Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Próxima Paragem: Cooperativas Integrais
Ao chegarmos à aldeia de Casa Branca, no primeiro fim-de-semana de outubro, somos surpreendidos por um edifício coberto por graffitis ao estilo reminiscente da grande Lisboa. Sinal de que já não podemos falar de um ambiente rural que não esteja plenamente intrincado com as dinâmicas urbanas, sobretudo numa aldeia alentejana com apenas 80 habitantes mas com ligação direta a Lisboa por comboio – vestígios de um importante entroncamento ferroviário de há umas décadas atrás. É sobretudo de uma nova ruralidade e de uma vida citadina com olhos postos no campo que vêm os participantes do 1.º Fórum das Cooperativas Integrais, que não por acaso acontece no concelho que viu nascer a Cooperativa Integral Minga.
Como noutra ocasião referiu ao Jornal MAPA Jorge Gonçalves, impulsionador da Minga, o germinar desta primeira cooperativa integral portuguesa deu-se após o Fórum de Cooperativas em Montemor-o-Novo, em 2014, onde se concluiu «que havia coisas comuns que afetavam agricultores, artesãos e prestadores de serviços», pelo que, inspirados na Economia Solidária, chegaram ao conceito de «cooperativa integral», de denominação «multi-sectorial» no código cooperativo, no sentido de «abranger tudo o que é necessário para o nosso dia-a-dia, estarmos no controle daquilo que consumimos, dos meios de produção e de como as coisas são produzidas.» 1
Esta «integralidade» reflete uma variedade de abordagens ensaiadas ao longo das últimas décadas, em contextos rurais e urbanos em Portugal, em resposta ao desafio comum que, no fim de contas, emana do sentido dado às Cooperativas. Como resume Rui Namorado, fundador do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social, as cooperativas estão em ressonância com o enraizamento da cooperação na história da humanidade, que, à margem da lógica capitalista do lucro, pretende fazer face ao quotidiano através da conjugação de esforços na simbiose de associação e de empresa 2
Não surpreendeu por isso que no Fórum das Cooperativas Integrais se tenham reunido cerca de 80 pessoas vindas das quatro cooperativas integrais já em marcha no país: a Minga; a Rizoma, de Lisboa; a Regenerativa, de Odemira; e a Da Terra, do barlavento Algarvio. Da Estremadura espanhola juntou-se a Actyva, de Cáceres. Estiveram também presentes projetos em fase de arranque: a Geradora, da aldeia da Broca no município beirão de Trancoso; e intenções vindas do Porto, Caldas da Rainha, Leiria (Cápsula), Coimbra (Casa da Esquina), Funchal (Húmus) ou do Minho (RaizMinhota). Somaram-se ainda cooperativas de foco próprio, como a Coopérnico (energia), a ProNobis, a Estação Cooperativa e a Trimagisto (culturais), a Envio 24 (distribuição), a Colmeia 62 e a Habijamor (habitacionais), assim como outras estruturas embebidas do sentido da cooperação, como a Almaohana (Odemira), algumas Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade (AMAP’s) ou a Associação das Mulheres Agricultoras de Castelões (Tondela).
À exceção da Minga, fundada em 2015, o percurso das Cooperativas Integrais em Portugal está no seu início, mas a ideia tem já alguns anos, acolhendo as novas vagas de um regresso à terra em conjugação com o movimento das acampadas, dos indignados das praças europeias e da defesa de territórios contra projetos extrativistas. A referência mais conhecida é a Cooperativa Integral Catalã, que iniciou «o seu caminho em Maio de 2010, recolhendo princípios e práticas que um sector amplo de ativistas vinha a desenvolver nessa altura, no campo de projetos e iniciativas de autogestão e de defesa do território, principalmente vinculados ao movimento pelo decrescimento», como escrevia Joan Enciam, em 2016, no Jornal MAPA.
Em suma, a matriz de uma cooperativa integral reside numa organização de base territorial assente nos princípios de democracia direta, economia de proximidade, cooperação em rede e descentralização. É uma associação voluntária e autónoma de pessoas, guiada por princípios ecológicos, com gestão participada e sem fins lucrativos. Distingue-se enquanto estrutura legal como multi-sectorial, por não se cingir a um ramo de atividade, permitindo integrar cooperadores de áreas profissionais muito distintas. Opera em todos os ramos de atividade social e económica «necessários ao viver», desde a produção de bens e serviços ao desenvolvimento de projetos em áreas como a saúde, a educação ou a habitação.
Chegados à Estação
Um homem a quem pedimos indicações no bar leva-nos até ao alto edifício branco e amarelo-torrado que dá início ao complexo de edifícios adjacentes à estação de comboios de Casa Branca.Seguimos por um beco onde as hortas são delimitadas por balaústres com líquenes amarelados ressequidos pelo calor e somos recebidos por Xana Libânio, da cooperativa anfitriã, a Estação Cooperativa. Esta cooperativa cultural criada em Junho de 2021 pretende assumir a requalificação de 17 edifícios, atualmente sob gestão da Infraestruturas de Portugal. O modelo cooperativo, explica-nos Xana, resultou da opção mais óbvia quando se pretende um «processo colaborativo e participativo entre membros, parceiros e habitantes, um modelo de governança associado, assembleário, descentralizado e empoderador», num projeto que assume igual marca institucional, dado que, à parte dos cooperadores coletivos e individuais, a autarquia, a junta de freguesia de Santiago do Escoural e organismos governamentais regionais são parceiros desta «comunidade criativa e experimental».
Os participantes do Fórum juntam-se nas mesas de piquenique do pátio onde irá decorrer a maioria das atividades. Ao longo do fim-de-semana reencontram-se velhos conhecidos e tecem-se novas relações de companheirismo numa atmosfera informal, carregada de comida deliciosa, histórias partilhadas e até desapressadas modas de cante interpretadas por alentejanos de nascimento ou de adoção.
Na introdução aos propósitos de uma cooperativa integral surge naturalmente o caso da Minga – nome que evoca tanto o sentido de “ajudada” que a palavra encontra na América do Sul, como o verbo “minguar” que lhe associa a teoria do decrescimento. Jorge Gonçalves, da Minga, recorda como a primeira cooperativa, a britânica Rochdale fundada em 1844, reunia produtores e consumidores permitindo que o interesse de ambos fosse assegurado: «Se tens só produtores, os produtores vão tentar maximizar o lucro e aumentar ao máximo o preço ao consumidor; se tiveres só consumidores, eles vão tentar baixar ao máximo o preço ao produtor».
Para além do consumo
A concentração num só ramo de atividade e a separação entre produtores e consumidores é uma tendência do cooperativismo ao longo do século XX que a recuperada perspetiva integral pretende ultrapassar. Não escapa, porém, a imediata constatação de que as novas cooperativas integrais nascem sobretudo pelo impulso de grupos de consumidores. A isto soma-se a rigidez de uma infraestrutura legal que organiza a comercialização e que não facilita a integração de estruturas produtivas chave, como a agrícola, acabando por tornar especialmente desafiante o caminho que inicialmente se procura: tornar acessíveis os consumos básicos das «necessidades populares».
Estas questões são notórias no elencar das vontades de criar uma cooperativa integral que ouvimos em Casa Branca. A RaizMinhota, cuja constituição está prevista para dezembro e que ao longo de um processo aturado nos últimos três anos tem tentado agregar cooperantes numa área extensa que vai de Valença do Minho a Fafe, não dispõe ainda de local físico e pretende «funcionar inicialmente como cooperativa de comercialização, de consumo e de serviços através de uma plataforma digital», embora cientes das necessidades multi-sectoriais mais vastas. A Húmus, do Funchal, partiu de um grupo de consumo que «tem como objetivos garantir segurança alimentar, produtos frescos e de qualidade e aproximar os consumidores aos produtores», desejando vir a «ampliar a rede de produtores e consumidores e atingindo outros setores e serviços, desenvolvendo a parte social e comunitária e criando um espaço de partilha», como uma loja/café «onde se possam desenvolver vários serviços e atividades». A Geradora, cooperativa iniciada em 2022 e com 22 membros fundadores, situa-se na aldeia de seis habitantes da Broca, no distrito da Guarda, e está a «aprender e a testar formas de organização interna». Tem ativas as secções de cultura, serviços e comercialização com trabalho voluntário e ambicionam «a construção de uma cozinha comunitária para a transformação dos produtos agrícolas». Em parceria com outras organizações locais, estão a «tentar criar uma galeria de arte e uma loja consciente, isto é, uma loja de venda de produtos locais, produtos reutilizados, produtos a granel, produtos de comércio justo».
A importância de um espaço físico representa a casa de partida para ir verdadeiramente a jogo. O início da Minga, financiado a partir dos ganhos de um curso de decrescimento organizado pelos membros-fundadores, permitiu arrendar um espaço que dependia sobretudo de trabalho voluntário até, lentamente, permitir pagar as tarefas internas. Segundo Alexandre Castro, a loja da Minga, sendo a manifestação física da organização e o local de venda de produtos locais, tem um «poder simbólico» especial, servindo como ponto de encontro, não só dos membros, mas também de vizinhos e visitantes, de convergência de diferentes projetos. Atualmente, a Minga abastece as cantinas escolares de Montemor, apoiando a produção dos pequenos agricultores do concelho, o que representa um maior esforço de coordenação, mas também uma fonte de receita mais regular e um qualitativo salto na interação local.
A Minga, com 80 cooperadores, está ativa nas secções agrícola, comercialização, serviços (agro-florestais, eco-sanitários, design ou comunicação, entre outros) e habitação e construção (dispondo de alvará para uma Cooperativa de Habitação económica e ecológica). André Pereira explica que, como estrutura abrangente, a Minga permite aos seus membros prestarem serviços a título individual, desenvolvendo os seus projetos de forma autónoma e descentralizada, enquanto usufruem de benefícios legais e de contabilidade organizada. Nas palavras de Tânia Teixeira, «a cooperativa tem flexibilidade para absorver todas estas necessidades» e, desta forma, proteger o seus membros da precariedade laboral. A Minga retém uma percentagem sobre a faturação, que passou de 8% para 5%, e que permite que os projetos que faturam mais ajudem os projetos que faturam menos.
uma cooperativa integral reside numa organização de base territorial assente nos princípios de democracia direta, economia de proximidade, cooperação em rede e descentralização
Em Lisboa, a Rizoma, criada em Novembro de 2020, após um projeto-piloto num espaço cedido pela associação Renovar a Mouraria, acabou por assentar em Arroios em maio deste ano. A «mercearia comunitária», localizada no rés-do-chão, é atualmente o cerne da cooperativa. Ao contrário do que acontece na Minga, onde a loja se encontra aberta ao público, a mercearia e o bar da Rizoma são reservados aos membros cooperantes, que de um núcleo inicial de 40 aumentou para mais de 400. O seu funcionamento depende do trabalho voluntário dos membros, que se comprometem, aquando da sua entrada, a fazer um turno de três horas a cada quatro semanas. O piso superior é dedicado a um espaço de coworking, alocado à secção de serviços, que acolhe também a Coobi: Cooperativa de Estafetas em Bicicleta. Na secção de habitação, é co-fundadora da Rede de Cooperativas de Habitação Colaborativa em Propriedade Coletiva.
No litoral do barlavento algarvio, a Cooperativa Da Terra apresenta-se como uma rede auto-financiada de economia social na região de Lagos, Vila do Bispo, Aljezur e Odemira. Surgiu em setembro de 2020 e dispõe do espaço Gaia, em Aljezur: uma loja-mercearia, restaurante vegan e espaço de coworking, concretizando as secções de serviços, comercialização e agrícola, mas com o intuito de vir ainda a alargar a outras áreas. A Da Terra cobra 8% sobre a faturação dos seus projetos para suportar despesas de contabilidade e marketing. «Gostamos de dizer que o trabalho que é feito para um, é feito para todos. O coletivo beneficia do esforço individual e abrimos novos paradigmas na economia atual, criando sinergias, passando de concorrentes a cooperadores». Esta cooperativa algarvia pôs ainda em marcha uma rede de distribuição, com um armazém (Colmeia) em Lagos e com lojas em que os produtos podem ser vendidos em menores quantidades. Os produtos podem ser comprados por colaboradores (inscritos) além dos cooperantes, sendo estimulado o uso da Moeda da Terra (TER), uma moeda local não especulativa (1:1 euros) usada através de uma aplicação no telemóvel.
Já em São Luís, Odemira, o espaço Nativa alberga a cooperativa Regenerativa, que existe há mais de dois anos, mas com assembleia constituinte apenas em 2022. Apresenta-se como fazendo parte de um «empoderamento de um paradigma mais consciente na bio-região de São Luís». O espaço, que congrega eventos, bar, café, coworking e mercearia,oferece «opções de consumo e serviços mais locais, orgânicos e justos, dando aos intervenientes uma estrutura legal que os represente, bem como um espaço aberto à colaboração» e «ponto de encontro, organização de eventos artísticos e culturais, e para a integração da comunidade». Mais recentemente o espaço passou igualmente a constituir-se como ponto de recolha da AMAP Sado.
Há lugar para uma perspetiva anti-capitalista?
A resposta a esta pergunta, que lançámos à Minga e à Rizoma, não esconde a inevitabilidade de um confronto entre objetivos mais disruptores e a incontornável adaptação destas formas de organização ao desenfreado modo de vida mercantil em que todos vivemos. Como refere Jorge Gonçalves, sob o capitalismo os lucros são distribuídos pelos detentores do capital, os investidores, ao passo que nas cooperativas os lucros são distribuídos pelos cooperantes/trabalhadores. Não obstante, Joana Trindade explica que nela emergem variados tipos de relações sociais, umas de maior envolvimento em desenvolver um projeto comum, outras quase meramente comerciais: de cliente-prestador, produtor-vendedor, sem se vincularem como membros da cooperativa, muito menos participarem na sua vida política. A tensão entre lógicas capitalistas e anti-capitalistas parece ser uma constante muito difícil de ultrapassar em contextos dominados por lógicas mercantis.
Na conversa com a Minga sublinha-se que mudar de uma lógica de competição para pensar no que é melhor para a comunidade gera relações socioeconómicas de uma natureza distinta. Tânia refere a existência de mecanismos para aumentar a cooperação entre membros e protegê-los do punho invisível do mercado, seja através da troca direta de serviços, do sistema de crédito interno ou da concessão de microcréditos sem taxa de juros para impulsionar projetos. Por outro lado, como ferramenta de auto-emprego, a cooperativa Minga incentiva relações profissionais com menos patrões, facilitando o acesso a conhecimento legal, fiscal e burocrático, geralmente reservado a especialistas. No fim de contas, como comenta Jorge, a cooperativa funciona no mercado, assim como os projetos individuais dos seus membros, o que significa ter que se manter competitiva face à concorrência.
Na Rizoma, admite-se que não é fácil expandir a autonomia. Na mercearia existe uma transparência quanto à origem dos produtos e à margem face ao preço de custo, porém, alguma dependência de grandes distribuidoras e de organizações de logística e transporte impedem uma maior autonomia. Claraluz Keiser explica que um dos maiores desafios é «ter uma alternativa ao sistema de produção agrícola e alimentar que não é sustentável, mais respeitosa aos direitos humanos, mas também ao meio-ambiente, que ainda assim seja acessível», «porque os modos agrícolas mais sustentáveis são mais caros». Claraluz explica também que, no início, quando estavam na dúvida se deveriam ser fechados ou abertos, chegaram a considerar ter preços diferentes para membros e não membros, mas houve oposição a essa hipótese porque se pretendia «quebrar essa ideia de que tempo é dinheiro, ou seja, que quem não tem tempo para dar poderia comprar esse tempo pagando mais por um produto».
João Fialho explica que a Rizoma, embora não esteja a «desmantelar estruturas capitalistas, é anti-capitalista no sentido em que tenta criar uma forma de organização alternativa que pode substituí-las. E dentro dessa tentativa há contradições e, portanto, há mecanismos que inevitavelmente reproduzem as formas capitalistas. Por exemplo, compramos produtos a fornecedores, vendemos produtos aos nossos clientes, fazemos uma margem… Porém há uma pequena diferença, que é essa margem ser controlada democraticamente por nós. Isso já é um avanço anti-capitalista, na minha perspetiva».
O percurso das duas cooperativas, igualmente ditado pela escala de lugares onde se encontram, determina-lhes algumas diferenças. A Minga é financeiramente autónoma. Nunca recebeu ajudas diretas da Câmara, fora as parcerias como o abastecimento das cantinas escolares, nem nunca foi baseada em financiamentos externos. Ao contrário, a Rizoma depende atualmente de vários financiamentos externos. A decisão «ousada» de mudar de um espaço de 40 m2 para outro de 400 m2 em Arroios com uma renda de 3000€, foi apoiada pelo programa Bairros Saudáveis, considerando-se importante ter «esse espaço comunitário, um espaço em que se vem e se encontram pessoas, ideias, conhecimento, alimentação, serviços… a ideia era fazer uma concentração de tudo o que a Rizoma quer propor como bem essencial.»
Em comunidade
Quando perguntamos aos membros da Rizoma qual a relação da cooperativa com a comunidade externa, Claraluz Keiser responde, rindo-se, «que é uma seita», refletindo sobre o perigo de a cooperativa se fechar em si mesma. Se, por um lado, os estatutos que limitam a venda a membros impõem um certo fechamento ao exterior, por outro lado reiteram um dos valores da cooperativa: «qualquer pessoa é mais que bem-vinda a aderir». Para Mariana Reboleira, a Rizoma é «o quarto espaço», aquele que não é casa nem é trabalho: «Saio do trabalho, vou para onde? Se não tiver planos, vou para a Rizoma e sei que vou lá encontrar alguém». Considera que «essa componente de relações sociais, de convívio, de comunidade é mais forte que o trabalho que fazemos lá».
João Fialho explica que tais relações de proximidade podem levar-nos a repensar a atividade económica como «relações sociais que se estão a construir». Há, no entanto, a consciência do universo particular que compõe o tecido dos cooperantes. Cerca de metade dos membros são de nacionalidade estrangeira e parece apresentar pouca diversidade socioeconómica, o que contrasta com a diversificada população migrante e nacional com rendimentos substancialmente mais baixos que reside na freguesia de Arroios, com mais de 33 mil residentes. O que leva João a admitir que se podia fazer um maior esforço em termos de integração e diversidade de membros, que é precisamente uma lacuna que a parceria com a associação Renovar a Mouraria tem por objetivo colmatar.
O mesmo desafio à aproximação das pessoas em comunidade se estende ao litoral alentejano. O espaço Nativa em São Luís assumiu como objetivo desde o início abrir as portas para quebrar divisões e aproximar os «neorurais» (também estes dispersos por inúmeras comunidades), que animam a criação da cooperativa Regenerativa, com os «locais» da aldeia e do concelho, sem esquecer ainda os trabalhadores rurais migrantes que, em conjunto, compõem o tecido social e humano de Odemira.
A analogia estende-se a Montemor-o-Novo, onde Alexandre e Tânia recordam que no Alentejo o movimento cooperativo tem uma grande tradição, o que incitaos habitantes locais a quererem fazer parcerias, nem que seja em termos de troca de serviços ou de venda de produtos. «Cooperativa» não é um conceito estranho, embora, como Joana contrapõe, a sua imagem não esteja inteiramente pacificada «porque houve muitas cooperativas que correram mal, houve muitas dívidas, houve muita pancada, também». Mas na Minga «a nível de bairro, os vizinhos e as vizinhas usam a loja e vão comprar os seus molhos de coentros, o seu pão e essas coisas». Se inicialmente o facto de muitos dos membros da Minga não terem nascido em Montemor provocava alguma desconfiança, rapidamente a loja se tornou um espaço de convívio para a vizinhança. O pão, em que os vizinhos «são viciados», contribuiu para a criação de relações de confiança e proximidade, apadrinhando e amadrinhando a cooperativa com a mais local, carinhosa e gastronómica designação de «Migas».
Criar e alimentar raízes é transversal. Na Beira interior, a Geradora imagina-se «a dar apoio às/aos resistentes que ainda aqui vivem, e às/aos que querem vir para aqui viver. Imaginamos a nossa cooperativa a criar valor no território». Apresenta-se como uma «cooperativa feminista a dinamizar a mulher da Beira». «Vivemos num território do interior, um território vulnerável, de certa forma resignado perante a perspetiva de um futuro desvalido, consideramos que para romper com essa resignação é necessário valorizar a mulher rural e criar dinâmicas territoriais de cooperação entre várias áreas disciplinares».
Um rede de entreajuda
A Estação Cooperativa, anfitriã do encontro, conclui que «o evento foi uma prova da pertinência na atualidade deste modelo de fazer economia e comunidade». Inspirador, motivador, de aprendizagem e de partilha de dificuldades e conquistas: foram estas as impressões gerais colhidas junto dos participantes. Por ser este um momento inicial para muitas das pessoas presentes, surgiu a necessidade de se estabelecerem pontes de co-criação e partilha de informação, criando-se assim a Rede de Cooperativas Integrais: uma estrutura informal de apoio às iniciativas emergentes, ajudando a navegar os imbróglios burocráticos e mediando o diálogo com a entidade reguladora (CASES), assim como um espaço de partilha dos modos de organização e gestão das diversas valências que cabem numa organização multi-sectorial.
Um novo fôlego de cooperativismo, indissociável de um percurso histórico secular, e que ajuda a explicar a longevidade do uso tático das cooperativas na atividade económica de inúmeros projetos autónomos no território, das práticas autogestionárias, da gestão e gestação de bens comuns, e não somenos dos espaços de resistência de utopias concretas.
Texto de Filipe Nunes, Filipe Olival e Sandra Faustino
Fotografias de redecoopintegral.org
Artigo publicado no JornalMapa, edição #36, Dezembro 2022|Fevereiro 2023.
Notas:
A story about
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