minha amiga Petra Preta. Ou como o “Vozes Itinerantes”, co-criado com o meu amigo Felipe Augusto.
Tenho-me interessado muito pelo funcionamento cooperativo, pela partilha de recursos, pela propriedade colectiva, ideias desse tipo. Estamos num época muito agressiva do capitalismo, em que já lhe vemos todas as falhas e contradições, e onde já passa a ser demasiado fácil naturalizá-lo. É preciso remar contra a extração super monopolista que vemos acontecer à nossa volta. Por outro lado, por mais que queiramos que acabem as estruturas de poder que geram desigualdade, existe uma outra camada sobre este tema. Às vezes já somos nós a reproduzir estruturas de poder, a vigiar o outro, a puni-lo. Isso não é mais do que a agenda de direita a acontecer. É o projecto do panopticon a desenhar-se na sociedade.
Por último, também me interesso em celebrar imaginários de género não binário. Tudo o que falei antes está definhado na prisão que existe dentro dos dois géneros, homem e mulher. Nós não tivémos nem temos que ter uma função definida à nascença. A nossa existência é uma viagem fractal. Como os micróbios ou os cogumelos. Eles são uma boa inspiração.
JM – Qual o impacto que esperas que a tua música tenha nas pessoas?
P – Que as emocione. Pela gut. Que haja uma compreensão mútua. E que se percam nas sonoridades das músicas também. Mas não sou eu que posso controlar isso.
JM – os sonhos/utopias em que te baseaste no início mantêm-se?
P – Umas utopias foram acontecendo. E outras vão aparecendo para me levar a andar mais longe.
Fotografia [em destaque] de Mark Angelo Harrison
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