Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Minas: «Estes romanos são loucos»
A Mina do Romano, que abrange uma área de concessão de 845,4 hectares em área Património Agrícola Mundial (FAO) e Reserva da Biosfera, teve três EIA apresentados pela Lusorecursos que nem chegaram a ser considerados pelas autoridades do Estado português, tais eram as suas insuficiências. O quarto foi finalmente considerado conforme em Fevereiro de 2022. Assim, a APA validou o projecto a dois dias da data limite para a anulação da concessão e colocou o respectivo EIA em consulta pública.
EIA lá!
Esse EIA vinha ferido, logo à partida, de falta de conhecimento do terreno, uma vez que a empresa não terá chegado a ter autorização dos proprietários dos terrenos para entrar. A essa «ligeireza» de análise acresceu a mistura mágica da minimização de impactos negativos, com o destaque repetitivo do «combate às alterações climáticas» ou da «transição energética». A cereja no topo do bolo foram as considerações tecidas sobre os habitantes da região, cujo estilo de vida, de acordo com o EIA, seria «geralmente saudável, pese embora a adopção de comportamentos menos saudáveis, como abuso de tabaco, excesso de peso, e abuso crónico de álcool».
Importa, por fim, referir que, como recorrentemente tem lembrado a Associação Montalegre com Vida, «contrariamente às exigências legais, a concessão não foi atribuída à empresa detentora do contrato de prospecção e pesquisa [Lusorecursos, Lda.], mas sim a uma outra empresa criada três dias antes para o efeito [Lusorecursos Portugal Lithium, S.A.]». Pelo que, tecnicamente, se pode dizer que esta empresa, para além de não conseguir elaborar um EIA de forma competente, nunca explorou uma mina a céu aberto e, portanto, não pode, com base numa eventual experiência anterior, demonstrar competências de desempenho na exploração de minas desta natureza, ou apresentar garantias de segurança.
O processo avança
Finalmente, em 2 de Fevereiro passado, uma notícia na Visão fazia saber que a Comissão de Avaliação da Mina do Romano tinha validado a exploração, coisa que a própria Lusorecursos Portugal Lithium, S.A. confirmou, adiantando que «todos os elementos constantes no Estudo de Impacto Ambiental têm um parecer favorável, excepto a localização do complexo de anexos mineiros, que inclui a lavaria, os edifícios administrativos e a refinaria». A notícia da Visão provocou alguns mal-entendidos, gerou muitas dúvidas e serviu de novo para que as associações e as populações locais sentissem, com mágoa bem verbalizada desta vez, o desrespeito a que se é votado quando se sabe do que vai acontecer no nosso território pela comunicação social: «A APA não pode brincar com a vida das pessoas, não é desta forma que se comunica o que quer que seja», reagiu Armando Pinto da Associação Montalegre com Vida.
A APA, aliás, apenas reagiu porque a Lusa lhe fez um pedido de esclarecimentos. Na resposta, apenas disse que, no âmbito do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental do projecto da mina do Romano, e decorrida a avaliação por parte da Comissão de Avaliação, a Agência entendeu desencadear «a aplicação da figura de modificação de projecto, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º do regime jurídico de AIA, opção essa que foi aceite pelo proponente em reunião realizada na quarta-feira», dia 1 de Fevereiro. «Nesse sentido, não estando concluído o procedimento, o proponente tem até seis meses para apresentar os elementos reformulados do projecto», salientou ainda a APA, sem avançar com mais informações. Só depois deste procedimento é que será emitida a Declaração de Impacto Ambiental (DIA).
O lobo mau
De acordo com o que a empresa mineira foi dizendo, a localização da refinaria terá sido chumbada por colidir com o território do Lobo Ibérico, como se o restante da área de concessão e todas as suas consequências não colidissem. A Lusorecuros, aliás, apressou-se a dizer que tem planos para tratar do assunto.
Um comunicado da Associação Montalegre com Vida, por seu turno, afirma que as alterações solicitadas pela APA não se resumem ao complexo de anexos mineiros, havendo questões relacionadas com a zona industrial e também com as quantidades de mineral existentes, uma vez que «os valores apresentados pela empresa não justificam a abertura de uma mina», uma vez mais porque «a prospecção feita pela empresa não obteve valores claros e objectivos, sendo usados valores projectados».
Se, por um lado, a tolerância quase condescendente do Estado perante a «falta de profissionalismo» da empresa faz antever um parecer favorável, por outro, não é aparentemente pela quantidade confirmada de lítio, o que mais uma vez demonstra que esse mineral serve sobretudo para legitimar projectos extractivistas assentes na retórica da «transição verde». Os números da DGEG são claros: neste momento, em Portugal existem nove contratos de extracção de lítio que cobrem uma área total de 2615 hectares, distribuída pelos distritos de Castelo Branco, Guarda, Vila Real e Viana do Castelo. Há também um contrato de prospecção na Mina de Circo que cobre 25 mil hectares no distrito de Bragança. Existem ainda 27 pedidos de prospecção e extracção de lítio em avaliação pela DGEG, cobrindo cerca de 726 mil hectares no Norte e Centro.
Para além destes, nas palavras de Joana Canelas, em texto no Jornal Público, «em Dezembro de 2021 foi a consulta pública o Plano de Prospecção e Pesquisa (PPP) de Lítio com um total de 304 mil hectares, afectando oito dos 18 distritos administrativos de Portugal, incluindo também – além dos já referidos – Braga, Coimbra, Porto e Viseu. Os actuais contratos de extracção de lítio correspondem a 7% da área total de projectos de mineração e, avançando o PPP de Lítio, este levaria a um aumento de cerca de 77% na área atribuída à prospecção mineira, correspondendo a 47% da área total. Em conjunto estes projectos de mineração de lítio afectam aproximadamente um milhão de hectares e cerca de 11,5% do território nacional», conclui.
Cavalo de Tróia
Cada um destes projectos inclui também, por lei, a extracção de outros minérios, como o cobre, o chumbo, o estanho, o feldspato, o ferro, o molibdénio, o níquel, o ouro, a prata, o quartzo, o tungsténio, o titânio. O lítio foi apenas o mineral escolhido pela propaganda mineira, por estar associado a baterias eléctricas e estas estarem associadas ao combate às alterações climáticas. Joana Canelas chama-lhe o «Cavalo de Tróia» da indústria extractivista para a invasão de parcelas impressionantes do território.
Para além disso, a simples aprovação duma exploração mineira promove a especulação sobre os direitos atribuídos e faz as acções da empresa promotora dançar as melhores músicas da bolsa de valores. No mundo financeiro, não é assim tão importante se a mina tem ou não viabilidade económica. Basta que a empresa tenha autorização para minerar para que o seu valor suba.
E, assim, é o próprio Estado português que, financiado pela bazuca europeia, serve os interesses da indústria automóvel europeia, anima os bailes bolsistas, sujeita-se, enfim, ao papel de súbdito neste jogo de colonialismo light, de rosto humano, em que é dentro da própria metrópole que se criam colónias, agora chamadas hubs, é nos territórios periféricos do próprio mundo rico que se situam as zonas de sacrifício ecológico, os locais destruídos que permitem a opulência verde da vida da nova civilização «sem emissões de carbono».
Contestação local
Se o fantasma do «interesse público» se concretizar, a mina do Barroso ameaça expropriar terras comunais que são fundamentais na agricultura, na pecuária e no próprio modo de vida de várias populações que podem ser afectadas. A contestação tem acompanhado todo o processo e sabe-se, desde o início, que a confiança nos procedimentos «ambientais» do Estado e das empresas envolvidas, que sempre foi pouca por parte das populações, se tem vindo a desvanecer e a transformar em desconfiança preventiva. Qualquer que seja a decisão final da APA, a das associações e populações locais já está tomada: não desistir de lutar para impedir a implementação da mina.
Os últimos momentos de contestação foram uma performance Anti-Mineração pelas ruas de Montalegre, no dia 13 de Janeiro, organizada pela PNB – Povo e Natureza do Barroso, e uma manifestação, no dia 21 de Janeiro, também em Montalegre, que pretendia aproveitar a presença de muita gente na cidade (incluindo a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes) por causa da Feira do Fumeiro para denunciar os impactos da exploração mineira, nomeadamente ao nível do consumo de água, alertar para que a mina «é incompatível» com o selo Barroso Património Agrícola Mundial e, enfim, «mostrar que a luta continua».
O próximo momento, uma outra manifestação numa outra geografia, é já no dia 18 de Fevereiro, às 15h, no Centro da Lixa, na Praça Dr. José Joaquim Coimbra, com organização do Movimento Seixoso-Vieiros: Lítio Não. A área do Seixoso-Vieiros abrange vários concelhos (Fafe, Celorico de Basto, Guimarães, Felgueiras e Amarante) e tem 144,2 quilómetros quadrados. Espera-se, no entanto, que a «solidariedade entre os montes» se continue a expressar, como aconteceu, de resto, em Montalegre. Nas palavras da organiazção, esta «acção de luta» pretende «alertar, mais uma vez, para as consequências ambientais da exploração de lítio», exigindo ao governo que não autorize a exploração de lítio.
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