
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Um olival super intensivo e zero infrações à lei: o caso dos Foros de Vale Figueira
No dia 1 de outubro de 2021, os vizinhos das Courelas da Caneira, perto da aldeia dos Foros de Vale Figueira, em Montemor-o-Novo, acordaram com movimentações no terreno que os circunda. O terreno, com cerca de 20 hectares, e que está imediatamente ao lado de um conjunto de 20 casas com cerca de 30 habitantes, parecia preparar-se para uma intervenção desproporcional. Os tratoristas, quando questionados, diziam que tinham ordens para não revelar nada. Quatro dias depois estava instalado um olival intensivo com 50 mil árvores.
Enquanto as máquinas preparavam o terreno para plantação, os vizinhos das Courelas da Caneira dirigiram uma carta à Junta de Freguesia dos Foros de Vale Figueira procurando saber o que estava destinado a acontecer naquele terreno. A carta não teve resposta. No dia 5 de outubro, enviaram nova carta, assinada por 21 vizinhos, desta vez à então presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, procurando saber se existia alguma autorização ou licenciamento para a empreitada. Nesse mesmo dia estava já implantado um olival super intensivo: 2,500 oliveiras por hectare, num total de 50,000 mil oliveiras, plantadas à distância de 1 metro entre elas e de 3 metros entre filas, com rega gota-a-gota. No dia 12 de outubro chega a resposta do Município, que afirma ter apenas conhecimento de um pedido de parecer para o arranque de 1 hectare de olival antigo que antes ocupava parte daquele terreno – ao qual o Município respondeu positivamente. No dia 14 de outubro, os vizinhos respondem à presidente da Câmara, já com o apoio da Associação ZERO, elencando uma série de leis e de decretos que o Município pode mobilizar para intervir. Nessa lista está o Plano Diretor Municipal (PDM) de Montemor-o-Novo, revisto apenas um mês antes, em setembro de 2021, e que passa a considerar interdita a instalação de olivais e pomares super intensivos fora da área de rega da Barragem dos Minutos (artigo 26, alínea c), como é o caso. Esta última carta nunca recebeu resposta e, entretanto, entra em funções o novo executivo camarário, como resultado das eleições autárquicas do mês anterior. A 26 de outubro, os vizinhos dirigem nova carta ao atual Presidente do Município, desta vez assinada por cerca de 30 vizinhos. A resposta, elaborada pelo Engenheiro do Ambiente, afirma que o pedido de parecer sobre o arranque do olival antigo já tinha dado entrada no sistema antes da revisão do PDM e que, portanto, nada a fazer – embora expresse a vontade política do Município de, no futuro, se pronunciar desfavoravelmente nestas situações.
O terreno, que é propriedade de um particular da aldeia, está alugado a uma empresa – Number Simulation, Lda – sobre a qual ninguém sabe nada, à exceção do NIF e morada que figuram em meia dúzia de diretórios online. Em novembro de 2021, aparece junto ao olival uma placa confirmando o subsídio do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR2020) a um projeto de «investimento em olival e equipamentos», com o objetivo de «dinamizar os territórios rurais». Sem certezas, os vizinhos desconfiam que a Number Simulation, Lda é apenas uma intermediária burocrática.
o Diretor Regional da DRAP escreve que «esta é a atual dinâmica da agricultura alentejana» e que tudo está regulado pela lei.
Nos meses que se seguem, os vizinhos contactam a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de Lisboa e de Portalegre e a Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Alentejo: todas elas respondem que o caso é da exclusiva competência da Câmara Municipal. A APA confirma até que a empresa tem licença para extrair água da charca e para pesquisar águas subterrâneas através de um furo, e o Diretor Regional da DRAP escreve que «esta é a atual dinâmica da agricultura alentejana» e que tudo está regulado pela lei – passando a elencar as várias leis e decretos que enquadram o arranque de árvores, a rega intensiva ou o uso de agroquímicos.
Enquanto isto, o olival super intensivo passa a acolher também painéis solares e há pulverizações com herbicidas e fertilizantes: as oliveiras, plantadas há menos de 1 ano, já têm um metro de altura. Em abril de 2022, os vizinhos das Courelas da Caneira organizam uma sessão pública na aldeia, tentando chamar a atenção da população para o olival. Um mês mais tarde, organizam novo encontro, desta vez com a mostra do filme «O Lado Negro do Azeite», de Sandra Cóias. Mas, à exceção de quem sente a presença do olival na sua paisagem, a restante população da aldeia não parece querer lutar contra o olival, e a Junta de Freguesia, apesar de demonstrar o seu apoio, não se quer comprometer com qualquer ação que responda ao artigo 26º do PDM.
Apesar disso, os cerca de 30 vizinhos do olival sabem que esta agricultura é um ícone da destruição do ecossistema alentejano e uma ameaça a todas as formas de vida. Os vizinhos que produzem queijo ou figo da índia arriscam perder a sua certificação de produção biológica se houver contaminação com os agroquímicos usados no olival. Na ribeira que ali passa ainda vivem populações de lontras cujo alimento principal são camarões de água doce, sensíveis à presença de substâncias tóxicas – para não falar na vindoura perda de caudal devido à rega gota-a-gota de 50,000 oliveiras. Esta situação destaca uma contradição grave diante da crise climática: as mesmas autoridades que se dizem empenhadas em implementar medidas de proteção climática e ecológica fazem, na prática, exatamente o contrário. Favorecem um cultivo ávido de água e de agroquímicos numa região de seca e de solos vulneráveis: um exemplo perfeito do aumento dos efeitos das mudanças climáticas, em vez da sua redução.
Para além disso, há muitas outras propriedades na região, que, sem a resistência da população, serão predadas por empresas que as querem alugar para agricultura intensiva, oferecendo aos proprietários – muitos deles herdeiros que já residem fora – compensação financeira a troco da destruição de uma paisagem que lhes fica longínqua. Não há lei nem instituição que, embalada pela ladainha da transição verde, a promoção do turismo rural ou a preservação da água arregacem mangas contra a «urbanização» da paisagem rural. Até agora, as portas fecham-se e os funcionários públicos encolhem os ombros os perante um crime que é, unanimemente, declarado legal. Mas os vizinhos das Courelas da Caneira mantêm-se ativos e atentos a todas as portas que possam ainda abrir-se em defesa do bem estar de todos.
Fotografia [em destaque] dos Vizinhos das Courelas da Caneira.
Artigo publicado no JornalMapa, edição #35, Setembro|Novembro 2022.
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